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POLÊMICA
O deputado José Aníbal responde à professora Maria Sylvia Carvalho Franco
O machado sem fio
JOSÉ ANÍBAL
especial para a Folha
Ao responder, no Mais! de 20 de
junho, ao artigo da professora Maria Sylvia Carvalho Franco, procurei rebater as grosserias de que fui
alvo e, ao mesmo tempo, entrar no
imprescindível debate sobre novos
e instigantes desafios para a universidade brasileira. Cheguei a
acreditar que, em novo texto, a
professora poderia deixar de lado
os recalques e apresentar idéias
consistentes, mesmo que discutíveis. Seu artigo de domingo passado, no entanto, trouxe a frustração.
Desta vez, o vazio de propostas
veio emoldurado com eruditas citações soltas no espaço ou, de forma mais rasteira, com lugares-comuns típicos dos setores que fazem oposição pela oposição e dela
vivem. Mesmo assim, são afirmações que precisam ser respondidas
sob pena de, intercaladas com
menções oportunistas de grandes
pensadores, assumirem ares de
verdade.
Ao buscar apoio em Bacon, por
exemplo, a professora acaba se
desdizendo. Afirma que nunca separou teoria e prática. Ora, por que
então se insurgiu de forma tão furiosa contra a necessidade de a
universidade e os institutos de pesquisa ampliarem suas parcerias
com o setor produtivo? Repito o
que já escrevi: essa relação perfeitamente saudável e necessária para
ambos pode e deve existir, sem que
haja qualquer ameaça à característica da universidade como território de investigação e de ultrapassagem de fronteiras do conhecimento.
A autonomia universitária não é
ameaçada por tal relação, pois cabe à universidade não apenas tomar iniciativas como também dar
a palavra final sobre as que partirem do setor produtivo. Em definitivo, o que não cabe mais é o isolamento preconizado pela professora, atitude que caracterizei no artigo anterior como "torre de marfim".
Se tivesse apenas voltado atrás
em suas palavras, seria compreensível. O problema é que surgem
nesse ponto os primeiros chavões
desinformados. Diz a professora
que o governo procura "fugir às
obrigações democráticas, maximizando os recursos para o poder
pessoal dos governantes, para as finanças e negócios com as empreiteiras". A seguir, como "prova"
dessa afirmação, cita a lista dos
doadores de campanha, nada mais
do que a comprovação de que a lei
eleitoral foi obedecida. Enfim, a
mesma cantilena sobre "empreiteiras e bancos" que até mesmo a
oposição já deixou de repetir com
tanta insistência, frustrada em seu
objetivo de fabricar escândalos e
tentar "pegar carona" no que daí
eventualmente resultar.
As generalizações perdidas no
vácuo de idéias não param por aí.
A professora sustenta que pretendo acabar com "os justos direitos
dos outros". Novamente, vale repetir o que disse no artigo anterior:
estamos diante de um sistema previdenciário do setor público eivado de privilégios que precisam
acabar.
Os "justos direitos" a que se refere dona Maria Sylvia são as aposentadorias que se contam em milhares de reais para grupos que se
encastelaram na máquina pública,
enquanto 18 milhões de trabalhadores recebem, em média, R$ 200
por mês do INSS. É uma questão
que também a universidade precisa encarar, insisto. Entre os diversos aspectos desse tema, é preciso
discutir se, apesar de legal, é justo
um professor se aposentar ainda
jovem em uma universidade pública estadual e se empregar depois
em outra, acumulando vencimentos de duas fontes pagadoras públicas. É o caso da professora Maria Sylvia.
O velho argumento de que os
parlamentares recebem aposentadorias incompatíveis não vale
mais. Pelo menos esse privilégio
foi abolido. Com meu voto e articulação, pois ocupava a liderança
do PSDB na Câmara, faço questão
de informar à professora.
Quanto à contribuição dos inativos do setor público, devolvo à
professora a acusação de hipocrisia. Novamente, ela procura usar a
generalização como escudo para
seus ataques ineptos. Desconhece
a professora que fui autor da proposta que alterou o projeto original e instituiu o escalonamento das
contribuições dos inativos, no sentido de resguardar os que ganham
menos. Por uma questão de justiça
social e fiscal. A professora sabe,
mas não diz, que os inativos do serviço público não contribuíram
proporcionalmente às aposentadorias integrais que recebem. É
uma equação que não fecha e que
não pode ser ignorada, situação
que agora está sendo enfrentada
pelo governo federal e pelo estadual.
Após esse longo, mas necessário,
esclarecimento sobre a questão
previdenciária, voltemos ao aspecto da geração do conhecimento. A
professora utiliza bela citação de
Bacon para dizer algo que não se
contesta: a importância de professores e pesquisadores no desenvolvimento das ciências. A seguir, no
entanto, volta aos lugares-comuns
e à tentativa tola de pintar os atuais
governantes como sádicos algozes
mercantilistas, dedicados unicamente a perseguir e destruir educadores e instituições de saber.
Em primeiro lugar, mostrarei o
engano desta visão em relação ao
Estado de São Paulo. Somando os
recursos destinados à educação
pública básica, ao ensino superior
e à pesquisa, chegamos a aproximadamente 43% da arrecadação
de ICMS. É um número que merece ser destacado. E mais: o governo
Covas aumentou de quatro para
cinco o número de horas diárias de
aula nas escolas, o que significa, ao
final, um ano a mais no ciclo básico. Os professores foram o setor do
funcionalismo estadual que recebeu os reajustes mais importantes,
mesmo no quadro de dificuldades
financeiras do Estado.
No meu artigo anterior, já apresentei o quadro de investimentos
em educação superior e pesquisa
em São Paulo, ressaltando a excelência de nossas instituições. Jogando mais uma vez com o óbvio,
a professora aponta a necessidade
de tempo e investimento para a
formação sólida do cientista. O governo Covas traduz em ações a plena consciência que tem dessas exigências para a qualificação, de resto a cargo das universidades públicas com o indispensável apoio da
Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo).
A política do governo paulista
tem papel central na colocação do
Brasil no 18º lugar entre as 20 primeiras nações do mundo na produção de ciência e tecnologia.
A política do governo paulista tem papel central na colocação do Brasil no 18º lugar entre as 20 primeiras nações do mundo na produção de ciência e tecnologia
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Também não colide com a autonomia universitária a minha proposta às universidades no sentido
de que ampliem as vagas nos cursos de graduação. Além de política
de governo, é resposta adequada à
sociedade, que, com seus impostos, mantém as universidades públicas.
No plano federal, os avanços
também são palpáveis. Sob a direção do ministro Paulo Renato, iniciativas como o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, o "provão" e o Exame Nacional
do Ensino Médio comprovam a seriedade com que a educação é tratada pelo governo federal, ao contrário do que diz dona Maria
Sylvia.
Depois desse longo trecho absolutamente desinformado a respeito da educação, da pesquisa e das
pessoas que por elas respondem
no governo, a professora cai em
nova incongruência. Afirma que o
uso do conhecimento é fundamental para enfrentar a globalização,
mas insiste na negativa de aceitar
que saber e produção se aproximem para dar ao país condições
para uma inserção ativa nas relações mundiais. A torre de marfim é
realmente resistente, agora como
atitude intelectual. Não são os
atuais governantes que fecham o
campo do saber, mas alguns setores que vêem seus umbigos como o
centro do universo. Os reacionários como dona Maria Sylvia.
Ela cita Maquiavel para indagar
se ele também estaria em torre de
marfim. Não, dona Maria Sylvia.
Maquiavel não recusou o saber ao
fazer. Ao contrário, fez genial associação entre reflexão e ação, teoria
e prática. Não há comparação com
a torre em que se enclausura a professora, cujo amargor torna sua
percepção do saber e do país uma
verborragia paralisante, que se
choca com a realidade. Refugiar-se
na torre de marfim é a única maneira de sobreviver. Maquiavel,
professora, transformou a amargura do exílio em obra aberta e perene.
Quase ao final, o texto de dona
Maria Sylvia descamba do lugar-comum para a pura insensibilidade. Faz isso ao tentar criar uma espécie de mórbido concurso para
saber quem mais sofreu durante a
ditadura militar. Fala de "vidinhas
em Paris" ao se referir aos exilados.
Talvez em contraste à "vidona"
que a professora levava aqui. Nesse
ponto, é preciso assumir um tom
pessoal: a senhora não tem o direito de julgar, desconhece as circunstâncias que levaram a decisões naquele período, não sabe os
caminhos que cada um tomou para combater a violência e o arbítrio, não tem a menor idéia dos riscos que cada um correu para ajudar companheiros perseguidos.
Não seja desonesta a ponto de tentar confundir exílio com passeio.
Escancarar sua ignorância sobre
a realidade atual do país é seu direito, professora, mas brandir seus
preconceitos sobre aquele triste
período é apenas lamentável.
Para encerrar, voltamos à questão dos nomes, que tanto agrada à
dona Maria Sylvia. Ela gasta um
parágrafo inteiro para se auto-elogiar, usando seu segundo nome. O
melhor título para seu artigo seria
"Elogio de Minha Própria Fúria",
mas deixemos para lá. O parágrafo
elogioso faz relação com instrumento cortante, o machado. É ferramenta que deveria ser usada para desobstruir, para abrir novos espaços, para permitir a entrada da
luz e do ar. Infelizmente, estamos
diante de um machado sem fio.
José Aníbal é deputado federal (PSDB-SP) e Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo.
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