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Cientista social francesa analisa o valor simbólico da vestimenta feminina nos países islâmicos
As mulheres de véu
Betty Milan
especial para a Folha
Juliette Minces se formou em russo e chinês no Instituto de Línguas e Civilizações Orientais e se diplomou na Escola Prática de Altos Estudos em Ciências
Sociais, em Paris. Três anos de pesquisa sistemática
levaram-na a escrever em 1973 o primeiro livro de fôlego sobre os imigrantes na França, "Les Travailleurs
Etrangers en France" (Os Trabalhadores Estrangeiros
na França). Passou depois dez anos fazendo pesquisas
na África, no Oriente e na Ásia e se tornou uma autoridade em tudo o que diz respeito ao islã e à mulher no
mundo muçulmano. Publicou vários livros sobre o assunto. Destacam-se entre eles "A Mulher no Mundo
Árabe" (1982), "La Femme Voilée" (A Mulher Velada,
ed. Hachette, 1992), "Le Coran et les Femmes" (O Corão
e as Mulheres, Hachette, 1996).
Na entrevista a seguir, ela discute, entre outros assuntos, o significado do véu no mundo muçulmano.
Por que você escreveu "O Corão e as Mulheres", editado
com sucesso em 1996 e agora reeditado?
Porque me dei conta de que não havia clareza quanto à relação entre o texto sagrado e a tradição.
Você escreveu um livro que se chama "A Mulher Velada".
Qual o significado do véu no mundo muçulmano?
O véu não tem a mesma significação nas origens e
hoje. Em quase todas as sociedades, as mulheres usaram o véu. Nos anos 40, na Europa, uma mulher que
saísse sem chapéu era considerada sem honra. Precisava sair de chapéu e com luvas, esconder o cabelo e
não pegar na mão de um desconhecido.
O cabelo e a mão são importantes em todas as civilizações. O cabelo é um objeto sexual, e, na tradição
antiga, no judaísmo, as mulheres raspavam a cabeça
quando se casavam. No que diz respeito à mão, tanto
no judaísmo quanto no islamismo, existe a interdição do contato físico entre um homem e uma mulher que não sejam da mesma família.
A história do véu é muito antiga e é provável que as
mulheres não estivessem sistematicamente veladas
na época de Maomé. Mas ele teve que deixar Meca,
porque as pessoas não queriam um pregador que
exigia dos ricos esmola para os pobres. Quando
Maomé chegou em Medina, ele recorreu ao véu para
distinguir as mulheres que eram crentes das outras.
O véu também permitia distinguir a mulher livre da
escrava.
O que o Corão diz sobre o uso do véu?
Diz que é preciso cobrir o pescoço e as jóias porque
eles tornam a mulher mais bonita. Mas não dá nenhuma indicação sobre a maneira como o véu deve
ser usado. No mundo muçulmano o véu é uma maneira de proteger os homens da sedução exercida pelas mulheres e de proteger as mulheres da cobiça dos
homens.
Hoje em dia, o véu é usado por razões políticas. Assim, na Argélia, a Frente de Liberação Nacional, que
lutava contra a colonização francesa, pressionava as
mulheres que já não usavam o véu a usá-lo, enquanto os militares franceses faziam pressão sobre as muçulmanas para que o tirassem. Essa história mostra
claramente que a mulher e o véu são utilizados como
símbolos políticos. A mesma coisa aconteceu no Irã.
Quando o aiatolá Khomeini tomou o poder, muitas
mulheres que não usavam o véu passaram a usá-lo
para mostrar que estavam de acordo com Khomeini,
e ele depois se aproveitou disso para tornar o véu
obrigatório.
Há países onde as mulheres põem o véu para não
serem importunadas. Por exemplo, no Egito, onde
os Irmãos Muçulmanos jogavam ácido nas pernas
das que se apresentavam na universidade sem o véu.
Ou no Afeganistão, onde os talebans o impuseram a
todas as mulheres, inclusive as que tinham postos de
grande responsabilidade.
Quais os versículos do Corão diretamente relacionados à
submissão das mulheres?
Nos capítulos do Corão não existe um desenvolvimento longo sobre esse ponto preciso. Há referências às mulheres ao longo do Corão, versículos que
dizem respeito a elas. Os dois versículos mais importantes são a "Repúdio" e "Das Mulheres". O Corão
diz que tanto o homem quanto a mulher devem ser
punidos quando se comportam mal e diz ainda que
os homens e as mulheres são iguais diante de Deus,
ou seja, quando mortos. Porém também diz que o
homem tem preeminência sobre a mulher ou que ele
é superior e a mulher lhe deve obediência -como
ele deve obediência a Deus.
A mulher é tida como menor.
Assim, quando há casamento, ela precisa de um tutor matrimonial para se casar, e o futuro marido,
não. Para testemunhar na Justiça é preciso duas mulheres para um homem.
A mulher só tem direito à metade da herança, não
pode ser polígama, claro. A poligamia é um direito
exclusivo dos homens. A mulher também não pode
repudiar o marido, o repúdio é unilateral.
Em que condições se dá o repúdio?
Em quaisquer condições. Por ser estéril, por não ter
filhos homens, por não cozinhar bem, ter mau humor, enfim, por qualquer coisa. E o homem não tem
que prestar contas a ninguém. Basta usar a fórmula
do repúdio, com ou sem testemunha, e o que resta à
mulher é ir embora. Outra forma de expressão da
menoridade é ela não poder ser tutora das crianças.
Só quem pode ter a guarda, ou seja, tomar as decisões importantes em relação aos filhos é o pai.
Onde a mulher vai viver depois de ser repudiada?
Tradicionalmente vai para a casa do pai ou do irmão
mais velho.
E como ela é recebida?
Normalmente, uma vez que o repúdio se faz com
muita facilidade e porque a mulher volta com o dote
e pode se casar novamente depois de três meses. O
casamento no mundo muçulmano não é um sacramento.
O repúdio, então, é um recurso usado para legalizar a separação...
Certos pesquisadores dizem que, graças ao repúdio,
as mulheres podem conhecer muitos homens na sua
vida. O drama é que a mulher fica privada das suas
crianças.
E o que acontece com uma mulher adúltera?
Considera-se que ela merece a morte. Mas, nos países que modernizaram a lei muçulmana, a condenação é rara. Só que, então, a família a mata, porque a
mulher adúltera compromete a sua honra. Os crimes de honra existem mesmo quando não são reconhecidos pela lei -o líder iraquiano Saddam Hussein, por exemplo, legalizou esse crime.
O estatuto da mulher não é o mesmo em todos os Estados
muçulmanos, ou seja, nos que aceitaram modernizar a
lei e nos estados islâmicos como o Afeganistão e o Irã. Seria possível falar sobre a diferença?
Nos países que modernizaram a lei, a mulher conquistou o direito ao divórcio, porém em condições
muito especiais. A mulher deve provar que o marido
não tem mais relações sexuais com ela, que tem uma
doença sexualmente transmissível ou que não a sustenta. O marido, para repudiar a mulher, não precisa
de nada disso.
Qual é o país islâmico mais liberal?
A Tunísia é o mais liberal. A Turquia é um país laico.
As mulheres das cidades vivem satisfeitas.
Há místicas entre as muçulmanas?
Sim.
E elas são reconhecidas?
Sim e não, porque eles consideram que os místicos
todos se comparam a Deus e isso é muito malvisto.
Como é a relação entre os homens e as mulheres em casa?
Se marido e mulher escolheram um ao outro e se deram bem, pode haver afeição e mesmo amor. Isso
acontece quando o marido não é despótico, quando
a educação não o levou a isso. O Corão, aliás, diz que
o homem é uma vestimenta para a mulher e vice-versa, ou seja, que deve haver respeito entre os dois.
E as coisas podem se passar bem. Porém as únicas
mulheres nas quais os homens muçulmanos têm
confiança são as mães ou as irmãs. Todas as outras
mulheres são proibidas. Quanto às relações sexuais,
elas só existem no interior do casamento. Não existe
proibição sexual -a não ser à sodomia, que, por sinal, é bastante praticada.
Qual o papel que as mulheres muçulmanas podem desempenhar em uma reforma do islã?
Um papel importante, educando os meninos de outra maneira, ensinando-os a não serem misóginos.
Por outro lado, há um trabalho a fazer com os textos
sagrados para que o espírito do texto continue a vigorar, e a letra, não.
Betty Milan é escritora e psicanalista, autora de "O Clarão" (Cultura
Editores Associados), entre outros livros.
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