|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ Mídia
Colunas, bombas e cigarros
Antologia traz textos jornalísticos de George Orwell que ajudam a esclarecer
seu processo criativo
SEAN FRENCH
No final dos anos 30,
George Orwell estava planejando
sua obra-prima,
uma "saga épica"
que teria por título "The Quick
and the Dead" [Os Rápidos e os
Mortos]. Ele foi impedido de
escrevê-la por quase todos os
obstáculos imagináveis.
Acima de tudo, havia a guerra, com todas as privações e
perturbações que acarretava,
ainda que ele tenha desempenhado papel militar modesto,
no posto de sargento.
Orwell se casou com Eileen,
e não demorou para que o carrinho de bebê no corredor se
concretizasse, na forma de Richard, o filho que adotaram.
Ele já estava sofrendo da doença respiratória fatigante que viria a matá-lo, mas continuava a
fumar quantidade heróica de
cigarros. Ao mesmo tempo, estava produzindo uma quantidade espantosa de peças jornalísticas, mas mesmo assim escreveu "A Revolução dos Bichos" [Globo] e "1984" , obras-primas culturais.
E o jornalismo que produzia
era igualmente excelente, como demonstra "Orwell in "Tribune'" [Orwell no "Tribune",
ed. Politico, org. Paul Anderson, 400 págs., 19,99 libras, R$
82]. Esta reveladora antologia
demonstra de que maneira os
diferentes aspectos da imaginação de Orwell interagiam.
Reuniões editoriais
Pouco depois de concluir "A
Revolução dos Bichos", aceitou
o posto de editor literário e colunista no semanário esquerdista "Tribune".
A primeira de suas colunas
"As I Please" [Como Eu Preferir] foi publicada em 3/12/
1943. Ele as publicou regularmente até fevereiro de 1945,
quando tirou uma licença de oito meses, durante a qual visitou
a Europa continental como repórter do "Observer" (e conheceu Hemingway em Paris).
Os entusiastas de Orwell já
terão lido boa parte dessa antologia em outras coleções. O que
fascina, aqui, é ler o trabalho
dele como jornalista ativo, escrevendo regularmente para
uma mesma publicação. Ele
participou de reuniões editoriais, encomendou resenhas a
outros escritores e empreendeu uma tentativa frustrada de
publicar contos, selecionados
por meio de um concurso.
Mas acima de tudo havia as
colunas. Toda semana escrevia
sobre o tema que lhe ocorresse:
a impopularidade dos soldados
americanos no Reino Unido, o
absurdo dos abrigos contra
bombas, a lista anual de
honrarias da coroa britânica e a
feiúra das fotografias dos agraciados. Ele criticou o anti-semitismo e o costume de dobrar a
bainha das calças para cima, as
ferrovias britânicas e os especialistas da BBC. Pediu aos leitores que identificassem citações. Lamentou a volta das grades às praças londrinas.
A cada semana, é possível
acompanhar suas inspirações
tomando forma. Protesta contra a propaganda, a manipulação das massas, a esqualidez da
vida na Londres da Segunda
Guerra e do pós-guerra, os absurdos da burocracia e o crescimento das grandes potências,
temas que viriam a ser parte da
matéria-prima de "1984".
Ausências notáveis
Para um escritor aparentemente tão pessoal, há algumas
coisas notáveis pela ausência.
Demonstra fascínio pelas minúcias da história literária, mas
não existe menção a romances,
peças ou música clássica.
Durante a pausa que fez em
1945, a guerra acabou e duas
coisas importantes aconteceram em sua vida. Depois de ser
recusada por vários editores
(entre os quais, Eliot), "A Revolução dos Bichos" finalmente
foi publicada e obteve sucesso
instantâneo. E Eileen, a mulher
de Orwell, morreu repentinamente. Quando retomou suas
colunas para o "Tribune" algo
havia mudado.
Os textos já eram bons, antes,
mas nesse período, em seqüência quase ininterrupta, saíram
colunas clássicas como "Books
vs. Cigarettes" [Livros versus
Cigarros], "The Decline of English Murder" [O Declínio do
Romance de Mistério Inglês],
"Some Thoughts on The Common Toad" [Algumas Reflexões
sobre o Sapo Comum"], "A
Good Word for the Vicar of
Bray" [Um Elogio ao Vigário de
Bray] e "Confessions of a Book
Reviewer" [Confissões de um
Resenhista de Livros].
Trata-se de alguns dos melhores ensaios já escritos em inglês, e eles parecem ainda mais
espantosos quando, ocasionalmente, surge uma queixa banal
sobre a escassez de relógios no
pós-guerra. Em 4/4/47, Orwell
escreveu sobre a possibilidade
de cultivar tabaco na Inglaterra
(o problema não era a falta de
sol, disse ele de maneira implausível, "mas alguma deficiência na terra"), e se afastou
do jornal definitivamente.
Este texto saiu no "Independent".
Tradução de Paulo Migliacci.
Texto Anterior: + Comportamento: Uma questão de classe Próximo Texto: + Política: Mundo, vasto mundo Índice
|