São Paulo, domingo, 5 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PONTO DE FUGA
A lição da modéstia

JORGE COLI
especial para a Folha

Uma exposição na Bienal de Arquitetura do ano passado e o recente livro, denso e afetuoso, de Hugo Segawa (Pro Editores), começaram a evidenciar a obra de Oswaldo Bratke. Ele morreu em 1997, com 90 anos. Foi um dos nossos grandes arquitetos e o mais discreto. Num tempo em que o cimento armado triunfava como expressão do moderno, seus projetos revelavam uma atenção cuidada ao sítio, à paisagem, à natureza, aos materiais diversificados e acessíveis. Enquanto muitos de seus ilustres colegas impunham formas espetaculares e indiscutíveis, que atingiam facilmente o irracionalismo, ele dialogava e mostrava-se atento aos desejos dos usuários. Bratke tinha horror das teorias, dos gênios e do "culto ao ego" -são suas palavras- em arquitetura. Preferia Wright ou Neutra a Le Corbusier. A beleza delicada e sensível de suas obras emana do ambiente, quase imperceptível, junto a um certo sentimento de bem-estar ou, mais, de felicidade. Basta passear pelo balneário de Águas de Lindóia, por exemplo, para se perceber que o edifício tende a dissolver-se em leveza, a evidenciar a luz, as plantas ou os admiráveis painéis de Lívio Abramo, seu velho cúmplice: o avesso da arquitetura autoritária que dominou nossa modernidade.

VIOLONCELO
- O catalão Casals, na primeira metade do século, e o russo Rostropovich, na segunda, foram os dois violoncelistas insuperáveis de nosso tempo, com vidas, por sinal, bastante paralelas, pelo menos no que concerne ao empenho político de ambos, que ficaram exilados por longos anos.
O violoncelo de Casals possuía um som terrivelmente negro e doloroso, o de Rostropovich chega a uma espécie de erotismo aveludado. De Casals, quase tudo foi editado em CD. Rostropovich selecionou agora suas gravações realizadas entre 1950 e 1974, quando vivia na ex-União Soviética. Elas couberam num álbum de 13 CDs (EMI). Das "Bachianas nš 1" aos dois concertos de Chostacovich, passando por Schumann e Beethoven, cada obra parece pertencer às preliminares sonoras do paraíso.

FOSCA
- Até bem recentemente não se tinha uma gravação completa da segunda ópera italiana de Carlos Gomes, obra complexa, que encerra um intrincado cruzamento de sensibilidades culturais e musicais. Existem agora duas: uma histórica, editada já há alguns meses pelo selo Master Class, tomada ao vivo, mas com ótima restauração sonora e com o trunfo de intérpretes como Ida Miccolis e Agnes Ayres.
A outra "Fosca", gravada em novembro passado a partir de um espetáculo também ao vivo, na Bulgária (Sudameris/Funarte/MC), possui suntuosa qualidade de som, bons cantores e, sobretudo, regência de Luiz Fernando Malheiro, maestro que sabe exatamente o que dirigir uma ópera significa. Ambas as versões são indispensáveis.

HUMANA FRAGILIDADE
- Um espetáculo perfeito percorre atualmente o Brasil: "A Breve Interrupção do Fim", de Suely Machado e Gerald Thomas. O cenário poético e a presença da trilha sonora envolvem os atores-dançarinos, que não poderiam ser melhores. Há uma surpreendente alternância de humor e comoção, passando de um ao outro sem modular. Tudo ocorre num tom de leveza constante que faz transparecer a inocência trêmula da humana fragilidade.


Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli@correionet.com.br



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.