São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2008

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O dia D [de dólar]


Eleições de terça-feira serão um referendo sobre a crise financeira e deverão levar à vitória do democrata Barack Obama, defende Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia deste ano


A mensagem de McCain era: Obama não é um de nós; ele é uma celebridade, não como Sarah Palin, a "mamãe do hóquei"

PAUL KRUGMAN

Um ano atrás eu achava que sabia o que aconteceria nesta eleição: seria um referendo sobre as políticas econômicas conservadoras, levando a uma grande vitória democrata e a uma mudança fundamental na direção do país. Então, durante alguns meses agônicos, pareceu que eu poderia estar completamente errado. Mas, a esta altura, pouco antes de os eleitores irem às urnas, volto à minha previsão inicial.
Em meu último livro, "The Conscience of a Liberal" [A Consciência de um Liberal], afirmei que o movimento conservador que hoje domina o Partido Republicano adotou políticas que promovem a desigualdade e a insegurança e deixaram a grande maioria dos americanos em pior situação.
O GOP [Grand Old Party, como é conhecido o Partido Republicano], não obstante, conseguiu vencer eleições por meio de políticas de identidade -principalmente explorando o ressentimento racial branco.
Mas, argumentei, as políticas de identidade estavam perdendo a eficácia, porque os Estados Unidos se tornaram mais tolerantes e, grosso modo, menos brancos. Em conseqüência, a era do predomínio conservador havia terminado.
A eleição legislativa de 2006, que pôs um fim abrupto à permanente maioria republicana, pareceu confirmar minha tese.
Aquela eleição deu aos democratas uma maioria mais ampla na Câmara do que os republicanos jamais alcançaram em seu reinado de 12 anos.
Além disso, essa nova maioria democrata é muito mais solidamente progressista do que a aliança pré-1994 entre os liberais do norte e os "dixiecratas" [ala de direita dos democratas sulinos].
E eu esperava que a eleição de 2008 continuasse e cimentasse essa mudança de poder, levando por sua vez a uma transformação das políticas federais -um novo "New Deal" [plano de recuperação econômica dos anos 1930].

Sem o fio da meada
Por um momento, porém, os democratas em geral, e Barack Obama, em particular, pareceram ter perdido o fio da meada.
Em vez de atacar o histórico econômico republicano, Obama passou a temporada das primárias e as primeiras semanas da campanha para a eleição geral pintando-se como um político "pós-partidário", alguém que transcenderia a divisão política tradicional.
Em seus discursos, ele tendeu a culpar igualmente os dois partidos pelos problemas do país, denunciando igualmente os fracassos políticos da direita e da esquerda.
E, quando falava de economia, parecia fazer o possível para evitar marcar pontos políticos: no início de agosto, ainda falava sobre como as rendas tinham aumentado "durante a década de 1990" e caído "nos últimos anos", de certa forma deixando de mencionar que os anos bons haviam sido sob um presidente democrata e os anos maus, sob um republicano.
A falta de uma narrativa econômica firme por parte de Obama permitiu que a campanha de John McCain, hoje dirigida por discípulos de Karl Rove [estrategista das campanhas eleitorais de George W. Bush], fizesse duas coisas.
Primeira, conseguiu apagar a questão de quem oferecia "mudança" -porque, se mudança não fosse definida claramente como uma rejeição às políticas econômicas conservadoras, John McCain também poderia alegar ser um candidato pró-mudança.
Segunda, sem a economia em primeiro plano, havia espaço para uma nova versão da antiga política de identidades.
Não importam os detalhes da política, era a mensagem de McCain, Obama não é um de nós -ele é uma celebridade, não como Sarah Palin, a "mamãe do hóquei".
E as táticas de McCain foram eficazes.
No início de setembro, parecia que o aparentemente impossível poderia acontecer: uma vitória republicana em um ano em que tudo -a situação da economia em curto prazo, a estagnação da renda dos americanos em longo prazo e a antipatia do público pelo governo Bush- favorecia extremamente os democratas.
Mas tudo isso mudou nas últimas semanas. Parte do que mudou, é claro, foi o agravamento da crise financeira -a queda do Lehman Brothers, o pânico nos mercados e a admissão pelo governo Bush da necessidade de uma enorme ajuda do Estado.
Mas algum crédito também deve ir para Obama, que reagiu a sua queda nas pesquisas tornando-se muito mais eficaz ao transmitir a mensagem econômica democrata.

Veredicto final
Hoje em dia, ele não tenta culpar igualmente a direita e a esquerda, mas denuncia "uma filosofia econômica que diz que devemos dar cada vez mais àqueles que têm mais e esperar que a prosperidade escorra para todos os outros" e descreve a crise como "um veredicto final sobre essa filosofia fracassada".
Em outras palavras, soa muito como Bill Clinton em 1992. E isso é bom.
Então a eleição será um referendo sobre as políticas econômicas, afinal. E, embora em política nada seja garantido, as probabilidades são de que esse referendo realmente produza uma grande vitória de Obama e seu partido.
O que vão fazer com essa vitória é outra questão, mas, por enquanto, pelo menos, as perspectivas de um novo "New Deal" parecem promissoras mais uma vez.


PAUL KRUGMAN é professor de economia e relações internacionais na Universidade Princeton e colunista do "The New York Times". Ganhou há duas semanas o Prêmio Nobel de Economia.
Este texto saiu no "New York Review of Books". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .


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