São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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Paixão maltratada

O CRÍTICO LUIZ COSTA LIMA FALA DO RECÉM-LANÇADO "O CONTROLE DO IMAGINÁRIO" E DISCUTE O PAPEL DAS CIÊNCIAS HUMANAS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO


Por que se edita tão pouca poesia entre nós? Porque os poetas vendem muito pouco

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com "O Controle do Imaginário & A Afirmação do Romance", o teórico da literatura e colunista da Folha Luiz Costa Lima volta a um dos temas que mais tem trabalhado, desde os anos 1980, quando lançou os volumes que foram recentemente republicados, em uma única edição revista pela editora Topbooks, com o título de "Trilogia do Controle".
Na primeira parte de seu novo livro, ele estuda principalmente o período do Renascimento italiano -"como o tempo de que parte não só a hostilidade contra o romance como a motivação para ele".
Também analisa as variadas formas que assume esse antiquíssimo veto ao ficcional e mostra como Aristóteles discutiu a imaginação em um de seus textos mais enigmáticos, o "De Anima".
Em seguida, na segunda parte, comenta quatro livros "paradigmáticos", relacionando-os com os mecanismos de controle vigentes: "Dom Quixote", de Miguel de Cervantes, "Moll Flanders", de Daniel Defoe, "As Relações Perigosas", de Choderlos de Laclos, e "Tristram Shandy", de Laurence Sterne. Na entrevista abaixo, fala sobre a obra, sobre esses mecanismos pelos quais as sociedades buscam defender seus valores e como, no capitalismo, o controle assume novas feições.

 

FOLHA - A dedicatória a tantos amigos mortos recentemente antecipa um estado de espírito que fica evidente na sua nota introdutória bastante desencantada. Faz sentido estudar literatura no Brasil?
LUIZ COSTA LIMA
- A situação que você levanta é semelhante à de um homem que descobrisse ser uma embusteira a mulher pela qual está apaixonado (ou vice-versa). Ter consciência do embuste dela não refrearia sua paixão.
Do mesmo modo, saber que o estudo da literatura neste país é uma excrescência, muitas vezes visto como algo prejudicial ao próprio gosto pela literatura (!), é por certo desanimador.
Mas, pensando em termos globais, o que "faz sentido" em um capitalismo que hoje enfatiza o consumo, e não mais a produção?
Na fase anterior, ainda se poderia confundir a presença da graça divina com o êxito no trabalho e, daí, estabelecer-se uma ética calvinista. Agora, apenas faz sentido ganhar muito dinheiro em um mínimo espaço de tempo.

FOLHA - Uma variação da pergunta anterior, mas de outro ponto de vista. Gostaria que comentasse a seguinte afirmação, em seu livro: "A obsessão com o problema do controle resulta em que, lateralmente, se visualize um fundo inatingível: o que leva alguém a insistir numa criação que só parece inútil e ociosa?".
COSTA LIMA
- A frase procura desindividualizar a sensação de inutilidade dos que não têm uma atividade que "faz sentido". Assim considerando, o estudo das artes e da filosofia é privilegiado. No Ocidente, ser artista ou filósofo sempre "fez sentido" se isso ou aquilo estava a serviço de uma causa (religiosa ou política).
Para ficar com o caso das artes: desde que elas começaram a se autonomizar, entre finais do século 18 e começos do 19, a tendência maciça foi assumirem uma postura crítica quanto aos valores dominantes.
Mesmo antes, entretanto, sob situação ainda mais adversa, elas -sobretudo o que hoje chamamos literatura- procuraram desdobrar um veio crítico que, se descoberto, poria em risco, no mínimo, a circulação da obra.
Daí a extrema importância que concedo ao que chamo de controle do imaginário. Analisando os mecanismos pelos quais as sociedades procuravam defender seus valores, temos condições de melhor verificar as estratégias dos autores em se desviar da espada virtuosa, o controle. O exemplo imediato seria o do "Dom Quixote" diante da Contra-Reforma.

FOLHA - Como vê a questão do controle na atualidade? Que autores contemporâneos mais acompanha?
COSTA LIMA
- À medida que o capitalismo avançado restringe seus valores em ganhar dinheiro, o controle também se limita a essa frente.
Assim, uma obra/um autor que sejam extremamente críticos da própria estrutura capitalista podem ser favorecidos caso seu argumento aumente sua capacidade de venda, desde que a sociedade se saiba protegida.
É, por exemplo, frequente nos EUA que "scholars" sejam contratados por universidades com salários excepcionais porque atraem um grande público, sem que esse número prejudique o andamento dos negócios.
Na literatura, a chamada "literatura de testemunho" se integra no caso. Na pintura, há toda uma tradição cujos polos são o Marcel Duchamp do mictório, exposto como obra escultórica, até os "ready-made" de Warhol.
São obras que aparentam desafiar o mercado, quando são feitas para o mercado.
No caso, o controle se apresenta sob uma forma neutralizada, isto é, os agentes institucionais -críticos, professores, curadores, marchands- estimulam o que pareceria dever ser controlado porque sabem que a divergência (real ou aparente) estimulará o consumo.
A tática da neutralização, nos países periféricos, é bem mais dura. Por que se edita muito pouca poesia entre nós? Porque os poetas são libertinos ou anarquistas? Dificilmente, mas sim porque vendem muito pouco. Toda vez que escrevo, que pratico um ato de reflexão teórica, me pergunto se ainda terei editor.
Rara vez, atualmente, o controle precisa sair desse círculo estreito: tal produto vende ou não vende?
Quanto a autores da atualidade que valorizo, como o critério de nacionalidade me importa pouco, interesso-me tanto por Beckett ou Philip Roth ou por um poeta como Auden ou o espanhol Antonio Machado -sobre o qual ainda pretendo escrever- como por Milton Hatoum, que vejo em processo de crescimento, ou por uma jovem poeta, que apenas começo a descobrir, Virna Teixeira.

FOLHA - Em que está trabalhando atualmente?
COSTA LIMA
- Terminei há alguns meses de responder a um conjunto de perguntas sobre cada um dos livros que escrevi até agora. Pela seriedade de seu organizador, um ex-aluno que começa sua carreira de professor universitário, Dau Bastos, creio que será um livro bastante útil para explicar, em linguagem direta, a razão de certos argumentos teóricos e como concebo o que tenho escrito -adianto que considero que meu primeiro livro apareceu apenas em 1980, o "Mímesis e Modernidade" [ed. Graal].
Tudo o que fiz antes, inclusive meu doutoramento, tão-só fez parte de minha aprendizagem de pensar e escrever.
Recentemente, tenho trabalhado com um professor da Universidade de Brasília, José Otávio Nogueira, na tradução e organização de uma coletânea de textos sobre a reflexão contemporânea acerca da mímesis.
José Otávio traduziu um texto de Jean-Pierre Vernant, eu traduzi dois textos do alemão, um de um filósofo ainda muito pouco conhecido no Brasil, Hans Blumenberg, outro de um filólogo, Arbogast Schmitt.
Pensava ainda em acrescentar um texto com três pontas, sobre a "Teoria Estética" de Adorno, sobre uns poucos textos capitais de Jacques Derrida e sobre a maneira como eu mesmo tenho repensado a questão da mímesis.
Mas o texto ficou demasiado grande e, como discordo de Adorno e Derrida, poderia dar a impressão de que me socorro de dois nomes famosos para ressaltar minha divergência.


ADRIANO SCHWARTZ é professor na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

O CONTROLE DO IMAGINÁRIO & A AFIRMAÇÃO DO ROMANCE
Autor: Luiz Costa Lima
Editora: Companhia das Letras (tel. 0/ xx/11/ 3707-3500)
Quanto: R$ 57 (400 págs.)


Folha Online
Leia a íntegra da entrevista com o crítico Luiz Costa Lima
www.folha.com.br/091192

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