São Paulo, domingo, 02 de julho de 2000


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O economista John Kenneth Galbraith fala dos líderes que conheceu, como Roosevelt e Kennedy
Um exercício de frivolidade

Marcelo Coelho
do Conselho Editorial

John Kenneth Galbraith é um dos economistas mais influentes deste século. Leio, na ficha bibliográfica do livro, que ele está com 92 anos de idade: proeza que talvez por preconceito associo a velhas tartarugas do liberalismo econômico como Eugênio Gudin ou Milton Friedman. Galbraith sempre militou no campo oposto: favorável à intervenção do Estado, crítico do darwinismo liberal, cético quanto às virtudes do capitalismo, mas, sem ser socialista nem por sombra, destaca-se pela ironia e pelo senso crítico. Nascido no Canadá, desde jovem assessorou os governos democratas dos Estados Unidos. Na linguagem norte-americana, é um "liberal", ou seja, um esquerdista, admirador de Roosevelt e Kennedy, resistente às pressões dos banqueiros e da grande indústria. Este livro resume as experiências de Galbraith junto aos diversos governos que assessorou. É, infelizmente, curto demais. Roberto Campos, em "A Lanterna na Popa" (Topbooks), e Celso Furtado, nos três volumes de memórias que publicou ("Obra Autobiográfica", Paz e Terra) aproveitam a ocasião retrospectiva para traçar um quadro histórico precioso e instrutivo do período em que viveram. Livros como os de Furtado e Campos são verdadeiras aulas de economia e política internacional; o de Galbraith é uma frivolidade simpática e inútil. "Dropping Names", o título do original em inglês, funciona melhor do que "Contando Vantagem", opção não de todo infiel, mas tampouco exata, da tradução brasileira. A expressão "dropping names" se refere ao hábito mundano de citar pessoas famosas como se fossem nossas amigas íntimas, num exibicionismo detestável. Com típico charme "crítico", Galbraith escolheu esse título para narrar seus contatos com os homens mais poderosos do século. Teoricamente, ele nada teve a ver com a política norte-americana: sua alegre frivolidade é inocente. Na prática, ele conviveu com Lyndon Johnson e Kennedy como um papagaio de pirata. Seu livro transpira bom humor e indulgência. Sempre que pode, Galbraith escolhe o pormenor insignificante. Claro que ele era contra o envolvimento americano no Vietnã. Mas Johnson era um boa-praça; mais do que isso, um estadista, um herói épico. Eis um trecho, afinal ridículo, do livro: "Quando apelei a LBJ (Lyndon Johnson) contra o empenho no Vietnã, ele me disse em tom brusco que eu devia ser grato pelo modo como estava contendo os generais: "Você não tem idéia do que eles estariam fazendo se eu não estivesse aqui para detê-los"." O poder emburrece, e Galbraith parece lamentar que seu emburrecimento não tenha sido completo. O resultado destas duzentas e poucas páginas é bastante incômodo. Toda a proximidade de Galbraith com o poder surge como um exercício de irresponsabilidade e inocência. Ele só se questiona quando lembra uma gafe ou outra nos discursos que escreveu para este ou aquele presidente. A proximidade ganha foros de distância: sem ter nada a ver com os "falcões" do Pentágono, Galbraith assume um tom vago e condescendente com a política externa norte-americana e não exagera a influência que teve sobre a política interna do país que adotou.

Professor avoado
Passagens moderadamente saborosas são relatadas no livro. Nehru se encanta por uma atriz de Hollywood. Kennedy é ríspido com o narrador. Adlai Stevenson é irresistível. Roosevelt sabe ser misterioso como Getúlio Vargas. Eleanor Roosevelt é o máximo, Jackie Kennedy é mais astuta do que pensávamos. Ficamos nisso.
Um homem inteligente, contente de si, revê o século americano sem crítica, sem entusiasmo, sem problema. Não teve nada a ver com nada; teria sido um ingênuo? Teria sido um oportunista?
Nem uma coisa nem outra. Mas é entre essa coisa e a outra que o livro oscila, como se o autor fosse uma espécie de professor avoado, ao mesmo tempo detalhista, vago e indulgente.



Contando Vantagem
208 págs., R$ 25,00 de John Kenneth Galbraith. Trad. de Flávia Villas-Boas. Ed. Record (r. Argentina, 171, CEP 20921-380, RJ, tel. 0/xx/21/585-2000).




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