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+ Polêmica
Paris em brasas
O teórico da literatura Antoine Compagnon rebate capa da revista "Time" desta
semana que desqualifica a cultura francesa
ANTOINE COMPAGNON
A
morte da cultura
francesa": esse é o
grande título na capa do novo número
da versão européia
da revista "Time" (3/12).
A edição norte-americana
não considerou necessário publicar o artigo: sua abstenção
confirma que, do ponto de vista
da Entertainment Industry (a
Time Warner também é proprietária de AOL, HBO e CNN),
a cultura francesa já está bem
enterrada -decididamente nula e inexistente.
É uma velha arenga. Há três
anos, o "London Review of
Books" publicou dois artigos
tonitruantes do sociólogo marxista Perry Anderson sobre "A
Queda da França" (em 2/9 e
23/9/ 2004).
Don Morrison, o responsável
pela edição européia de "Time", houve por bem enumerar
os sintomas do mal cultural
francês: 727 novos romances
nas livrarias no início de 2007,
mas menos de uma dúzia traduzidos nos EUA por ano; cerca de 200 filmes produzidos
por ano na França, mas quase
50% das receitas de bilheteria
para o cinema americano; Paris
abandonada pela criação musical e pelo mercado de arte. Tudo isso apesar de um orçamento para a cultura desproporcional (1,5% do PIB, contra 0,7%
na Alemanha, 0,5% no Reino
Unido, 0,3% nos EUA).
Em suma, uma cultura sob
alimentação intravenosa, amplamente subvencionada pelo
Estado, as regiões ou os municípios, mas sem ecos além das
fronteiras.
As causas desse isolamento
são citadas: o francês é somente a 12ª língua falada no mundo; a cultura de Estado desencoraja as iniciativas privadas;
os subsídios permitem que a
criação sobreviva internamente, sem enfrentar o mercado
mundial; o "nouveau roman" e
a teoria literária esterilizaram
a ficção, embora os franceses
prefiram ler romances épicos
americanos.
Sem dúvida poderíamos alegar que Paris é o destino preferido dos turistas de todos os
países, dos americanos em particular, que o francês continua
sendo a principal língua estrangeira ensinada nos EUA
(pois o espanhol não é mais
uma língua estrangeira) ou que
"Suíte Francesa", de Irène Némirovsky, prêmio de tradução
da Fundação Franco-Americana em 2006 (eu fiz parte do júri), está há várias semanas na
lista de best-sellers do "New
York Times".
Três dos principais acontecimentos musicais deste outono
em Nova York nos foram oferecidos por Pierre Boulez, substituindo Claudio Abbado na direção da orquestra do Festival
de Lucerna na "Terceira Sinfonia" de Mahler, no Carnegie
Hall; pelo pianista Pierre-Laurent Aimard, em Haydn, Mozart e Beethoven com a orquestra de câmara Mahler; e por
Natalie Dessay, durante sua estréia na Metropolitan Opera
em "Lucia di Lammermoor".
Mas a bela contrapartida de
Irène Némirovsky não recompensa a literatura viva, e Boulez não é mais um jovem.
Assim, seria irracional ignorar o veredicto de nossos amigos americanos sobre a pane da
cultura francesa.
Olhar para si mesmo
Vistos de além-Atlântico, depois do existencialismo e do estruturalismo, depois de Malraux, Sartre e Camus, ou Barthes, Foucault e Derrida, os artigos de Paris não inspiram
mais a vanguarda intelectual.
Eu mesmo leio os últimos
Philip Roth, Thomas Pynchon
ou Don DeLillo com mais vontade que a última autoficção de
Saint-Germain-des-Prés [bairro de Paris], farsa minimalista
ou ditado pós-naturalista.
Segundo Douglas Kennedy,
citado pela "Time", enquanto
"a ficção norte-americana trata
da condição americana, os romancistas franceses fazem coisas interessantes, mas o que
eles não fazem é olhar para a
França".
Como as regras do jornalismo norte-americano exigem
sempre "tornar positivo", o editor europeu da "Time" pelo menos nos afaga a alma na conclusão. Afinal, não fazemos às vezes bons filmes, como "Taxi",
de Luc Besson, ou "Amélie
Poulain"?
Acontece que eu os vi (é o tipo de filme aos quais a Air
France expõe os prisioneiros
de seus aviões), mas eles não
me dão motivos especiais para
ter esperanças.
Mais seriamente, tendo acabado com o colonialismo, a
França se tornou "um bazar
multiétnico de arte, música e
escrita das periferias e de cantos díspares do mundo não-branco", o que a torna "um paraíso para os amantes das culturas estrangeiras".
Que a cultura francesa pare,
portanto, de choramingar sobre sua decadência para se realimentar em suas margens, que
ela se abra sem ressentimentos
à globalização -essa é a recomendação da "Time". Adotemos a receita multicultural e
estaremos salvos.
Mas atenção! Como metrópole da diáspora pós-moderna,
como capital do mundo do século 21, Paris não será rival de
Nova York, não mais que na
Bolsa ou nas salas de leilões.
Romance no prelo
A saída do declínio passa pela
refundação da escola, a volta à
moda da leitura, a reparação do
hiato entre a literatura e o
mundo, a introdução do ensino
artístico na escola secundária, a
concorrência das universidades ou a liberalização dos assuntos culturais, como prescrevem o presidente da República
e seus ministros da Educação
Nacional, do Ensino Superior e
da Cultura?
Talvez, mas apostemos sobretudo, para desmentir todos
os Perry Anderson e Don Morrison, que o romance da França
contemporânea está no prelo.
ANTOINE COMPAGNON é professor nas universidades Columbia (EUA) e Paris 4 (França). A
íntegra deste texto foi publicada no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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