|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ réplica
Uma incursão de risco
Leda Tenório da Motta
especial para a Folha
Em relação à resenha do meu livro
"Francis Ponge - O Objeto em Jogo"
(Iluminuras), publicada no Mais! em
18/6, e em atenção aos leitores do caderno gostaria de observar que:
1. O poeta Francis Ponge (1899-1988),
ainda que não sem angústia, não faz
qualquer distinção entre prosa e poesia,
o que aliás, entre outras coisas, o leva a
chamar o poema de "proema" ou "proêmio" ("proême"). Assim, quando eu comento longamente, no capítulo três, um
dos mais extensos e torturantes textos de
Ponge, o texto intitulado "Tentativa
Oral" (inteiramente traduzido por mim
noutra parte: "Francis Ponge, Métodos",
Imago, 1997), acho que estou fazendo
bem aquilo que o resenhista diz que eu
não faço, a saber: análise do... poema.
Como ainda estaria fazendo análise do
poema se estivesse comentando, por
exemplo, o texto "O Cão e o Frasco" ou
"Senhorita Bisturi", do volume "O
Spleen de Paris", de Baudelaire (também
traduzido por mim, em 1995), em que,
justamente, começam as não-fronteiras.
Como ainda estaria fazendo análise poética se me dedicasse às "Poesias", de Lautréamont, que acontecem em frases e períodos, não em versos ou estrofes, ou se
me ocupasse -eu, aliás, me ocupo, no
quarto capítulo do meu livro, até porque
Borges foi tradutor de Ponge, o que não é
dizer pouco sobre Ponge- daquela prosa do autor do "Elogio da Sombra" inserida, tão indiscriminada quanto vertiginosamente, em livros ditos de poemas.
2. Eu estou, justamente, querendo ser
"indelicada" -como diz o resenhista,
usando dessa expressão- com todos os
demais poetas da segunda metade do século 20 francês quando digo que Ponge é,
talvez, o mais relevante de todos. Aí incluída -para apontar o que a resenha
não apontava- gente como Yves Bonnefoy, Henri Michaux, Edmond Jabès,
Henri Meschonnic, Denis Roche, Jacques Réda, Jacques Roubaud, Henri Deluy... Trata-se, mais e melhor que "indelicadeza", de uma incursão de risco, ou de
risco crítico, e é porque risco há que o crítico assina embaixo, depois de sua demonstração. Trata-se também de certo
atrevimento, inspirado, entre outros, no
Eliot que diz das "Flores do Mal" que esse é o mais importante exemplar de poesia moderna em termos absolutos.
E também -o que é politicamente incorreto, eu sei- de trabalhar com um
cânone restrito, e mais que isso, com um
centro do cânone. Que é bem no que Otto Maria Carpeaux devia estar pensando
quando diz de Thomas Mann que ele é o
maior dos pequenos escritores. E no que
devem estar pensando todos aqueles que
não costumam meditar longamente antes de pôr um "negócio" chamado "Em
Busca do Tempo Perdido" (de que trata
meu livro "Catedral em Obras", de 1995)
na posição em que, neste século, o põem.
3. Finalmente, eu não "seguro o (meu)
discurso", mesmo, como se lia na resenha. Até porque eu sou uma leitora de
Ponge, uma perseguidora de seus irônicos "Métodos", e as idéias, para falar como o poeta, avesso a toda pose, embora
não a todo risco, "não são o meu forte".
Se fossem, eu seria mais "pedagógica". E,
em vez de ficar girando em torno de Baudelaire, Proust, Borges e o autor de "O
Partido das Coisas" (para não falar de
Céline), como os leitores da Folha sabem
que eu giro, eu poderia, enfim, me dedicar a temas mais... prestantes. Algo assim
como... Francis Ponge e o Brasil!
Leda Tenório da Motta é professora de comunicação e semiótica da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e autora de "Lições de Literatura
Francesa" (Imago).
Texto Anterior: + livros - Richard Rorty: A autoridade dos papas Próximo Texto: Marcelo Coelho: Um exercício de frivolidade Índice
|