São Paulo, domingo, 05 de março de 2000


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Códigos livres


O pesquisador e hacker Richard Stallman, eleito o segundo maior "herói da Internet" numa enquete da revista "Forbes", defende códigos abertos na rede


As recentes batalhas por direitos autorais na Internet não são novidade para Richard Stallman, 47, fundador da Free Software Foundation (Fundação do Software Livre), criada em 1984. Também conhecida como FSF, ela reúne hackers de todo o mundo e é a mais conhecida organização de combate aos "códigos fechados" de software. Stallman faz parte da primeira geração de hackers, surgida na Universidade Harvard e no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) entre o fim da década de 60 e início dos anos 70, a mesma época em que Bill Gates também circulava por lá. Hoje, o "código aberto" ou "fonte aberta" se tornou a chave para o futuro da Internet, colocando boa parte do comércio eletrônico e empresas de software e Stallman em campos opostos. Essa batalha pelo código, segundo Lessig, definirá como será a arquitetura do ciberespaço: o controle sobre ele significa o controle sobre o código. Se o código for fechado, a arquitetura torna-se mais rígida, e a vida na rede mais fácil de ser monitorada. A FSF defende que o usuário tenha acesso aos códigos com os quais o programa foi escrito e, de posse dessa informação, que ele tenha o direito de estudá-los, copiá-los e modificá-los como bem entender. Seria como comprar um carro e, baseado no manual de instruções, modificar o motor para melhorar o seu desempenho. Isso não é possível quando o software tem um código fechado. O Windows NT da Microsoft, por exemplo, não permite a leitura de seus códigos, impedindo que suas funções sejam alteradas. Além disso, copiar qualquer software protegido por direitos autorais é crime.

Informação pública
O software aberto foi fundamental nos princípios do ciberespaço. A linguagem mais popular na construção de páginas na Internet, o HTML (Hyper Text Markup Language), é de código aberto. Como os códigos que compõem as páginas são passíveis de ser acessados, eles puderam ser estudados, modificados e copiados livremente. "Não faz sentido sermos comparados a pessoas que atacam navios e matam só porque compartilhamos informação pública com o vizinho", disse Stallman em entrevista à Folha, referindo-se ao termo "pirataria". Stallman criou o conceito de "copyleft" -algo como "esquerdas autorais"- como símbolo da filosofia da Free Software Foundation. "O propósito dos direitos autorais, pelo menos em software, significa restringir o público de distribuí-lo e modificá-lo. O meu objetivo é o contrário, quero garantir a qualquer um a liberdade para copiar e modificar o software", explica. O grande orgulho do grupo de Stallman é o GNU/Linux, um sistema operacional que hoje conta com cerca de 10 milhões de usuários em todo o mundo e concorre com o sistema Windows, da Microsoft. Esse sistema foi uma espécie de casamento entre o GNU, sistema operacional iniciado por Stallman, e o Linux, criado por um estudante universitário finlandês, Linus Torvalds. Considerado por Lessig o mais importante elemento no futuro do "código aberto" na Internet, o GNU/Linux recebeu a colaboração de vários hackers espalhados por todo o mundo e pode ser modificado por qualquer um, contanto que siga as regras do "copyleft". O sucesso do sistema foi tão grande que, numa eleição realizada em setembro de 1998 pela revista norte-americana "Forbes" para escolher o maior herói da Internet, Stallman ficou em segundo lugar -atrás apenas de Linus Torvalds. Bill Gates ficou em sétimo. Stallman é um homem de uma causa só. Em 1971, calouro em Harvard, se uniu ao primeiro grupo de hackers, formado por alunos de Harvard e do MIT. Logo começou a trabalhar no no Laboratório de Inteligência Artificial do MIT. "Além de eles terem computadores mais poderosos que Harvard, havia menos administradores dizendo o que podia ou não ser feito com eles." Quando fundou a FSF, Stallman abandonou seu emprego do MIT, um dos centros de tecnologia mais importantes do mundo, para se dedicar à fonte aberta. Hoje, Stallman vive de palestras e prêmios, como a bolsa "gênio" concedida em 1990 pela Fundação McArthur. "Não senti que moralmente tinha direito de fazer algo errado, como vender software, só porque me faria rico", diz, em alusão a Bill Gates. Como Lessig, Stallman acredita que a Internet está perdendo a "arquitetura" livre. No entanto, diferentemente do professor de Harvard, ele acredita que o governo americano não deve interferir na Internet. "Não precisamos de governo algum garantindo nossa liberdade na Internet, e sim que ele pare de ajudar as corporações que a estão nos tirando." O hacker veterano prefere outra alternativas. Ele está organizando um boicote à empresa de comércio eletrônico Amazon por considerar injusta a patente concedida pelo governo americano a essa empresa. Segundo ele, a tecnologia patenteada pela Amazon que identifica o cliente assim que ele faz um pedido não é nenhuma novidade. No entanto essa concessão rendeu à principal concorrente da livraria virtual, Barnes and Nobles, uma ação na Justiça por utilizar a mesma tecnologia. A Amazon alega que a empresa investiu tempo e dinheiro para desenvolver a tecnologia e que não é justo que outros a utilizem. Para o presidente da FSF, tudo não passa de um golpe contra a concorrência. O boicote contra a Amazon, no entanto, pouco alterará sua rotina: Stallman afirma que nunca fez compras pela Internet. "Não há nenhum software de compras nos EUA que seja livre. E eu não vou instalar um software não-livre no meu computador. É simples."

Samba e Guaraná
A FSF mantém uma extensa lista de hackers ao redor do mundo que, pela Internet, tocam vários projetos envolvendo softwares de código aberto. Na lista dos principais colaboradores consta o nome de Alexandre Oliva, 26, doutorando em Ciências da Computação pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). O pesquisador brasileiro foi um dos que ajudaram a desenvolver o software Samba, um dos programas de fonte aberta mais utilizados no mundo.
O envolvimento de Oliva com a FSF começou em 1994, dentro do projeto que levou à criação do GNU/Linux. Apesar do nome brasileiro, as contribuições dele ao Samba foram pequenas: "Propus algumas pequenas alterações ao Samba e isso me valeu um convite para integrar o time". O Samba é uma ferramenta que permite comunicação e transferência de informações entre uma rede MS-Windows e uma outra rede, como por exemplo, o GNU/Linux. Oliva se comunica com frequência pela Internet com Stallman, a quem conheceu pessoalmente apenas em 1996, quando ele visitou a Unicamp. Para o doutorado, Oliva está trabalhando na criação de um software aberto, batizado de Guaraná.
(FABIANO MAISONNAVE e PAULA LOUZANO)


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