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Minha batalha contra o filme
MICHELANGELO ANTONIONI
A
batalha entre o filme e mim se encerra com a publicação
deste roteiro. Essa
batalha durava desde 1966, quando escrevi a primeira versão da história.
Em paralelo, eu estava desenvolvendo o roteiro de
"Blow-Up". Ofereci os dois ao
produtor Carlo Ponti [1912-2007], que preferiu o segundo.
Depois de rodar "Blow-Up",
finalmente recebi o acordo de
Ponti para a realização de
"Tecnicamente Doce". Quando
tudo estava pronto para a filmagem, roteiro, locações, equipe técnica, atores, o financiamento me foi retirado. Os atores do filme seriam Jack Nicholson e Maria Schneider.
Falei um pouco acima em
"batalha". Eis por quê: esse era
um filme que eu queria fazer
acima de qualquer outro, mesmo sabendo quão árduo era o
projeto. Por que árduo? Porque
o que estava em jogo era um
mergulho no coração da selva
amazônica, onde deveríamos
ficar no mínimo dois meses.
Eu já tinha conhecido todo
tipo de selvas e de florestas virgens e percorri o mundo em
busca daquela que fosse a mais
intimidante -e a encontrei na
Amazônia. Posso dizer hoje
que existe uma relação inversamente proporcional entre o
horror de uma floresta virgem
e sua fotogenia. Quanto mais
densa a floresta, menor a sua
fotogenia.
A vegetação é tão espessa que
os verdes se fundem uns nos
outros, atenuando as nuances,
diminuindo os relevos. A sombra domina.
Numa vegetação tão compacta, o sol penetra com dificuldade, tornando necessária a
utilização de projetores. Mas
tenho dificuldade em imaginar
uma luz artificial na floresta,
por causa das sombras que ela
fatalmente provocaria, falseando a realidade.
A minha intenção era fazer
desse "fragmento de filme"
uma espécie de oposição crua
entre a luta de dois organismos
humanos e a de outros organismos, vegetais e animais. Mas
também queria falar de uma
outra luta ainda mais aterrorizante, aquela que ocorre entre
as plantas que lutam pelos poucos raios de sol. E a dos animais,
à cata de qualquer tipo de alimentação. Minha intenção, em
resumo, era tocar no tema do
canibalismo, declinado sob todas as suas formas.
Adicione-se aos problemas
de realização aqueles que a produção fatalmente traria, e pode-se compreender quanto minha perplexidade em relação
ao filme era legítima. No entanto, durante o verão de 1966, eu
tinha ultrapassado essas dificuldades. Me considerava o
vencedor de uma batalha entre
o filme e mim.
Mas tinha me esquecido do
árbitro implacável que tem entre suas mãos a possibilidade
de decidir se um filme vai existir ou não -o produtor. Quando Carlo Ponti me declarou de
forma imprevista e inexplicável que não iria mais financiar o
filme, o mundo que eu tinha logrado construir com tanta dificuldade no meu espírito, ao
mesmo tempo fantástico e realista, ruiu de uma só vez. Os escombros ainda subsistem, em
algum lugar no fundo de mim.
Este texto foi publicado em "Techniquement
Douce" (ed. Einaudi, Itália, 1976).
Tradução de Walter Salles .
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