São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2008

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+ Comportamento

A rainha envergonhada

Correspondente do jornal "New York Times" em Londres, a americana Sarah Lyall atualiza estereótipos sobre os britânicos

Pierre-Philippe Marcou-4.jul.08/France Presse
A cantora britânica Amy Winehouse bebe durante concerto na Espanha

PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

Os britânicos têm os dentes ruins, uma comida terrível (que está melhorando, é verdade), são tão travados em relação a sexo que só se referem a ele com nomes bobos e bebem muito, muito mesmo, para serem corajosos -ou estúpidos.
O ataque, ainda que com doses de afeto, não vem de fora, mas de uma norte-americana "infiltrada" desde 1995 no Reino Unido. Casada com um editor britânico e mãe de duas garotinhas com quem insiste em falar "em americano" (e não em inglês), Sarah Lyall é correspondente do "New York Times" em Londres e escreveu um livro sobre seus moradores.
Em "The Anglo Files" (Arquivo Anglo, W.W. Norton, 256 págs., US$ 24,95, R$ 48), a repórter usa uma mistura de experiência pessoal, pesquisa e opinião para traçar um perfil do que é a vida no Reino Unido.
O livro defende que uma porção de clichês sobre os britânicos, são no fundo, verdadeiros.
"A comida está melhorando, era muito pior quando cheguei, há 13 anos. Você não tinha como conseguir um almoço decente. Todas as lojas de sanduíche fechavam às 14h e todas tinham aqueles recheios nojentos na vitrine, como salada de ovo. Ainda é ruim, mas agora está bem melhor. Mas eles realmente têm dentes horríveis", disse Lyall, em entrevista na sede londrina do "New York Times", a poucas quadras do palácio de Buckingham e do St. James Park, numa das regiões mais valorizadas da cidade.
Após esses 13 anos, ela não tem dúvidas: "[Os ingleses] bebem tanto porque são reprimidos e, quando bebem, se comportam de maneiras que jamais se comportariam. Isso ajuda alguns a serem mais corajosos, outros a serem mais estúpidos. Não têm o tipo de cultura em que é aceitável beber um pouco de vinho no jantar. A cultura toda gira em torno de ficar totalmente acabado, beber tanto quanto conseguir até passar mal", diz ela, rindo.
Mas todo mundo?
"Não todo mundo. Mas as pessoas aqui, em geral, bebem mais do que lá em casa (nos EUA). Você vai a um jantar aqui, as pessoas bebem muito mais, elas não prestam atenção, não são cuidadosas nem querem ser. Não cuidam de sua saúde como os americanos cuidam, e isso tem a ver com os dentes também. Não são vaidosas, não estão interessadas em ficar bonitas, acham que nossos dentes são muito brancos, muito falsos", completa.

Humor britânico
O sexo é outro ponto de ataque de Lyall, casada desde 1995 com o escritor e editor britânico Robert McCrum, do "Observer", versão dominical do "Guardian".
"Só acho que não seja um país sexual. Enquanto os franceses fazem sexo, os ingleses têm bolsas de água quente, dessas que você põe ao seu lado na cama para ficar quente. Talvez porque seja um clima escuro, frio. Eles têm vários eufemismos para sexo, tentando transformá-lo em uma coisa boba. É menos romântico e mais engraçado", afirma.
Mesmo o celebrado humor britânico não escapa da mira de Lyall, apesar de essa ser uma das poucas características que ela de fato elogia.
"Eles usam muito o senso de humor para afastar qualquer tentativa de conhecê-los melhor", diz, antes de falar que adora esse tipo de humor. "Os norte-americanos têm um senso de humor muito direto, e os ingleses são muito irônicos, com várias camadas de significados diferentes."
O curioso é que, ao conhecer Lyall, fica claro que ela mesma se encaixa em vários estereótipos atribuídos aos norte-americanos pelos britânicos e pelo resto do mundo.
Loira, olhos azuis, cabelo estilo chanel, ela fala alto e tem aquela simpatia que parece quase forçada de tão efusiva.
"Quando os americanos viajam, a gente sempre se sente como um cachorro barulhento e desastrado, falando alto, gesticulando, fazendo perguntas embaraçosas, falando tudo de modo muito direto", diz Lyall, sobre a visão que ela acredita que os seus vizinhos têm dela.
"Sou muito americana e vou muito para os EUA, tento ensinar "americano" para as minhas filhas o máximo possível. Falo "garbage" em vez de "rubbish" [duas palavras para lixo] e "pants" em vez de "trousers" [calças], essas coisas. Elas reclamam", diz.

Harold Pinter
A relação entre o antigo império e o atual, avalia, não é das melhores.
"Eles têm uma relação muito complicada com a América, são ciumentos e invejosos. Mas ao mesmo tempo são muito ressentidos do poder americano e de sua influência cultural. E acho que, quando vão para a América, eles adoram os grandes espaços e a abertura das pessoas", afirma Lyall, que, apesar de todas as críticas, nutre uma relação de afeto com o país onde vive.
Em sua sala, onde tem um aparelho que simula a luz do sol ("porque nunca há luz suficiente, mesmo nos dias ensolarados"), ela admite que o principal entrave hoje é a política externa desastrada do governo George W. Bush, que ela não apóia e já lhe rendeu ao menos uma situação desagradável.
"Algumas vezes pedem que você explique a política externa de seu país, o que é muito difícil. A maioria separa o governo americano dos americanos, mas uma vez encontrei Harold Pinter [dramaturgo, Prêmio Nobel de Literatura em 2005] e ele odeia os americanos, porque ele odeia a política externa americana. É uma coisa só."


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