São Paulo, domingo, 06 de janeiro de 2008 |
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+ história O prazer de dizer não Poeta e ensaísta alemão faz reflexões sobre os rumos da história recente de seu país ao lado de sua própria trajetória HANS MAGNUS ENZENSBERGER
N
o final da guerra,
eu tinha 16 anos e
idéias políticas
bastante confusas.
Durante minha
adolescência sob o regime nazista, eu tivera de aprender, em
especial na escola, os códigos e
os jargões hitleristas de rigor.
Em termos econômicos, sou um vendedor de palavras. A maioria das pessoas vive de empregos que as entediam. Eu não entendo os escritores que se queixam -que privilégio poder dispor do próprio tempo e exercer um ofício sem chefe! Terroristas Em 1968, consideravam-me o "enfant terrible" da esquerda. O que é estranho, pois na época eu tinha dez anos mais que os militantes esquerdistas de todas as microorganizações. Participei daquele movimento que balançava os costumes e debatia a questão da autoridade, tão onipresente na Alemanha. Os etnólogos falavam de "pesquisa participante". Foi nesse espírito que participei do movimento. Participava e observava. Conheci a maioria dos futuros terroristas alemães. Tentaram me recrutar. Tentei argumentar em termos marxistas: "Essa análise é delirante. Não há nenhuma situação revolucionária. Estudem história". Mas eles se lançaram numa espiral desvairada, certamente involuntária no começo. Pois tudo começou com uma derrapagem. A fim de libertar um jovem condenado a dois anos de prisão que fora autorizado a freqüentar uma biblioteca, três militantes atiraram num velho bibliotecário e saíram em fuga. A partir desse momento, viraram clandestinos, foras-da-lei. Essa é uma lógica da qual não se escapa. É preciso conseguir dinheiro para sobreviver e praticar atos para se autojustificar. Começa-se teorizando a escalada revolucionária, termina-se acreditando nela. Antes mesmo de escrever "O Perdedor Radical", eu estudara o terrorismo russo do século 19 e os anarquistas franceses do começo do século. O terrorismo é uma invenção européia. A seita oriental dos assassinos é uma história completamente diferente. Comparando os atos individuais ou coletivos, encontram-se algumas tendências. Acredito que os "faits divers" relativos ao assassinato e ao suicídio fornecem uma chave, não política, mas psicológica, para esse mecanismo, para essa mistura de destruição e autodestruição. Um terrorista islâmico e um anarquista russo têm, em comum, o ressentimento, a necessidade de revanche, o complexo de inferioridade. Na ciência política, é proibido "psicologizar". Mas excluir a psicologia do terrorista significa que não se faz sequer o esforço de se meter em seu cérebro e ver como ele funciona. Os terroristas islâmicos de hoje são obcecados pelo declínio histórico do mundo árabe e por sua grandeza pregressa. Falam sempre de reconquista. Entre nós, é preciso partir de fatos bem sabidos. O complexo de Versalhes, por exemplo, forneceu aos alemães uma enorme energia destrutiva que chegou às raias do horror. Para Hitler, Versalhes foi um verdadeiro pão bento. Por aí se vê o que 20 anos de humilhação são capazes de produzir -e sem que nenhum aspecto religioso intervenha. E pensar que os terroristas islâmicos pensam numa escala de séculos! É sempre interessante traçar analogias, antes de desconstruí-las. Ser de esquerda em 2007 Ninguém sabe muito bem o que significa ser de esquerda hoje em dia. Isso porque as alternativas ao capitalismo fracassaram. Estamos reduzidos a um mundo de capitalismos no plural, pois o capitalismo sueco não é o da Índia, o do Paraguai ou o da China. É bem verdade que a esquerda e a direita têm tradições diferentes -e, infelizmente, confluências também. Durante a República de Weimar, as flutuações entre extrema esquerda e extrema direita foram maciças. Na antiga Alemanha Oriental, 40 anos de ditadura desnortearam muita gente, por muito tempo, e hoje o voto comunista pode ser tanto de reação quanto de contestação. Entre nós, muito burguês bem-de-vida se diz de esquerda, mas não se compromete com nada. As etiquetas são mais obsoletas que nunca. Livros para ilha deserta Um livro em branco, para escrever. Um dicionário. E "Jacques, o Fatalista". Sou apaixonado por Diderot. Se pudesse conversar com um personagem histórico, seria com ele, sem a menor dúvida. Um homem admirável, de uma inteligência extrema. Uma mobilidade de espírito, uma alegria e um humor admiráveis. E a capacidade de combinar as forças intelectuais na "Enciclopédia". Este texto saiu na "Nouvel Observateur". Tradução de Samuel Titan Jr. Texto Anterior: + Artes plásticas: Diego, sob a somb ra de Kahlo Próximo Texto: Brasil, o filme Índice |
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