São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
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POLÊMICA
O deputado José Aníbal responde à professora Maria Sylvia Carvalho Franco
O machado sem fio

JOSÉ ANÍBAL
especial para a Folha

Ao responder, no Mais! de 20 de junho, ao artigo da professora Maria Sylvia Carvalho Franco, procurei rebater as grosserias de que fui alvo e, ao mesmo tempo, entrar no imprescindível debate sobre novos e instigantes desafios para a universidade brasileira. Cheguei a acreditar que, em novo texto, a professora poderia deixar de lado os recalques e apresentar idéias consistentes, mesmo que discutíveis. Seu artigo de domingo passado, no entanto, trouxe a frustração.
Desta vez, o vazio de propostas veio emoldurado com eruditas citações soltas no espaço ou, de forma mais rasteira, com lugares-comuns típicos dos setores que fazem oposição pela oposição e dela vivem. Mesmo assim, são afirmações que precisam ser respondidas sob pena de, intercaladas com menções oportunistas de grandes pensadores, assumirem ares de verdade.
Ao buscar apoio em Bacon, por exemplo, a professora acaba se desdizendo. Afirma que nunca separou teoria e prática. Ora, por que então se insurgiu de forma tão furiosa contra a necessidade de a universidade e os institutos de pesquisa ampliarem suas parcerias com o setor produtivo? Repito o que já escrevi: essa relação perfeitamente saudável e necessária para ambos pode e deve existir, sem que haja qualquer ameaça à característica da universidade como território de investigação e de ultrapassagem de fronteiras do conhecimento.
A autonomia universitária não é ameaçada por tal relação, pois cabe à universidade não apenas tomar iniciativas como também dar a palavra final sobre as que partirem do setor produtivo. Em definitivo, o que não cabe mais é o isolamento preconizado pela professora, atitude que caracterizei no artigo anterior como "torre de marfim".
Se tivesse apenas voltado atrás em suas palavras, seria compreensível. O problema é que surgem nesse ponto os primeiros chavões desinformados. Diz a professora que o governo procura "fugir às obrigações democráticas, maximizando os recursos para o poder pessoal dos governantes, para as finanças e negócios com as empreiteiras". A seguir, como "prova" dessa afirmação, cita a lista dos doadores de campanha, nada mais do que a comprovação de que a lei eleitoral foi obedecida. Enfim, a mesma cantilena sobre "empreiteiras e bancos" que até mesmo a oposição já deixou de repetir com tanta insistência, frustrada em seu objetivo de fabricar escândalos e tentar "pegar carona" no que daí eventualmente resultar.
As generalizações perdidas no vácuo de idéias não param por aí. A professora sustenta que pretendo acabar com "os justos direitos dos outros". Novamente, vale repetir o que disse no artigo anterior: estamos diante de um sistema previdenciário do setor público eivado de privilégios que precisam acabar.
Os "justos direitos" a que se refere dona Maria Sylvia são as aposentadorias que se contam em milhares de reais para grupos que se encastelaram na máquina pública, enquanto 18 milhões de trabalhadores recebem, em média, R$ 200 por mês do INSS. É uma questão que também a universidade precisa encarar, insisto. Entre os diversos aspectos desse tema, é preciso discutir se, apesar de legal, é justo um professor se aposentar ainda jovem em uma universidade pública estadual e se empregar depois em outra, acumulando vencimentos de duas fontes pagadoras públicas. É o caso da professora Maria Sylvia.
O velho argumento de que os parlamentares recebem aposentadorias incompatíveis não vale mais. Pelo menos esse privilégio foi abolido. Com meu voto e articulação, pois ocupava a liderança do PSDB na Câmara, faço questão de informar à professora.
Quanto à contribuição dos inativos do setor público, devolvo à professora a acusação de hipocrisia. Novamente, ela procura usar a generalização como escudo para seus ataques ineptos. Desconhece a professora que fui autor da proposta que alterou o projeto original e instituiu o escalonamento das contribuições dos inativos, no sentido de resguardar os que ganham menos. Por uma questão de justiça social e fiscal. A professora sabe, mas não diz, que os inativos do serviço público não contribuíram proporcionalmente às aposentadorias integrais que recebem. É uma equação que não fecha e que não pode ser ignorada, situação que agora está sendo enfrentada pelo governo federal e pelo estadual.
Após esse longo, mas necessário, esclarecimento sobre a questão previdenciária, voltemos ao aspecto da geração do conhecimento. A professora utiliza bela citação de Bacon para dizer algo que não se contesta: a importância de professores e pesquisadores no desenvolvimento das ciências. A seguir, no entanto, volta aos lugares-comuns e à tentativa tola de pintar os atuais governantes como sádicos algozes mercantilistas, dedicados unicamente a perseguir e destruir educadores e instituições de saber.
Em primeiro lugar, mostrarei o engano desta visão em relação ao Estado de São Paulo. Somando os recursos destinados à educação pública básica, ao ensino superior e à pesquisa, chegamos a aproximadamente 43% da arrecadação de ICMS. É um número que merece ser destacado. E mais: o governo Covas aumentou de quatro para cinco o número de horas diárias de aula nas escolas, o que significa, ao final, um ano a mais no ciclo básico. Os professores foram o setor do funcionalismo estadual que recebeu os reajustes mais importantes, mesmo no quadro de dificuldades financeiras do Estado.
No meu artigo anterior, já apresentei o quadro de investimentos em educação superior e pesquisa em São Paulo, ressaltando a excelência de nossas instituições. Jogando mais uma vez com o óbvio, a professora aponta a necessidade de tempo e investimento para a formação sólida do cientista. O governo Covas traduz em ações a plena consciência que tem dessas exigências para a qualificação, de resto a cargo das universidades públicas com o indispensável apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
A política do governo paulista tem papel central na colocação do Brasil no 18º lugar entre as 20 primeiras nações do mundo na produção de ciência e tecnologia.


A política do governo paulista tem papel central na colocação do Brasil no 18º lugar entre as 20 primeiras nações do mundo na produção de ciência e tecnologia


Também não colide com a autonomia universitária a minha proposta às universidades no sentido de que ampliem as vagas nos cursos de graduação. Além de política de governo, é resposta adequada à sociedade, que, com seus impostos, mantém as universidades públicas.
No plano federal, os avanços também são palpáveis. Sob a direção do ministro Paulo Renato, iniciativas como o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, o "provão" e o Exame Nacional do Ensino Médio comprovam a seriedade com que a educação é tratada pelo governo federal, ao contrário do que diz dona Maria Sylvia.
Depois desse longo trecho absolutamente desinformado a respeito da educação, da pesquisa e das pessoas que por elas respondem no governo, a professora cai em nova incongruência. Afirma que o uso do conhecimento é fundamental para enfrentar a globalização, mas insiste na negativa de aceitar que saber e produção se aproximem para dar ao país condições para uma inserção ativa nas relações mundiais. A torre de marfim é realmente resistente, agora como atitude intelectual. Não são os atuais governantes que fecham o campo do saber, mas alguns setores que vêem seus umbigos como o centro do universo. Os reacionários como dona Maria Sylvia.
Ela cita Maquiavel para indagar se ele também estaria em torre de marfim. Não, dona Maria Sylvia. Maquiavel não recusou o saber ao fazer. Ao contrário, fez genial associação entre reflexão e ação, teoria e prática. Não há comparação com a torre em que se enclausura a professora, cujo amargor torna sua percepção do saber e do país uma verborragia paralisante, que se choca com a realidade. Refugiar-se na torre de marfim é a única maneira de sobreviver. Maquiavel, professora, transformou a amargura do exílio em obra aberta e perene.
Quase ao final, o texto de dona Maria Sylvia descamba do lugar-comum para a pura insensibilidade. Faz isso ao tentar criar uma espécie de mórbido concurso para saber quem mais sofreu durante a ditadura militar. Fala de "vidinhas em Paris" ao se referir aos exilados. Talvez em contraste à "vidona" que a professora levava aqui. Nesse ponto, é preciso assumir um tom pessoal: a senhora não tem o direito de julgar, desconhece as circunstâncias que levaram a decisões naquele período, não sabe os caminhos que cada um tomou para combater a violência e o arbítrio, não tem a menor idéia dos riscos que cada um correu para ajudar companheiros perseguidos. Não seja desonesta a ponto de tentar confundir exílio com passeio.
Escancarar sua ignorância sobre a realidade atual do país é seu direito, professora, mas brandir seus preconceitos sobre aquele triste período é apenas lamentável.
Para encerrar, voltamos à questão dos nomes, que tanto agrada à dona Maria Sylvia. Ela gasta um parágrafo inteiro para se auto-elogiar, usando seu segundo nome. O melhor título para seu artigo seria "Elogio de Minha Própria Fúria", mas deixemos para lá. O parágrafo elogioso faz relação com instrumento cortante, o machado. É ferramenta que deveria ser usada para desobstruir, para abrir novos espaços, para permitir a entrada da luz e do ar. Infelizmente, estamos diante de um machado sem fio.


José Aníbal é deputado federal (PSDB-SP) e Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo.

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