São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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A porta sublime

Livro estuda "A Origem do Mundo", de Courbet, uma das telas mais revolucionárias da história da pintura

HARRY BELLET

O panteão do cinema pornográfico francês inclui um filme estranho de Frédéric Lansac intitulado "Le Sexe qui Parle" (O Sexo que Fala), que narra as aventuras de uma vagina que relata as diversas vicissitudes de sua vida, numa linguagem pontilhada de gírias. Especialista na história e literatura do século 19, Thierry Savatier teve a idéia de aplicar o mesmo princípio surrealista à vulva mais célebre da história da pintura, "A Origem do Mundo" (1866), de Gustave Courbet (1819-77).
Para isso, escreveu um romance que seria o livro de memórias dessa tela, hoje no museu D'Orsay. Ele o anuncia na introdução a um outro livro -"L'Origine du Monde - Histoire d'un Tableau de Gustave Courbet" (A Origem do Mundo - História de um Quadro de Gustave Courbet, ed. Bartillat, 236 págs., 19, R$ 56), ensaio dos mais sérios e inteiramente dedicado ao quadro.
O autor esmiúça detalhes, vasculha os arquivos, vai às profundezas da Hungria, rastreia as aproximações de seus antecessores, desmonta falsos testemunhos. Entretanto, se em alguns momentos se torna um inquisidor temível, Savatier o faz por amor e dentro de um contexto político, no sentido mais nobre da palavra.
""A Origem do Mundo" é única", escreve, "é órfã de suas raízes artísticas anteriores; marca uma etapa decisiva na história da arte ocidental... Além da provocação ou da expressão erótica, seu trabalho transgride as convenções e projeta uma luz crua, mas salutar, sobre o vazio deixado por todos os nus pintados antes dele."
E acrescenta: "Por seu tema e seu enquadramento, esse quadro se afirma de imediato como símbolo da liberdade de criar, livre de qualquer restrição moral ou, para ser mais preciso, de qualquer restrição da "moral moralizadora'".
A obra era destinada a um erotômano otomano, Khalil-Bey, que nasceu em 1831 no alto Egito e foi à França em 1865, na qualidade de diplomata da Sublime Porta (a corte otomana). Em três anos esvaziou seus bolsos e então voltou a seu país, onde foi nomeado ministro das Relações Exteriores.
Nesse entretempo, apenas para alguns convidados, escolhidos a dedo, ele costumava mostrar "A Origem do Mundo", abrindo a cortina verde que a escondia do olhar geral.
Esse procedimento foi retomado pelos últimos proprietários particulares da tela, o psicanalista Jacques Lacan e sua mulher, Sylvia Bataille, que escondiam a tela demasiado realista sob um painel surrealista pintado por André Masson, que deslizava para o lado quando Lacan assim desejava.
Tudo isso o livro relata, mas ele se mostra evasivo com relação a um ponto que não deixa de ter importância: o título, o qual se duvida que tenha sido dado por Courbet.


Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.

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