São Paulo, Domingo, 06 de Junho de 1999
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NOVOS BRASILIANISTAS
Andrew Chesnut pesquisa o declínio do catolicismo e a ascensão dos pentecostais
Competição espiritual no mercado livre da fé

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus faz oração antes de distribuição de alimentos no Ceará


ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha, em Austin (EUA)

Andrew Chesnut tem 34 anos e é professor do departamento de história da Universidade de Houston. Filho de pastor presbiteriano, nascido e criado nos Estados Unidos, ele estuda o declínio do monopólio da Igreja Católica e o crescimento do pentecostalismo no Brasil. Seu trabalho identifica a "guerra santa" que se instaura nos anos 80 com o surgimento de um mercado religioso livre e com a opção dos pobres por uma alternativa ao modelo de modernização elitista e excludente que contou durante séculos com o apoio da Igreja Católica.
Sua tese de doutoramento, "Born Again in Brazil: The Pentecostal Boom and the Pathogens of Poverty" (Renascido no Brasil: O Boom Pentecostal e a Patogênese da Pobreza), foi defendida na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e publicada pela Rutgers University Press. Seu orientador foi Bradford Burns, já morto, autor do livro de história do Brasil mais usado nos Estados Unidos.
O historiador prepara o lançamento, para 2.000, de "Competitive Spirits: Latin America's New Religious Market Place" (Espíritos Competitivos - O Novo Mercado Religioso da América Latina).
Chesnut falou à Folha, por telefone, de sua residência em Houston (Estado do Texas, EUA).

Folha - O sr. acha possível falar em- uma nova geração de brasilianistas?
Andrew Chesnut -
Sim. Os estudos anglo-americanos atuais sobre o Brasil não focalizam as grandes estruturas políticas, sociais ou econômicas. Hoje há muitos estudos de natureza etnográfica que tratam de temas ignorados anteriormente, como raça ou religião.
Folha - Nos estudos atuais de religião qual a marca dos trabalhos?
Chesnut -
Os estudos anteriores tratavam principalmente da Igreja Católica enquanto instituição. Os estudos contemporâneos tratam das crenças e práticas religiosas do povo com um enfoque mais individual e pessoal.
Folha - Como o seu trabalho se insere nesse contexto?
Chesnut -
Ele se insere perfeitamente. Comecei meu trabalho no início da década de 90. O crescimento do pentecostalismo já havia sido identificado, mas ninguém havia explicado por que as massas estavam se convertendo. Para explicar o porquê, recorri ao trabalho de campo de tipo etnográfico. Entrevistei pessoas pobres. E escolhi Belém do Pará porque os poucos estudos existentes focalizam o Rio de Janeiro ou São Paulo, e eu queria mostrar algo diferente. Belém me pareceu uma boa escolha, porque a cidade foi o berço da primeira igreja pentecostal no Brasil, a Assembléia de Deus, fundada no início do século.
Folha - O sr. trabalha com a noção de "livre mercado religioso". Poderia explicar o que quer dizer com isso?
Chesnut -
Hoje há um livre mercado religioso no Brasil. O consumidor pode escolher a religião que satisfaça as suas necessidades. O Brasil está quase igual aos Estados Unidos, onde o livre mercado sempre existiu. Hoje há mais pentecostais do que católicos que frequentam templos religiosos.
Folha - Os estudos antropológicos clássicos do sincretismo religioso, da umbanda e do candomblé, reforçaram a caracterização do Brasil como país espiritualmente exótico. O crescimento do pentecostalismo, derivado do protestantismo, modifica essa posição?
Chesnut -
Há uma efervescência pentecostal no mundo inteiro, especificamente nos países do Terceiro Mundo, da América Latina e África, e também na Coréia. O pentecostalismo nasceu nos Estados Unidos, mas seu dinamismo está na América Latina e na África. O Brasil hoje influencia outros países da América Latina.
Folha - Fala-se muito no crescimento do pentecostalismo como alternativa à Igreja Católica. E as religiões afro, como ficam?
Chesnut -
A umbanda e o candomblé crescem, mas não como os pentecostais. Hoje em dia o candomblé cresce mais do que a umbanda porque cada vez mais brasileiros preferem o foco nas raízes afro à mistura propiciada pela umbanda.
Folha - O que as igrejas em expansão têm em comum?
Chesnut -
Necessitamos ainda de muita pesquisa para compreender a religiosidade popular. Por exemplo, há poucos estudos sobre a Renovação Carismática. O padre Marcelo Rossi, de São Paulo, vendeu mais discos no país inteiro do que qualquer outro cantor. Os pesquisadores continuam a escrever sobre as Comunidades Eclesiais de Base porque simpatizam com elas. Mas as CEBs estão mortas.
Folha - Em que medida o crescimento das igrejas pentecostais questiona a tese weberiana que associa os protestantes com a modernidade, com o capitalismo?
Chesnut -
Essa pergunta é complexa. O pentecostalismo reúne elementos pré e pós-modernos. Há uma prática que poderia ser pensada como sincrética e pós-moderna. Os pastores invocam os espíritos dos demônios para depois expulsá-los, demonstrando assim o seu poder superior ao das religiões afro. Mas a ideologia do pentecostalismo, com seu código rígido de conduta, está de acordo com os princípios identificados por Weber no protestantismo. Já a Igreja Universal do Reino de Deus relaxou as exigências de conduta. Nesse sentido, os neopentecostais poderiam ser considerados pós-modernos.
Folha - A Igreja Universal do Reino de Deus é a que mais cresce?
Chesnut -
Sim. Mas não sei se a longo prazo sua estratégia de abrir mão da exigência das regras de conduta continuará funcionando.
Folha - Por que os pentecostais crescem?
Chesnut -
Os pentecostais oferecem apoio espiritual para muitas pessoas deixadas de lado pelo processo elitista de modernização na América Latina. A Igreja Católica sempre focalizou a elite que tinha recursos. A formulação da "opção preferencial pelos pobres" feita pela Teologia da Libertação é muito irônica. A igreja pentecostal nunca teve que fazer opção pelos pobres porque é uma igreja dos pobres. Os bispos e pastores em geral são pobres, cursaram até o terceiro ano primário e viviam de vender pipoca na rua. É claro que há exceções. Há bispos mais preparados e há corrupção, mas a maioria é de origem humilde.
Folha - Quais são seus planos de pesquisa e publicação?
Chesnut -
Estou trabalhando no meu segundo livro. Trata-se de uma comparação do crescimento do pluralismo religioso em três países da América Latina, Brasil, México e Guatemala. Pretendo explicar como a Igreja Católica manteve seu monopólio religioso durante quatro séculos e por que esse monopólio entra finalmente em declínio nos últimos anos. O título é "Competitive Spirits: Latin America's New Religious Market Place". Organizei também uma coletânea de ensaios sobre a Renovação Carismática. Esse volume inclui vários ensaios de pesquisadores brasileiros.


Esther Hamburger é antropóloga, doutora pela Universidade de Chicago (EUA).



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