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Pânico moral
O HISTORIADOR INGLÊS PETER BURKE RELEMBRA
A CRIAÇÃO DE BOATOS E CULPABILIZAÇÕES DEVIDO A TRAGÉDIAS
E EPIDEMIAS E RESSALTA O PAPEL CRUCIAL DO JORNALISMO
A epidemia
é uma ameaça real, mas há o perigo
de que as pessoas reajam a ela de maneira excessiva ou errada
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Eliana Aponte - 28.abr.09/Reuters
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Artista de rua realiza performance usando máscara cirúrgica na Cidade do México
PETER BURKE
COLUNISTA DA FOLHA
U
ma das desvantagens da globalização, no sentido de
eficiência ampliada das comunicações, é que não só as mensagens como as doenças podem
se espalhar mais rápido do que
no passado, e a atual epidemia
de gripe suína exemplifica esse
fato muito bem.
A epidemia é claramente
uma ameaça real. Mesmo assim, existe o perigo de que as
pessoas reajam de maneira excessiva a ela, ou reajam de maneira errada, o que poderia resultar em pânico coletivo.
Pânicos coletivos -ou "pânicos morais", como alguns sociólogos os denominam- são
um fenômeno comum, talvez
até comum demais.
Ocasionalmente o perigo é
imaginário, como na onda de
pânicos relacionados a bruxas
que se espalhou pela Europa
nos séculos 16 e 17 e resultou
na morte de milhares de pessoas inocentes.
Na China, em 1768, por
exemplo, surgiu um grande pânico causado por boatos de que
pessoas sem moradia estariam
roubando as almas das pessoas
comuns, e foi necessária uma
intervenção do governo para
acalmar a situação.
Na metade de 1789, quando a
Revolução Francesa estava começando, um boato (hoje conhecido como "La Grande
Peur", ou "o grande medo") se
espalhou pelas regiões rurais
do país. De acordo com o boato,
salteadores estavam se preparando para atacar aldeias e roubar sua comida, como parte de
um complô da aristocracia
contra o povo.
Em consequência, os camponeses se armaram e alguns deles decidiram atacar as casas
dos nobres, em uma espécie de
golpe preventivo.
Já em outras ocasiões o perigo é real, e não imaginário, mas
os boatos servem para amplificá-lo, como no caso da praga
que se abateu sobre a Europa
em 1348 e retornou em diversas ocasiões -em Milão e outras cidades do norte da Itália
em 1630, em Londres em 1665
e assim por diante.
Bodes expiatórios
Na esfera econômica, um pânico pode bastar para produzir
os efeitos cuja possibilidade
desperta o medo das pessoas,
para começar.
Um exemplo vívido -e que
oferece paralelos desconfortáveis com relação à situação presente- é o do pânico financeiro
que tomou os EUA em 1873.
A crise surgiu depois de um
surto de gripe equina e do colapso de um grande banco (o
Jay Cooke & Co.) e resultou em
uma depressão econômica que
durou alguns anos.
Em casos de pânico coletivo,
é comum que surja uma busca
por bodes expiatórios. Em outras palavras, grupos ou até
mesmo indivíduos são culpados por situações que resultam,
ao menos em parte, de debilidades do sistema econômico,
social ou político.
Não há nada de surpreendente nisso: indivíduos são visíveis, enquanto sistemas trabalham por efeito de uma "mão
invisível". Como resultado, histórias sobre complôs são tema
recorrente nos pânicos.
Esses complôs são em geral
atribuídos a grupos que já foram descritos como "demônios
folclóricos".
Em outras palavras, pessoas
que são alvo de preconceitos
em determinadas culturas -os
católicos (em culturas protestantes), os judeus, os jesuítas,
os aristocratas, os banqueiros
(de olhos azuis ou de olhos castanhos), os maçons ou os comunistas.
São grupos suspeitos de
conspirar para envenenar, infectar, queimar, sequestrar ou
empobrecer as pessoas comuns
ou para promover um golpe de
Estado ou uma revolução.
A praga que atingiu Milão em
1630 e tem parte importante
em "Os Noivos" ["I Promessi
Sposi"], o grande romance de
Alessandro Manzoni, foi atribuída por alguns aos chamados
"untori", um grupo que espalhava um unguento mortífero
pela cidade.
Histórias sobre vilões que
envenenam os reservatórios de
água ou satanistas que torturam e matam crianças estão em
circulação há muitos séculos
(pelo menos desde o século 14).
Nesse contexto, não parece
irracionável falar em surtos de
paranoia coletiva, desde que
não descartemos os pânicos como completamente irracionais,
patológicos ou absurdos.
Pode haver bons motivos para uma atmosfera de pânico ou
incerteza que leve à difusão de
rumores desse tipo.
Medo das bruxas
Os pânicos podem representar reação excessiva, mas são
reação a um problema real.
As bruxas não existiam (ou
ao menos não tinham os poderes de causar o mal que lhes
eram atribuídos), mas o medo
de bruxas expressava tensões
sociais reais.
Nunca existiram ladrões de
almas, mas os rumores sobre
eles expressavam ansiedade da
parte das pessoas domiciliadas
quanto ao número de pessoas
que levavam uma existência
nômade nas estradas chinesas.
Os salteadores não estavam
mais ativos na França no verão
de 1789 do que em outras ocasiões, mas os boatos sobre sua
ação e sobre a conexão entre
salteadores e a aristocracia nos
dizem algo sobre os problemas
e os temores dos camponeses
franceses da época.
Não havia complôs para espalhar a praga, quer em Milão
em 1630 ou em Londres em
1665, mas a praga mesma era
um perigo muito real.
Caminho do meio
Será possível encontrar um
caminho intermediário entre
ignorar ameaças reais e sucumbir a pânicos coletivos? Os
meios de comunicação têm papel importante a desempenhar,
quanto a isso.
Os rumores que transmitem
e amplificam os pânicos são
muitas vezes reações à falta de
informações confiáveis.
Se podemos afirmar que um
pânico se assemelha a uma
doença coletiva, o remédio -ou
ainda melhor, o profilático-
está no jornalismo responsável,
quer na televisão, no rádio ou
nos jornais.
PETER BURKE é historiador inglês, autor de "O
Que É História Cultural?" (ed. Zahar). Ele escreve regularmente na seção "Autores", do Mais!.
Tradução de Paulo Migliacci.
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