São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ Cultura

Muita fala, pouco ócio


Marc Fumaroli diz que a falta de contemplação rebaixou arte contemporâ- nea a puro marketing

JEAN-LOUIS JEANNELLE

Novo "caipira" das grandes capitais culturais, Marc Fumaroli faz, em "Paris-New York et Retour" (Paris-Nova York e Retorno, ed. Fayard, 634 págs., 26, R$ 75), o diário de seus passeios, suas visitas e suas leituras durante uma temporada nova-iorquina seguida de um semestre parisiense.
No livro, o especialista na retórica da era clássica e professor honorário no Collège de France multiplica as idas e vindas entre civilização americana e história europeia, os vaivéns entre atualidade cultural e memória erudita, as oscilações entre mercadorias "low brow" (populares, massificadas) e referências muito "high brow" (elitistas, intelectuais).
Mas, por trás da desordem de um texto escrito "a saltos e cambalhotas", se esboça uma tese: aos olhos de Fumaroli, a perda de aura sofrida pelas obras de arte, que Walter Benjamin havia diagnosticado em uma época em que a reprodutibilidade técnica ainda não se beneficiara dos recursos da internet e da digitalização, hoje chegou ao fim.
Mais nada distingue a arte chamada "contemporânea" do fluxo de imagens com que nos bombardeiam as revistas, os cartazes e as telas que ditam o ritmo do nosso consumo.
Rejeitando em bloco todo academicismo, os artistas de hoje teriam esgotado sua arte à força de escândalos, em que a polêmica faz as vezes de publicidade e em que a exegese erudita nunca deve nada aos leilões comerciais.

Paixão e náusea
Para o autor, a arte contemporânea não passa de uma extensão ilimitada e vazia das "practical jokes"de Marcel Duchamp, um coquetel de marketing e de entretenimento cujo santo patrono seria o grande empresário de espetáculos Phineas Taylor Barnum. O ataque é muitas vezes feroz, e não faltam julgamentos pré-fabricados.
O vigor polêmico desse ensaio corre o risco, porém, de mascarar sua importância: Fumaroli desconstrói a tese proposta pelo historiador da arte Serge Guilbaut, segundo a qual Nova York teria roubado de Paris a ideia da arte moderna.
A essa ideia de sucessão, Fumaroli opõe a solução de continuidade: o imaginário contemporâneo emitido pelos EUA não deve mais grande coisa à longa história de sua antecedente europeia.
Se há o perigo de se alinhar atualmente aos valores cotados em Nova York, Londres ou Xangai, diz, é porque o mercado, que se tornou o único prescritor de legitimidade, ignora esse rebaixamento social e intelectual de que a arte se alimentou antigamente: o "otium" [ócio].
Verdadeiro repouso, suspense atento, o "otium" é uma forma de lazer dedicada às coisas do espírito, à colocação em parênteses do "negotium" (o comércio). É esse plano de fundo social e cultural que seria necessário aos provedores da arte contemporânea, dedicados a suprir essa falta por um excesso de consumo e de comunicação.


A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

ONDE ENCOMENDAR - Livros em francês podem ser encomendados no site
www.alapage.com



Texto Anterior: J.G. Ballard no Brasil
Próximo Texto: Plantão médico
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.