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As culturas sem choque de Franz Boas
Gilberto Felisberto Vasconcellos
especial para a Folha
Pela primeira vez vem a lume no
Brasil um livro de Franz Boas
(1858-1942), coletânea organizada
por Celso Castro, que escreveu
uma límpida e inteligente apresentação
sobre o simpático e progressista antropólogo alemão radicado nos Estados
Unidos, professor de alunos brilhantes
como Alfred Kroeber, Edward Sapir,
Ruth Benedict, Margaret Mead e Meville
Herskovitz.
Neste livro os estudantes e professores
de antropologia poderão tomar conhecimento da importante distinção entre raça e cultura, por meio do conceito de relativismo cultural, que imortalizou Franz
Boas na história das ciências sociais. Esse
conceito de relativismo cultural merece
ser posto em relevo e sempre enaltecido
porque demoliu o preconceito que postulava a existência de culturas inferiores
e culturas superiores.
Trata-se de um ardil supostamente de
caráter científico, mas inteiramente falso
que terá seríssimas implicações no mundo da política e das concepções sobre a
sociedade humana.
O detalhe significativo é que quase simultaneamente a esses textos de Franz
Boas estava subindo a maré nazifascista
na Alemanha, que traz embutida uma
concepção de cultura antípoda do conceito de relativismo cultural. Os textos de
Franz Boas, de inequívoca dimensão
ecumênica, devem ser lidos e apreciados
tendo como contraposição a loucura etnocêntrica hitleriana. Que o leitor atente
para o fato de que a expansão do capitalismo a partir do século 16 teve como suporte ideológico a falácia da superioridade de determinadas culturas sobre as outras. Por outro lado, Boas critica o racismo nos EUA.
Um racismo que acaba por atribuir
causas raciais à subalterna posição social
e econômica do negro, sobretudo do negro que foi explorado nas "plantations"
do sul dos Estados Unidos.
Boas e Freyre
Concebida no limiar
do século 20, a tese principal de Franz
Boas é de que a mistura tem efeito favorável sobre a raça. Isso significa dizer que
a miscigenação opera milagres. Destarte,
é preciso lembrar que esses e outros textos do famoso antropólogo alemão, professor brilhante da Universidade Columbia, exerceram influência decisiva na
mentalização de "Casa-Grande e Senzala" (1933), de Gilberto Freyre, o qual dizia que seu mestre, Franz Boas, era entusiasta do procedimento mouro, ou seja, a
cópula inter-racial sem distinção de raça.
O conceito de relativismo cultural,
além de fonte da atual voga em torno do
multiculturalismo na antropologia, serve para mostrar quão infundada é a idéia
de que um único tipo de desenvolvimento deveria nos conduzir necessariamente
a um padrão de cultura europeu ou norte-americano.
Ao contrário de muitos badamecos
por aí, que continuam usando a palavra
"folclore" em sentido pejorativo, Franz
Boas tinha o maior apreço pela "ciência
do povo". Ele foi um dos patronos da Sociedade Americana do Folclore. Sem o
folclore, lembrava nosso Luis da Câmara
Cascudo, não existiria "The Mind of Primitive Man", o grande livro de Boas, publicado em 1938.
Nesta coletânea muito bem cuidada,
aparece Boas como antropólogo que sabia auscultar a sociedade, conforme se
verifica pelos seus notáveis textos sobre
linguagem e etnologia.
Infelizmente ele não conheceu o Brasil.
Coincidência. Quem veio para cá foi o
francês Lévi-Strauss, que por sinal estava
almoçando na Columbia, sentado ao lado de Franz Boas, quando este morreu
de um ataque cardíaco aos 82 anos.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de
ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de
Fora (MG) e autor de "A Salvação da Lavoura" (ed.
Casa Amarela).
Antropologia Cultural
110 págs., R$ 19,00
de Franz Boas. Tradução de Celso Castro. Ed. Jorge
Zahar (r. México, 31, sobreloja, CEP 20031-144, RJ,
tel. 0/xx/ 21/ 2240-0226).
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