São Paulo, Domingo, 03 de Outubro de 1999
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PONTO DE FUGA

Espíritos e fantasmas

JORGE COLI
especial para a Folha, em Nova York

Ir ao cinema é um pouco deixar-se entrar em transe: no escuro, somos isolados do mundo e invadidos por aquilo que vemos e ouvimos. "Stir of Echoes", filme de David Koepp, estrelado por Kevin Bacon, faz dessas sensações um caminho para o sobrenatural. Ao ser hipnotizado, Tom Whitzky, o personagem cético, deve imaginar uma sala de projeção: as luzes estão apagadas, a tela está em branco, onde algumas letras indecisas tentam se formar. É por aí, por meio de uma sessão sonhada, que os mortos entram em contato com ele. Como, ao ver o filme, os espectadores contemplam também o que o personagem imagina, o cinema torna-se um curioso "médium". "Stir of Echoes" faz um apelo à "verdade" virtual sentida na ficção, como o faz, ao seu modo de "cinema-verdade", a bruxa de Blair. Koepp, o diretor, colaborou com Brian de Palma; há cenas claustrofóbicas que evocam "Snake Eyes".
Koepp transmite perturbações interiores, mentais ou espirituais, por meio de uma presença física e torturada dos atores: é muito poderosa a sequência em que Kevin Bacon cava obsessivamente no quintal, junto com seu filho. A ligação triangular pai-menino-fantasma, aliás, baseia-se em tradição inventada pelos românticos, na qual as crianças seriam veículos privilegiados do além. Essa tradição provocou pelo menos duas obras-primas: "The Turn of the Screw", a novela original de Henry James, e sua adaptação no cinema por Jack Clayton.

Arrepio - Hitchcock dizia: o medo não é causado pelo tiro, mas pelo que vem antes do tiro. O terror, no cinema, não emana do que é mostrado, mas do escuro, do que está escondido por trás da porta, dentro do armário ou no porão. Uma verdade confirmada no recente "The Haunting", cuja abundância de efeitos especiais destruiu o romance indizível de Shirley Jackson e fez o filme naufragar. Mas não há apenas o cansaço do público diante das imagens fabulosamente animadas por computadores. "The Blair Witch Project", "Stir of Echoes" e "The Sixth Sense", filmes de grande sucesso, indicam caminhos por entre enigmas extra-sensoriais.
"The Blair Witch" é o fenômeno que se sabe; "The Sixth Sense" possui uma grande história e uma direção discreta; "Stir of Echoes" é mais pessoal e barroco. O que parece seduzir o público nesses três filmes, além do suspense invisível, é um tom "new age" de diálogos "possíveis" com os mortos. Tudo está no "feeling". Não há exatamente horror, nem sangue ou vísceras, mas antes sintonias finas de contato além-túmulo. Uma sensibilidade sutil adequando-se a um fim de século difusamente místico.

É só arte! - "Sensation", provocadora exposição já vista em Londres e Berlim, traz, por exemplo, uma verdadeira vaca cortada ao meio ou um retrato da Virgem Maria feito com excremento de elefante. O Museu do Brooklyn, em NY, deve recebê-la agora, mas o prefeito da cidade, Giuliani, numa atitude jeca, declarou que cortará os subsídios municipais ao museu (US$ 7 milhões) caso isso aconteça. Giuliani fala em "arte doente", o que remete, de imediato, à idéia de "arte degenerada", noção forjada pelos nazistas para nomear as experiências modernas.

Dispersão - "Rien sur Robert", filme de Pascal Bonitzer, começa bem, em torno de um fato real: um conhecido intelectual francês, sem ter visto um filme, não hesita em arrasá-lo, porém, num artigo para o "Le Monde"! Sem moralismo, o personagem, vivido pelo fantástico ator Fabrice Lucchini, encontra-se entalado nas situações mais absurdas. Mas a vivacidade some logo e a magia do início não se mantém, embora algumas centelhas iluminem-se de vez em quando.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com


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