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+ Comportamento
Uma questão de classe
A socióloga Diana Crane, que vem a SP nesta semana, explica como a moda superou a divisão entre ricos e pobres
TARCISIO D'ALMEIDA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
socióloga norte-americana Diana
Crane, 71, endossa a
lista de intelectuais
que se dedicam à
moda. Professora emérita da
Universidade da Pensilvânia
(EUA) e visitante na escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais (França), Crane se especializou em sociologia da cultura, das artes e das mídias.
Encontrou ainda espaço para
a moda em suas reflexões, o
que resultou na publicação do
livro "A Moda e seu Papel Social - Classe, Gênero, Identidade", em 2000, que agora ganha
edição brasileira pela editora
Senac-SP [trad. Cristiana
Coimbra, 504 págs., R$ 65].
Crane está pela primeira vez
em São Paulo, para uma série
de palestras no Senac Lapa e no
Centro Universitário Senac
(tel. 0800-883-2000), respectivamente na terça e quarta desta semana. Sobre a necessidade
de atualização dos pensamentos contemporâneos da sociologia, diz que "precisamos de
novas teorias para compreender e explicar a moda de hoje".
FOLHA - Qual é o papel social da
moda?
DIANA CRANE - A sociologia da
moda explica por que as pessoas consomem o que elas consomem e de que maneira. No
caso da moda, por que homens
e mulheres vestem o que vestem? É uma maneira de tornar
claro ao público por que se
usam determinadas roupas e
como são escolhidas.
Também tem o papel de desmistificar o significado da moda, de nossas escolhas.
Até pouco tempo atrás, a moda era estudada por especialistas de diversas áreas, como antropólogos, historiadores etc.
O campo do estudo científico
da sociologia na área da moda é
relativamente novo, e acredito
que prova que é necessário hoje
compreendermos por que nos
comportamos de determinado
modo perante nosso vestuário.
No século 19 e até metade do
século 20, a França dominava a
cena da moda e ninguém se
questionava sobre o que estava
usando porque a moda vinha de
cima para baixo, ou seja, era ditada por grandes estilistas da
alta-costura e pelas altas classes sociais.
No mundo contemporâneo
isso mudou. O maior acesso à
moda por pessoas de diversas
classes sociais provocou a descoberta de mercados como o
dos EUA, da Itália e da Inglaterra e, mais recentemente, de
Cingapura, do Japão, da Alemanha e da China. É por isso
que o estudo dessa disciplina
ganhou voz: porque a moda hoje está presente em todo lugar e
de muitas formas.
FOLHA - O que é sociologia da moda? Em que ela pode contribuir para
a reflexão sobre moda?
CRANE - A sociologia da moda
estuda como ela é produzida,
criada e desenvolvida no mundo contemporâneo. Mostra
também como se organiza hoje
a indústria da moda. Além disso, ela mostra como a globalização transformou a maneira de
pensar a moda e o comportamento da sociedade perante
ela. A globalização democratizou a moda, porque a tornou
mais acessível a todas as classes
sociais e culturas.
Por outro lado, tornou o trabalho dos novos estilistas mais
difícil. Ganhar espaço nessa
área é complicado, porque é difícil se diferenciar e competir
com os grandes conglomerados, que conseguem produzir
em larga escala. O vestuário é
uma forma de expressar a identidade de um povo, assim como
a sua gastronomia.
FOLHA - Como a tradição do pensamento sociológico ocidental
-Georg Simmel, René König,
Quentin Bell, Herbert Blummer e
Pierre Bourdieu- influencia a sociologia contemporânea da moda?
CRANE - Eles ajudaram a compreender alguns pontos do
comportamento social, como a
divisão de classes e a maneira
como os seres humanos se desenvolviam dentro de um contexto social menos flexível.
Esses sociólogos produziram
trabalhos no início do século 20
que, embora úteis para a base
do estudo da sociologia moderna, não conseguem explicar as
mudanças tão bruscas da sociedade atual.
Georg Simmel, por exemplo,
define as transformações da
moda como um processo de
imitação da elite por parte das
classes inferiores. Esse questionamento já não existe mais,
porque a moda não está mais
atrelada a classes, mas sim a
significados e a identidades.
Além disso, o mundo hoje se
transforma com uma enorme
velocidade e a forma de pensar
a moda e seu desenvolvimento
também precisa mudar. Bourdieu, por outro lado, pesquisou
como as pessoas adquiriam os
bens culturais em sociedades
estratificadas. Sua tese previa
mudanças sociais mais lentas.
Ele não estava atento à forma
como a moda era produzida e
ao motivo pelo qual era produzida. Esse é o objeto do meu estudo e da sociologia da moda no
mundo contemporâneo. A moda hoje não tem mais o ciclo da
elite para as classes baixas.
Os ricos ainda têm maior poder aquisitivo, mas isso não significa que os mais pobres não
estejam inseridos no circuito
da indústria da moda. A moda
aparece na sociedade moderna
por meio da classe trabalhadora, da classe média, no meio da
rua, diferentemente do século
19 e do início do 20.
FOLHA - Bourdieu disse que "a moda é um assunto muito prestigiado
na tradição sociológica e, ao mesmo
tempo, aparentemente um pouco
frívolo". De certa forma, estudar a
moda com rigor científico a credenciou como tema válido?
CRANE - Acredito que sim. Até
pouco tempo atrás, muita gente
acreditava que o consumismo
era algo frívolo, supérfluo; no
entanto consumir faz parte da
economia moderna e da concepção da sociedade atual e não
pode mais ser desconsiderado.
Os grandes conglomerados
de moda conseguem produzir
roupas mais baratas em outros
países, mas nem por isso as
vendem a preços baixos.
Nos EUA, por exemplo, vemos muito o que chamamos de
"sweatshops", que são espécies
de fábricas que produzem moda de maneira marginalizada,
ou seja, empregando pessoas
por salários extremamente baixos e com jornadas de trabalho
subumanas.
Essa é uma questão séria da
sociedade moderna, que deve
ser estudada com cuidado.
TARCISIO D'ALMEIDA é professor no curso de
pós-graduação em moda da Faculdade Santa
Marcelina, em São Paulo.
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