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Paixão maltratada
O CRÍTICO LUIZ COSTA LIMA FALA
DO RECÉM-LANÇADO "O CONTROLE DO IMAGINÁRIO"
E DISCUTE O PAPEL DAS CIÊNCIAS HUMANAS
NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Por que se edita tão pouca poesia entre nós? Porque os poetas vendem muito pouco
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ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com "O Controle do
Imaginário & A Afirmação do Romance",
o teórico da literatura e colunista da Folha Luiz Costa Lima volta a um
dos temas que mais tem trabalhado, desde os anos 1980,
quando lançou os volumes que
foram recentemente republicados, em uma única edição revista pela editora Topbooks,
com o título de "Trilogia do
Controle".
Na primeira parte de seu novo livro, ele estuda principalmente o período do Renascimento italiano -"como o tempo de que parte não só a hostilidade contra o romance como a
motivação para ele".
Também analisa as variadas
formas que assume esse antiquíssimo veto ao ficcional e
mostra como Aristóteles discutiu a imaginação em um de seus
textos mais enigmáticos, o "De
Anima".
Em seguida, na segunda parte, comenta quatro livros "paradigmáticos", relacionando-os com os mecanismos de controle vigentes: "Dom Quixote",
de Miguel de Cervantes, "Moll
Flanders", de Daniel Defoe, "As
Relações Perigosas", de Choderlos de Laclos, e "Tristram
Shandy", de Laurence Sterne.
Na entrevista abaixo, fala sobre a obra, sobre esses mecanismos pelos quais as sociedades buscam defender seus valores e como, no capitalismo, o
controle assume novas feições.
FOLHA - A dedicatória a tantos
amigos mortos recentemente antecipa um estado de espírito que fica
evidente na sua nota introdutória
bastante desencantada. Faz sentido
estudar literatura no Brasil?
LUIZ COSTA LIMA - A situação que
você levanta é semelhante à de
um homem que descobrisse ser
uma embusteira a mulher pela
qual está apaixonado (ou vice-versa). Ter consciência do embuste dela não refrearia sua
paixão.
Do mesmo modo, saber que o
estudo da literatura neste país é
uma excrescência, muitas vezes visto como algo prejudicial
ao próprio gosto pela literatura
(!), é por certo desanimador.
Mas, pensando em termos
globais, o que "faz sentido" em
um capitalismo que hoje enfatiza o consumo, e não mais a
produção?
Na fase anterior, ainda se poderia confundir a presença da
graça divina com o êxito no trabalho e, daí, estabelecer-se uma
ética calvinista. Agora, apenas
faz sentido ganhar muito dinheiro em um mínimo espaço
de tempo.
FOLHA - Uma variação da pergunta
anterior, mas de outro ponto de vista. Gostaria que comentasse a seguinte afirmação, em seu livro: "A
obsessão com o problema do controle resulta em que, lateralmente,
se visualize um fundo inatingível: o
que leva alguém a insistir numa criação que só parece inútil e ociosa?".
COSTA LIMA - A frase procura desindividualizar a sensação de
inutilidade dos que não têm
uma atividade que "faz sentido". Assim considerando, o estudo das artes e da filosofia é
privilegiado. No Ocidente, ser
artista ou filósofo sempre "fez
sentido" se isso ou aquilo estava a serviço de uma causa (religiosa ou política).
Para ficar com o caso das artes: desde que elas começaram
a se autonomizar, entre finais
do século 18 e começos do 19, a
tendência maciça foi assumirem uma postura crítica quanto aos valores dominantes.
Mesmo antes, entretanto,
sob situação ainda mais adversa, elas -sobretudo o que hoje
chamamos literatura- procuraram desdobrar um veio crítico que, se descoberto, poria em
risco, no mínimo, a circulação
da obra.
Daí a extrema importância
que concedo ao que chamo de
controle do imaginário.
Analisando os mecanismos
pelos quais as sociedades procuravam defender seus valores,
temos condições de melhor verificar as estratégias dos autores em se desviar da espada virtuosa, o controle.
O exemplo imediato seria o
do "Dom Quixote" diante da
Contra-Reforma.
FOLHA - Como vê a questão do
controle na atualidade? Que autores
contemporâneos mais acompanha?
COSTA LIMA - À medida que o capitalismo avançado restringe
seus valores em ganhar dinheiro, o controle também se limita
a essa frente.
Assim, uma obra/um autor
que sejam extremamente críticos da própria estrutura capitalista podem ser favorecidos caso seu argumento aumente sua
capacidade de venda, desde que
a sociedade se saiba protegida.
É, por exemplo, frequente
nos EUA que "scholars" sejam
contratados por universidades
com salários excepcionais porque atraem um grande público,
sem que esse número prejudique o andamento dos negócios.
Na literatura, a chamada "literatura de testemunho" se integra no caso.
Na pintura, há toda uma tradição cujos polos são o Marcel
Duchamp do mictório, exposto
como obra escultórica, até os
"ready-made" de Warhol.
São obras que aparentam desafiar o mercado, quando são
feitas para o mercado.
No caso, o controle se apresenta sob uma forma neutralizada, isto é, os agentes institucionais -críticos, professores,
curadores, marchands- estimulam o que pareceria dever
ser controlado porque sabem
que a divergência (real ou aparente) estimulará o consumo.
A tática da neutralização, nos
países periféricos, é bem mais
dura. Por que se edita muito
pouca poesia entre nós? Porque os poetas são libertinos ou
anarquistas? Dificilmente, mas
sim porque vendem muito pouco. Toda vez que escrevo, que
pratico um ato de reflexão teórica, me pergunto se ainda terei
editor.
Rara vez, atualmente, o controle precisa sair desse círculo
estreito: tal produto vende ou
não vende?
Quanto a autores da atualidade que valorizo, como o critério de nacionalidade me importa pouco, interesso-me tanto por Beckett ou Philip Roth
ou por um poeta como Auden
ou o espanhol Antonio Machado -sobre o qual ainda pretendo escrever- como por Milton
Hatoum, que vejo em processo
de crescimento, ou por uma jovem poeta, que apenas começo
a descobrir, Virna Teixeira.
FOLHA - Em que está trabalhando
atualmente?
COSTA LIMA - Terminei há alguns meses de responder a um
conjunto de perguntas sobre
cada um dos livros que escrevi
até agora.
Pela seriedade de seu organizador, um ex-aluno que começa
sua carreira de professor universitário, Dau Bastos, creio
que será um livro bastante útil
para explicar, em linguagem direta, a razão de certos argumentos teóricos e como concebo o que tenho escrito -adianto que considero que meu primeiro livro apareceu apenas
em 1980, o "Mímesis e Modernidade" [ed. Graal].
Tudo o que fiz antes, inclusive meu doutoramento, tão-só
fez parte de minha aprendizagem de pensar e escrever.
Recentemente, tenho trabalhado com um professor da
Universidade de Brasília, José
Otávio Nogueira, na tradução e
organização de uma coletânea
de textos sobre a reflexão contemporânea acerca da mímesis.
José Otávio traduziu um texto de Jean-Pierre Vernant, eu
traduzi dois textos do alemão,
um de um filósofo ainda muito
pouco conhecido no Brasil,
Hans Blumenberg, outro de um
filólogo, Arbogast Schmitt.
Pensava ainda em acrescentar um texto com três pontas,
sobre a "Teoria Estética" de
Adorno, sobre uns poucos textos capitais de Jacques Derrida
e sobre a maneira como eu
mesmo tenho repensado a
questão da mímesis.
Mas o texto ficou demasiado
grande e, como discordo de
Adorno e Derrida, poderia dar a
impressão de que me socorro
de dois nomes famosos para
ressaltar minha divergência.
ADRIANO SCHWARTZ é professor na Escola de
Artes, Ciências e Humanidades da USP.
O CONTROLE DO IMAGINÁRIO
& A AFIRMAÇÃO DO ROMANCE
Autor: Luiz Costa Lima
Editora: Companhia das Letras (tel. 0/
xx/11/ 3707-3500)
Quanto: R$ 57 (400 págs.)
Folha Online
Leia a íntegra da
entrevista com o crítico
Luiz Costa Lima
www.folha.com.br/091192
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