São Paulo, domingo, 04 de abril de 2004

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Ponto de fuga

Arte no tucupi

Jorge Coli
especial para a Folha

Belém é quente e úmida, mas a sensação não é de desconforto. À noite, o calor cede, é fácil andar pela cidade, muito plana. Belém é linda. Seu aspecto de ordem amável não trai o rigor dos belos edifícios concebidos por Landi, arquiteto neoclássico que construiu por lá no século 18. A exuberância equatorial fica por conta da vegetação, das célebres mangueiras que sombreiam avenidas, das frutas polpudas com cheiro adocicado. Houve um investimento sério e recente, tanto do Estado quanto do município, nos equipamentos da cidade. O Theatro da Paz mostra-se restaurado e cuidado. O mercado Ver-o-Peso está limpo, ordenado, mesmo se suas extensões recentes, tendas vastas, muito baixas, façam as temperaturas aumentarem até o limite do suportável.
São, sobretudo, os museus que impressionam. Em locais de grande beleza, cheios de passado, as coleções são tratadas com respeito, sensibilidade e delicadeza. O Museu de Arte Sacra, inaugurado em 1998, rico de esculturas esplêndidas, encontra-se numa igreja e no Palácio do Arcebispo, edifícios dos tempos da colônia: sua apresentação, nuançada e impecável, tece as mais sugestivas relações entre as obras.
Com dois anos apenas, a Casa das Onze Janelas mostra arte brasileira recente, escolhida a dedo, em disposição harmoniosa que estimula o olhar. O Museu das Gemas, instalado em setembro do ano passado nas construções poderosas de um antigo convento, transformou-se, todo inteiro, numa espécie de obra de arte mineral, em torno de um jardim constituído por quartzos coloridos.

Permanências - Os palácios da prefeitura e do governo estadual, em Belém, formam hoje dois museus. São híbridos: históricos e artísticos ao mesmo tempo. Aos seus antigos acervos, mobiliário e ornamental, se acrescentam obras contemporâneas. Esse caráter misto se harmoniza muito bem, criando um ambiente "de época" que integra as coleções de pinturas, muitas sobre a história da Amazônia. Ambos reúnem bom número de telas assinadas por Parreiras; seus "Pescadores na Praia", do Palácio do Governo, é uma obra-prima absoluta do paisagismo brasileiro. Ali também está "A Conquista do Amazonas", ainda de Parreiras, enorme quadro que transforma o episódio convencional numa paisagem de matizes verde-azulados.
A Prefeitura exibe "A Fundação da Cidade de Belém", de Theodoro Braga, outra obra de grandes dimensões, apresentada numa concepção museográfica que a explica em modo claro e inteligente. Mostra também "A Morte de Carlos Gomes", de De Angelis e Capranesi; nela, o grande músico quase desaparece em meio à vaidade de personagens oficiais, retratados com destaque e realismo minucioso. Gomes fora acolhido, no final de sua vida, pela cidade de Belém, como diretor do conservatório; chegou muito doente em abril de 1896 e morreu em setembro.

Espera - O Museu Emílio Goeldi, de Belém, tem uma importância internacional destacada nos estudos de botânica, zoologia, arqueologia e antropologia. Instituição científica de primeiro plano, seu acervo é incomparável. Atualmente as peças aguardam, nas reservas e com os melhores cuidados de preservação, a reestruturação de novos locais para que possam ser expostas ao público.

Clique - A fotografia tem uma tradição sólida no Pará, cuja produção atual impressiona. Uma coletânea, publicada em livro e em CD-ROM, permite descobrir esse universo. O título é "Fotografia Contemporânea Paraense - Panorama 80/90" (ed. Secretaria de Estado da Cultura). Não se trata de uma visão regional ou pitoresca. Os temas locais surgem muitas vezes, mas tomados em clave sugestiva, misteriosa e universal. Patrick Pardini, com suas "Arborescências", dá um bom exemplo: retrata a natureza, que é tão característica, mas foge do lugar-comum ao aprisionar árvores em tensões poderosas, capazes de se renovar de foto em foto. Alberto Bitar capta a noite urbana de Belém com sua objetiva, em que tudo se embaça num lusco-fusco poético e turvo. Os trinta e tantos fotógrafos que constam dessa antologia são todos da mesma alta e admirável qualidade.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br


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