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+ arte
A porta sublime
Livro estuda
"A Origem do Mundo", de Courbet, uma das telas mais revolucionárias
da história da pintura
HARRY BELLET
O
panteão do cinema
pornográfico francês
inclui um filme estranho de Frédéric Lansac intitulado "Le Sexe qui Parle" (O Sexo que Fala), que narra as aventuras de uma vagina que relata
as diversas vicissitudes de sua
vida, numa linguagem pontilhada de gírias. Especialista na
história e literatura do século
19, Thierry Savatier teve a idéia
de aplicar o mesmo princípio
surrealista à vulva mais célebre
da história da pintura, "A Origem do Mundo" (1866), de
Gustave Courbet (1819-77).
Para isso, escreveu um romance que seria o livro de memórias dessa tela, hoje no museu D'Orsay. Ele o anuncia na
introdução a um outro livro
-"L'Origine du Monde - Histoire d'un Tableau de Gustave
Courbet" (A Origem do Mundo
- História de um Quadro de
Gustave Courbet, ed. Bartillat,
236 págs., 19, R$ 56), ensaio
dos mais sérios e inteiramente
dedicado ao quadro.
O autor esmiúça detalhes,
vasculha os arquivos, vai às
profundezas da Hungria, rastreia as aproximações de seus
antecessores, desmonta falsos
testemunhos. Entretanto, se
em alguns momentos se torna
um inquisidor temível, Savatier o faz por amor e dentro de
um contexto político, no sentido mais nobre da palavra.
""A Origem do Mundo" é única", escreve, "é órfã de suas raízes artísticas anteriores; marca
uma etapa decisiva na história
da arte ocidental... Além da
provocação ou da expressão
erótica, seu trabalho transgride
as convenções e projeta uma
luz crua, mas salutar, sobre o
vazio deixado por todos os nus
pintados antes dele."
E acrescenta: "Por seu tema
e seu enquadramento, esse
quadro se afirma de imediato
como símbolo da liberdade de
criar, livre de qualquer restrição moral ou, para ser mais
preciso, de qualquer restrição
da "moral moralizadora'".
A obra era destinada a um
erotômano otomano, Khalil-Bey, que nasceu em 1831 no alto Egito e foi à França em 1865,
na qualidade de diplomata da
Sublime Porta (a corte otomana). Em três anos esvaziou seus
bolsos e então voltou a seu país,
onde foi nomeado ministro das
Relações Exteriores.
Nesse entretempo, apenas
para alguns convidados, escolhidos a dedo, ele costumava
mostrar "A Origem do Mundo", abrindo a cortina verde
que a escondia do olhar geral.
Esse procedimento foi retomado pelos últimos proprietários particulares da tela, o psicanalista Jacques Lacan e sua
mulher, Sylvia Bataille, que escondiam a tela demasiado realista sob um painel surrealista
pintado por André Masson,
que deslizava para o lado quando Lacan assim desejava.
Tudo isso o livro relata, mas
ele se mostra evasivo com relação a um ponto que não deixa
de ter importância: o título, o
qual se duvida que tenha sido
dado por Courbet.
Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.
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