São Paulo, domingo, 5 de abril de 1998

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Livro analisa o conceito de crise

da Redação

"Quamina cumprira sua promessa: nenhum branco o levaria vivo. Ele não carregava armas; tinha apenas uma faca e uma Bíblia em seus bolsos."
Emilia Viotti da Costa, em "Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue".

Nas páginas do "Evangelical Magazine", jornal que circulava entre os evangélicos ingleses e que dava conta das atividades dos missionários nas colônias, a expressão "coroa de glória" designava o prêmio divino que estes receberiam ao levar a palavra de Deus ao Novo Mundo.
"Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue", da historiadora Emilia Viotti da Costa, é um relato que tenciona mesclar micro e macro-história, dando ênfase às expectativas de cada grupo envolvido no enredo: a coroa de glória para os missionários, a liberdade para os negros, a manutenção do sistema escravista para os colonos.
A micro-história se envereda por uma narrativa linear e quase literária que traça os embates cotidianos que levaram a uma rebelião de escravos na colônia inglesa de Demerara, na Guiana, em 1823.
Entre os protagonistas, além dos negros, estavam os evangélicos, que se desviaram de sua missão original ao não conseguir compatibilizar o cristianismo com a situação de opressão a que assistiam. Não pegaram em armas ao lado dos negros, mas sua pregação, que exaltava valores como a bondade e liberdade serviu de estímulo para que a revolta já latente se revelasse.
A macro-história aponta para o processo de mudanças econômicas e políticas de diferentes sociedades naquele momento -a britânica pós-revolução industrial e a recém-formada na América-, à luz das transformações capitalistas que fariam das antigas metrópoles forças imperialistas e, da América, produtora de bens agrícolas para a exportação.
O conceito histórico de crise é o eixo da problemática. Contradições geradas pelas diferenças culturais e o desenvolvimento capitalista são fatores que podem ser encontrados em outros momentos da história, mas por que num determinado momento a crise é insustentável e toda a ordem deve ser destruída? É a questão que a historiadora se propõe a responder.
O trajeto que a pesquisadora trilha persegue relatos de personagens que viveram a história. Do escravo que, no dia do levante, submete o senhor a tomar os sais que este lhe ministrava para castigá-lo ("Toma, Sinhô, se fez bem pra mim, vai fazer pro sinhô também") ao missionário que relata sua angústia em relação aos acontecimentos em seu diário.
Viotti sempre estabelece um paralelo entre individual e universal. Mostra, por exemplo, que, se a vinda do missionário John Smith para Demerara era parte de uma política mais ampla das sociedades missioneiras e da própria empresa colonial, por outro lado, a reconstituição da trajetória pessoal deste homem mostra que ele vivia uma situação social instável e vivia trocando de pequenos empregos, encontrando na partida para o Novo Mundo um alívio pessoal.
Por fim, Viotti demonstra como os negros reformularam seus símbolos e comportamentos em face da nova realidade e conseguiram, por meio de um código misto, exprimir seu desejo de liberdade.
(SYLVIA COLOMBO)



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