São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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+ 3 questões Sobre direitos autorais

1. A Internet ameaça o conceito de propriedade intelectual ?
2. É possível regulamentar a reprodução eletrônica de texto/som/imagem?
3. A idéia de autoria está em risco?

Samuel Mac Dowell de Figueiredo responde

1.
Não, apesar da inexistência de lei específica que discipline o assunto. Os princípios que regem a propriedade intelectual -não apenas a autoral, mas também a industrial- estão estabelecidos nas convenções internacionais, assim como, entre nós, na Constituição e na legislação ordinária. Nesse sentido, não seriam necessárias leis específicas para proteger a propriedade e a utilização dos bens intelectuais na Internet. Entretanto, a rede cria alguns campos de disponibilização de obras ao público, em relação aos quais persiste uma grande dubiedade sobre a sua caracterização. Um exemplo disto está na execução de obras musicais, que ocorre de modos distintos, alguns deles determinantes da dúvida sobre se se tratam ou não de uma execução pública; outro, mais frequente, reside na reprodução de obras fotográficas. Embora editada apenas há dois anos, a lei brasileira de direito autoral não apresentou avanços em relação aos meios de difusão surgidos com a Internet nem foi adaptada à expansão desses meios.

2.
Esta questão se refere aos meios técnicos de controle. A reprodução em "download", por exemplo, pode ser perfeitamente regulada, se forem adotados meios de controle das reproduções feitas. Entretanto como controlar as execuções sem "download" e sem possibilidade de cópia? O fenômeno é muitíssimo mais amplo que o surgido na era do rádio e da televisão, onde ao menos as fontes reprodutoras são estáticas e conhecidas, o que não é comparável à multiplicação e pulverização dessas fontes na Internet.

3.
A Internet, mais do que qualquer outro meio de difusão antes conhecido, possui uma grande volatilidade e poder de difusão. Pertence ao futuro a definição não sobre a sobrevivência da idéia da autoria em si mesma, mas sim sobre o proveito da autoria. A autoria, como fenômeno abstrato que é, não sofre influências do ambiente físico, enquanto o seu proveito, especialmente o econômico, sim; este depende de fatores diversos, a começar pela questão da regulação e controle. Podemos, contudo, estar às portas de um fenômeno novo e de uma realidade inteiramente distinta, onde a importância que hoje emprestamos à questão da autoria sofra uma modificação profunda.

Philadelpho Menezes responde

1.
A Internet modifica o conceito de propriedade intelectual. Esse conceito está atrelado ao desenvolvimento do mercado do livro, surgido já no século 16. Na prática, aparece para proteger os escritores da pirataria das editoras, que publicavam títulos sem nem sequer avisar seus autores, muitas vezes deturpando seus escritos. A propriedade intelectual se manifesta historicamente na venda de bens materiais (livro, tela de pintura, película fotográfica). Com a digitalização da cultura e sua circulação pela rede de computadores, a propriedade intelectual perde gradualmente sua manifestação física comercializável e seu circuito de distribuição.

2.
As grandes empresas que atuam na Internet devem acreditar que sua tecnologia criará meios de domar o espontaneismo informacional e reproduzir na rede circuitos de comércio controláveis por elas. Já há processos de gravação de marcas em textos, som e imagem digitais que impedem tecnicamente o uso dessas informações sem autorização do site que as gerou. Mas a natureza interpessoal da comunicação na Internet, dada pela rede telefônica, está constantemente se chocando com o sistema centralizador da geração de informação proveniente dos modelos do comércio de bens materiais e dos meios de comunicação de massa.

3.
Também nosso conceito de autoria é herança de uma cultura iniciada no Renascimento, com o advento de uma idéia de indivíduo e de sujeito que se acirra no Romantismo e, posteriormente, nos meios de comunicação de massa, com suas técnicas de criação de ídolos. A autoria, assim, se vincula às idéias de autoridade e de originalidade. Graças à Internet, a autoridade está questionada porque, com o acesso maior às informações, fica menor o espaço para retóricas de convencimento e para a mitificação daquele que sabe. Com o fluxo informacional de hoje, fica evidente que ninguém cria nada sem se apropriar de idéias de outros. Sai de cena o "quem fez primeiro" para dar lugar ao "quem faz melhor". Assim, a originalidade, uma idéia fixa muitas vezes desastrosa para as artes do século 20, vai ficando coisa do século passado.



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