São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+Livros

A palavra ferina


VINTE ACADÊMICOS DISCUTEM OS MAIORES EMBATES INTELECTUAIS, DA GRÉCIA ANTIGA ATÉ HOJE

JEAN BIRNBAUM

Existem mil e uma maneiras de amansar os intelectuais. Uma das mais comuns consiste em desancar suas tendências brutais, seu fascínio pela violência, quando não sua ferocidade essencial.
Em tempos normais, se diz, esses arrogantes se arrogam uma posição de superioridade; graças a seu conhecimento, se consideram no direito de dinamitar o bom senso, traçar novas fronteiras entre o verdadeiro e o falso, regular nossas concepções do mundo.
Em tempos de crise, esses piromaníacos multiplicam seus discursos incendiários, ateiam fogo aos espíritos, preparam a pior das conflagrações.
Tudo isso não é mentira.
E esse fato é atestado por "Le Mot Qui Tue - Une Histoire des Violences Intellectuelles de l'Antiquité à Nos Jours" ("A Palavra Que Mata - Uma História das Violências Intelectuais da Antiguidade até Hoje"), organizado por Vincent Azoulay e Patrick Boucheron.
A toques de "anacronismos controlados", 20 historiadores descrevem as formas assumidas pela violência intelectual desde a execução de Sócrates até o "caso Sokal".
Nascida em meio ao embate do caso Dreyfus [na França, no fim do século 19], a noção de intelectual traz implícita a urgência do combate a ser travado. Quem defende uma ideia sabe que sua vitória implica sempre um golpe de força.
E, de fato, o humanismo foi tudo, menos uma revolução de veludo. Seu herói, Petrarca, definia o teatro de operações como "uma arena poeirenta e repleta do som de injúrias".
Ele mesmo prezava a intimidação, a invectiva, os ataques pessoais, a ponto de fazer delas armas de destruição em massa.
Pelo fato de exigir um confronto de teses e argumentos, o mundo das ideias é um universo implacável.

A franqueza proscrita
Mas a sociedade atual parece não mais querer esse tipo de "graça". De um lado, celebra os panfletários causticantes que desejam apenas aniquilar seu alvo, tendo em mente tudo menos o triunfo da verdade.
De outro, persegue os espíritos críticos. Vem daí um fenômeno angustiante: a franqueza virou coisa proibida, tanto nos colóquios acadêmicos quanto no cenário da mídia.
Hoje em dia, constata o sociólogo Bernard Lahire no posfácio do livro, "quem exerce seu senso crítico é frequentemente suspeito de agressividade, maldade ou intransigência, independentemente da conveniência de sua crítica. O rigor intelectual é, para alguns, simples sinal de rigidez moral ou psíquica, e o exercício da crítica é reduzido a um empreendimento mal-intencionado, quando não terrorista".


A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.

LE MOT QUI TUE
Organizadores: Vincent Azoulay e Patrick Boucheron
Editora: Époques (França) Quanto: 27, R$ 78 (382 págs.)


Texto Anterior: +Livros: Paixão maltratada
Próximo Texto: Mira cheia de graça
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.