São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Estresse na fazenda

Para filósofo, métodos industriais de criação são ineficientes e aumentam as doenças cardíacas e digestivas

PETER SINGER
Segundo previsões, o consumo global de carne deverá duplicar até 2020. Na Europa e na América do Norte, há crescente preocupação sobre a ética dos métodos de produção de carne e ovos.
O consumo de carne de vitela caiu de modo acentuado desde que se tornou amplamente conhecido que, para produzir a vitela "branca" -na verdade, rosada-, os bezerros recém-nascidos são separados de suas mães, deliberadamente deixados anêmicos e mantidos em baias tão estreitas que não podem se mover.
Na Europa, a doença da vaca louca chocou muita gente, não apenas porque destruiu a imagem da carne bovina como um alimento saudável e seguro mas também porque se soube que a causa da doença era alimentar o gado com cérebro e tecidos nervosos de carneiros.

Nada de pastar
As pessoas que acreditavam ingenuamente que o gado comesse capim descobriram que o gado de corte pode comer qualquer coisa, desde milho a ração de peixe, dejetos de galinhas (com excrementos e tudo), além de lixo de abatedouros.
A preocupação sobre como tratamos os animais de criação está longe de limitar-se à pequena porcentagem de pessoas que são vegetarianas ou "vegans" -que não comem nenhum produto animal. Apesar dos fortes argumentos éticos a favor do vegetarianismo, ainda não é uma postura dominante.
Mais comum é a opinião de que comer carne é justificável, desde que os animais tenham uma vida decente antes de serem mortos. O problema, como Jim Mason e eu descrevemos em nosso recente livro, é que a agricultura industrial nega aos animais uma vida minimamente decente. As dezenas de bilhões de frangos produzidas hoje nunca vêem a luz do dia. Eles são criados para ter um apetite voraz e ganhar peso rapidamente, mantidos em galpões que podem abrigar até 20 mil aves.
O nível de amônia acumulado no ar por causa dos excrementos faz arder os olhos e os pulmões. Abatidos com apenas 45 dias de vida, seus ossos imaturos mal suportam o peso dos corpos. Alguns caem e, sem conseguir alcançar alimento ou água, morrem rapidamente -um destino irrelevante para a economia da empresa em geral.
As condições são ainda piores, mesmo que pareça impossível, para as galinhas poedeiras, colocadas em gaiolas de arame tão pequenas que mesmo que haja só uma por gaiola não consegue abrir as asas. Mas geralmente há quatro galinhas por gaiola, e muitas vezes mais. Nessas condições de superlotação, as aves dominantes, mais agressivas, tendem a bicar até a morte as galinhas mais fracas.
Para evitar isso, os produtores serram os bicos de todas elas com uma lâmina quente. O bico da galinha é cheio de tecido nervoso -afinal, é seu principal meio de relacionamento com o ambiente-, mas não se usa anestésico ou analgésico para aliviar a dor.
Os porcos talvez sejam os animais mais inteligentes e sensíveis que costumamos comer. Quando criados numa aldeia rural, podem exercer sua inteligência e explorar o ambiente variado.
Antes de parir, as porcas usam palha ou folhas e ramos para construir um ninho seguro e confortável para alimentar suas crias. Mas, nas fazendas industriais, as porcas prenhas são mantidas em compartimentos tão estreitos que não podem se virar.
Os filhotes são tirados da mãe assim que possível, para que possa cruzar novamente.
Os defensores desses métodos de produção afirmam que são lamentáveis, mas necessários, diante da crescente demanda populacional por alimentos. Pelo contrário, quando confinamos animais em fazendas industriais, precisamos cultivar alimentos para eles.
Os animais queimam a maior parte da energia desses alimentos só para respirarem e manterem seus corpos aquecidos, por isso acabamos com uma pequena fração -geralmente, não mais de um terço e, às vezes, somente um décimo- do valor alimentício que lhes fornecemos na alimentação.
Em comparação, as vacas criadas em pastos comem alimentos que não podemos digerir, o que significa que aumentam a quantidade de alimento disponível para nós.
É trágico que países como a China e a Índia estejam copiando os métodos ocidentais e colocando os animais em enormes fazendas industriais.
Se isso continuar, o resultado será o sofrimento dos animais em escala maior que a existente hoje no Ocidente assim como danos ambientais e um aumento das doenças cardíacas e cânceres do sistema digestivo.
Também será terrivelmente ineficaz. Como consumidores, temos o poder e a obrigação moral de nos recusarmos a apoiar métodos agrícolas que sejam cruéis para os animais e ruins para nós.


Este texto saiu no "Guardian".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.


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