São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007

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Louis Pasteur

Raiva progressiva

O trabalho de Louis Pasteur (1822-95) sobre a geração espontânea criou tanta sensação na França quanto fizera a "Hétérogénie" (1859) de Pouchet. Em ambos os casos a sensação ultrapassou os círculos científicos. O vasto interesse popular nesse debate proveio de suas pretensas implicações religiosas, filosóficas e até políticas, pois a questão da geração espontânea fazia parte do debate geral que campeava na França entre o materialismo e o espiritualismo.
Os resultados de Pouchet eram evocados para corroborar o materialismo, o evolucionismo e a política radical, enquanto os resultados opostos de Pasteur eram usados para respaldar o espiritualismo, a narrativa bíblica da criação e a política conservadora. Em abril de 1864, em uma palestra na Sorbonne, Pasteur enfatizou que a doutrina da geração espontânea (assim como o materialismo em geral) ameaçava o próprio conceito de Deus criador.

Negação a priori
Embora insistisse em haver abordado essa questão sem idéias preconcebidas e se dissesse disposto a se manifestar em favor da geração espontânea, caso "os experimentos me houvessem imposto essa visão", temos razões para crer que ele queria negar a priori a existência da geração espontânea, pelo menos com o mesmo fervor com que Pouchet queria afirmá-la.
Pois a posição de Pasteur no debate se coadunava com suas convicções religiosas e políticas conservadoras e com alguns aspectos de seu conceito de fermentação. [...]
Em dezembro de 1884, relutantemente, ele se recusou, com os meios de que dispunha, a tratar uma criança mordida, assinalando não haver confirmado que seu método [de vacinação anti-rábica] funcionaria nos cães depois de eles serem mordidos e confessando que, ainda que o método lograsse êxito nessa situação, sua mão "tremeria" ao aplicar o tratamento em seres humanos, "pois o que é possível no cão talvez não o seja no homem".

Menino mordido
Mas, em março de 1885, havia começado a testar seu método em cães já mordidos e, em 6/7/1885, resolveu tratar Joseph Meister, um menino de nove anos proveniente da Alsácia, "não sem sentir extrema angústia", embora dois médicos solidários lhe houvessem garantido que, de outro modo, o menino estaria "condenado à morte inevitável", e embora seu novo método de profilaxia nunca houvesse falhado nos cães. [...]
Pasteur consultou imediatamente Alfred Vulpian, um integrante da comissão sobre a raiva, e Jacques Joseph Grancher, que trabalhava em seu laboratório. Ambos consideraram que o jovem Meister estava condenado. Depois que Pasteur lhes falou de seus novos resultados, os dois o exortaram a usar o novo método no menino.
O tratamento, iniciado na mesma tarde, durou dez dias, durante os quais Meister recebeu 13 injeções abdominais, feitas com medulas de coelho progressivamente mais virulentas. No fim do tratamento, Meister fora inoculado com o vírus mais virulento de raiva de que se tinha conhecimento -o de um cão raivoso, aumentado por uma longa série de passagens por coelhos.
Apesar disso, o menino continuara saudável nos quatro meses seguintes à ocasião em que fora mordido, de modo que sua recuperação parecia garantida. De acordo com Dubos, Meister acabou por se tornar zelador do Instituto Pasteur e viveu até 1940, quando preferiu suicidar-se a abrir a cripta funerária de Pasteur para o Exército alemão invasor.


Trecho do verbete escrito por Gerald Geison .


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