São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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+ Comportamento

Uma questão de classe

A socióloga Diana Crane, que vem a SP nesta semana, explica como a moda superou a divisão entre ricos e pobres

TARCISIO D'ALMEIDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A socióloga norte-americana Diana Crane, 71, endossa a lista de intelectuais que se dedicam à moda. Professora emérita da Universidade da Pensilvânia (EUA) e visitante na escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (França), Crane se especializou em sociologia da cultura, das artes e das mídias.
Encontrou ainda espaço para a moda em suas reflexões, o que resultou na publicação do livro "A Moda e seu Papel Social - Classe, Gênero, Identidade", em 2000, que agora ganha edição brasileira pela editora Senac-SP [trad. Cristiana Coimbra, 504 págs., R$ 65].
Crane está pela primeira vez em São Paulo, para uma série de palestras no Senac Lapa e no Centro Universitário Senac (tel. 0800-883-2000), respectivamente na terça e quarta desta semana. Sobre a necessidade de atualização dos pensamentos contemporâneos da sociologia, diz que "precisamos de novas teorias para compreender e explicar a moda de hoje".

 

FOLHA - Qual é o papel social da moda?
DIANA CRANE
- A sociologia da moda explica por que as pessoas consomem o que elas consomem e de que maneira. No caso da moda, por que homens e mulheres vestem o que vestem? É uma maneira de tornar claro ao público por que se usam determinadas roupas e como são escolhidas. Também tem o papel de desmistificar o significado da moda, de nossas escolhas. Até pouco tempo atrás, a moda era estudada por especialistas de diversas áreas, como antropólogos, historiadores etc.
O campo do estudo científico da sociologia na área da moda é relativamente novo, e acredito que prova que é necessário hoje compreendermos por que nos comportamos de determinado modo perante nosso vestuário.
No século 19 e até metade do século 20, a França dominava a cena da moda e ninguém se questionava sobre o que estava usando porque a moda vinha de cima para baixo, ou seja, era ditada por grandes estilistas da alta-costura e pelas altas classes sociais.
No mundo contemporâneo isso mudou. O maior acesso à moda por pessoas de diversas classes sociais provocou a descoberta de mercados como o dos EUA, da Itália e da Inglaterra e, mais recentemente, de Cingapura, do Japão, da Alemanha e da China. É por isso que o estudo dessa disciplina ganhou voz: porque a moda hoje está presente em todo lugar e de muitas formas.

FOLHA - O que é sociologia da moda? Em que ela pode contribuir para a reflexão sobre moda?
CRANE
- A sociologia da moda estuda como ela é produzida, criada e desenvolvida no mundo contemporâneo. Mostra também como se organiza hoje a indústria da moda. Além disso, ela mostra como a globalização transformou a maneira de pensar a moda e o comportamento da sociedade perante ela. A globalização democratizou a moda, porque a tornou mais acessível a todas as classes sociais e culturas.
Por outro lado, tornou o trabalho dos novos estilistas mais difícil. Ganhar espaço nessa área é complicado, porque é difícil se diferenciar e competir com os grandes conglomerados, que conseguem produzir em larga escala. O vestuário é uma forma de expressar a identidade de um povo, assim como a sua gastronomia.

FOLHA - Como a tradição do pensamento sociológico ocidental -Georg Simmel, René König, Quentin Bell, Herbert Blummer e Pierre Bourdieu- influencia a sociologia contemporânea da moda?
CRANE
- Eles ajudaram a compreender alguns pontos do comportamento social, como a divisão de classes e a maneira como os seres humanos se desenvolviam dentro de um contexto social menos flexível.
Esses sociólogos produziram trabalhos no início do século 20 que, embora úteis para a base do estudo da sociologia moderna, não conseguem explicar as mudanças tão bruscas da sociedade atual.
Georg Simmel, por exemplo, define as transformações da moda como um processo de imitação da elite por parte das classes inferiores. Esse questionamento já não existe mais, porque a moda não está mais atrelada a classes, mas sim a significados e a identidades.
Além disso, o mundo hoje se transforma com uma enorme velocidade e a forma de pensar a moda e seu desenvolvimento também precisa mudar. Bourdieu, por outro lado, pesquisou como as pessoas adquiriam os bens culturais em sociedades estratificadas. Sua tese previa mudanças sociais mais lentas.
Ele não estava atento à forma como a moda era produzida e ao motivo pelo qual era produzida. Esse é o objeto do meu estudo e da sociologia da moda no mundo contemporâneo. A moda hoje não tem mais o ciclo da elite para as classes baixas.
Os ricos ainda têm maior poder aquisitivo, mas isso não significa que os mais pobres não estejam inseridos no circuito da indústria da moda. A moda aparece na sociedade moderna por meio da classe trabalhadora, da classe média, no meio da rua, diferentemente do século 19 e do início do 20.

FOLHA - Bourdieu disse que "a moda é um assunto muito prestigiado na tradição sociológica e, ao mesmo tempo, aparentemente um pouco frívolo". De certa forma, estudar a moda com rigor científico a credenciou como tema válido?
CRANE
- Acredito que sim. Até pouco tempo atrás, muita gente acreditava que o consumismo era algo frívolo, supérfluo; no entanto consumir faz parte da economia moderna e da concepção da sociedade atual e não pode mais ser desconsiderado.
Os grandes conglomerados de moda conseguem produzir roupas mais baratas em outros países, mas nem por isso as vendem a preços baixos.
Nos EUA, por exemplo, vemos muito o que chamamos de "sweatshops", que são espécies de fábricas que produzem moda de maneira marginalizada, ou seja, empregando pessoas por salários extremamente baixos e com jornadas de trabalho subumanas.
Essa é uma questão séria da sociedade moderna, que deve ser estudada com cuidado.


TARCISIO D'ALMEIDA é professor no curso de pós-graduação em moda da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo.


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