São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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NANTERRE DE LUXO

3ª MAIOR DA FRANÇA, UNIVERSIDADE QUE INICIOU PROTESTOS 40 ANOS ATRÁS É HOJE FEUDO DA DIREITA

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Nanterre é um dos símbolos da revolta dos estudantes franceses do Maio de 68. Mas, com o passar do tempo, o movimento estudantil que contagiou a classe operária e paralisou o país em uma greve geral histórica foi se apagando na amnésia coletiva.
O presidente Nicolas Sarkozy propôs acabar de vez com "a herança do Maio de 68". O filósofo e ex-ministro Luc Ferry, autor de um livro sobre o período, tenta reduzir as revoltas dos estudantes e dos trabalhadores a um movimento por liberdade individual e casamento por amor.

Divisão
Mas, segundo o filósofo e psicanalista Bertrand Ogilvie, 55, professor de filosofia em Nanterre, Maio de 68 foi, antes detudo, "a penúltima vez em que a burguesia francesa teve medo". A última foi em 1981, com a vitória de Mitterrand e a fuga de capitais para o exterior.
Nanterre era um centro importante de estudantes anarquistas, como Daniel Cohn-Bendit, militantes trotskistas, como Daniel Bensaïd, ou membros da Juventude Estudante Cristã. O diretor da faculdade de letras era o filósofo Paul Ricoeur, e Cohn-Bendit era conhecido por suas intervenções nas aulas do sociólogo Alain Touraine.
Hoje, ela é dividida entre estudantes de direita e um grupo menor, cerca de 20%, de estudantes de esquerda, nos cursos de filosofia, sociologia, artes do espetáculo e lingüística.
Nanterre mudou muito, diz Djamel Boubegtiten, 29, estudante de filosofia. Depois de deixar a Sorbonne, onde cursou filosofia e história, Boubegtiten se transferiu para Nanterre.

"Sans-papiers"
A Sorbonne, que foi dividida em duas universidades depois do Maio de 68 (Paris-Sorbonne ou Paris 4 e Panthéon-Sorbonne ou Paris 1) é considerada um bastião da direita católica, hostil ao movimento estudantil de esquerda.
"O espírito do Maio de 68 está muito longe de Nanterre hoje" diz Djamel Boubegtiten.
Mas ele ainda o percebe na luta pela causa dos "sans-papiers", trabalhadores estrangeiros sem documentos.
Nanterre está dividida em uma geografia muito particular. A sociologia é a única das faculdades engajadas que está longe do prédio dos "revolucionários", isto é, dos estudantes que participam de greves.
E existe um bloco de prédios daqueles que são hostis às greves e à ordem de bloquear a entrada dos cursos, como no ano passado, quando a maioria dos estudantes e mesmo dos professores era contra a greve de protesto contra a lei que prevê a autonomia universitária.
Fundada em 1964, a universidade mudou de nome para se adaptar aos novos tempos.

Área financeira
Erguida na cidade de Nanterre, governada historicamente por prefeitos comunistas, ela se chama hoje "Nanterre - Universidade Internacional do Oeste de Paris" e é um importante centro de formação na área de finanças, apesar de manter cursos de ciências humanas de alto nível.
Com 2.000 professores e 33 mil estudantes, é a terceira maior universidade francesa.
Por estar perto do bairro de negócios La Défense, da rica cidade de Neuilly (da qual Sarkozy foi prefeito), e por estar inserida geograficamente no departamento mais rico da França (Hauts-de-Seine), que tem um PIB equivalente ao da Grécia, a universidade tem grande número de alunos vindos de classes privilegiadas.
Resumindo, estudantes de cursos como direito e economia, finanças e gestão, que são a esmagadora maioria, são de direita. Os de filosofia, sociologia e literatura são de esquerda.
"Durante a greve ocorrida no ano passado, muitos não escondiam o orgulho de serem brancos, ricos e de direita", conta Boubegtiten. "Quando bloqueamos a entrada dos cursos, vimos alguns fazerem a saudação nazista diante de nós para nos provocar."

Desinteresse
A estudante Camille Thomas, de 19 anos, decidiu estudar filosofia em Nanterre pela reputação de ser melhor que o curso da Sorbonne. "Maio de 68 pertence ao passado e hoje não há herança visível." Ela diz que, ao contrário de 1968, os estudantes fizeram greve no ano passado e foram derrotados pelo cansaço e pelo desinteresse da maioria.
Lola Fonseque, 19, estudante de filosofia, diz que o período é lembrado na universidade sobretudo pelos sindicatos de estudantes, que se orgulham dele.
"Vejo com orgulho essa herança, mas acho que precisa haver um verdadeiro trabalho de reflexão sobre o que aquela revolta representou para o país e que herança ela deixou."


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