|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
EVENTO
O crepúsculo do dever
ROGÉRIO ORTEGA
Coordenador do Programa de Qualidade
Não há associação automática
entre individualismo e egoísmo. É
falsa a idéia de crise de valores no
que se refere às sociedades atuais.
Não vivemos no melhor dos
mundos possíveis, mas as coisas
já foram piores -especialmente
se olharmos para a primeira metade do século 20.
Todas essas idéias -expostas
pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky em debate promovido pela
Folha e pela Fundação Iberê Camargo no auditório do jornal, em
24 de novembro-, embora não
configurem um otimismo à doutor Pangloss, são polêmicas o suficiente para sustentar duas horas
de discussão. Esse tempo se mostrou, ao final, curto demais.
Debateram com Lipovetsky
Luiz Felipe Pondé, professor do
Programa de Ciências da Religião
da PUC (Pontifícia Universidade
Católica) paulista, e Fernando
Schuler, professor de história e
ciência política da Universidade
Luterana do Brasil (RS) e consultor da Fundação Iberê Camargo.
"Ética e política na sociedade
contemporânea" foi o tema do
encontro. Ele serviu para que Lipovetsky iniciasse sua exposição
falando do descrédito da política,
estado de espírito, a seu ver, característico da pós-modernidade.
"Nossa cultura se baseia no culto individualista do presente, e isso tem consequências no espaço
político", afirmou o filósofo. Desconfia-se dos sindicatos, dos partidos, do Estado, das ideologias. A
ausência dos chamados "grandes
homens", líderes capazes de impulsionar o sonho coletivo, precisa ser contrabalançada pela sociedade civil, segundo Lipovetsky,
com maiores graus de criatividade e autonomia. Assim, a concretização dos desejos dos indivíduos tem de se dar num lugar diferente da política.
O filósofo vê essa mudança de
eixo como essencialmente positiva. Lipovetsky negou que o individualismo se identifique sempre
com o egoísmo (aliança que, de
acordo com ele, é uma forma "irresponsável" de individualismo)
e refutou a afirmação de que as
democracias pós-modernas tenham destruído valores morais. O
termo de comparação, para ele,
são os anos 30, com a ascensão
dos regimes totalitários e o que
chama de depreciação do humanismo em favor de conceitos como o da luta de classes.
Hoje, malgrado todos os problemas enfrentados pelas sociedades, teríamos valores de tolerância e pluralismo mais firmemente enraizados e uma preocupação com a proteção ao ser humano em níveis nunca vistos.
Para Lipovetsky, isso se relaciona ao que ele considera o "crepúsculo do dever" -conceito diferente do de "desaparecimento do
dever". A moral, diz ele, não tem
mais um rosto autoritário; é uma
espécie de moral "à la carte",
adaptada aos valores de bem-estar do individualismo contemporâneo. Nem por isso, porém, deixa de ser uma moral.
Ao final de sua fala, Lipovetsky
argumentou com a necessidade
de responsabilizar o individualismo, em vez de combatê-lo -e
ressaltou o papel do Estado nessa
equação. O mercado, eficaz para
produzir riqueza, não poderia garantir sozinho a justiça social.
Luiz Felipe Pondé questionou a
possibilidade de essas idéias viajarem de um lado a outro do Atlântico sem prejuízos. Isto é, a tendência a abraçar o individualismo
de uma maneira radical, sem dialetizá-lo, caracterizaria uma sociedade como a brasileira, onde o
"é proibido proibir" estaria em jogo há muito tempo.
Schuler levantou dúvidas sobre
o próprio conceito de pós-modernidade. Para ele, algumas supostas manifestações do descrédito
na política -como a alta abstenção eleitoral nos EUA- podem,
na verdade, representar a confiança no funcionamento de certas instituições, o que seria uma
conquista da modernidade.
Texto Anterior: Brasil 500 d.c. - Luiz Costa Lima: O afeto de cada um Próximo Texto: A revolução de Einstein - Cássio Leite Vieira: A física do gigantesco Índice
|