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Estudos enfocam igrejas populares
especial para a Folha, em Austin
A crise da Igreja Católica e o
crescimento de igrejas pentecostais no maior país católico do planeta inspiram a investigação de
uma geração de brasilianistas dedicados ao estudo da religião.
São historiadores, sociólogos e
antropólogos que falam português, moraram algum tempo no
Brasil, conhecem profundamente
ao menos uma comunidade de
fiéis e dominam a literatura produzida no Brasil sobre o assunto.
O estudioso canadense André
Corten estima que 100 milhões de
pessoas no Terceiro Mundo se
converteram recentemente ao
pentecostalismo. Ele é autor de
"Os Pobres e o Espírito Santo: O
Pentecostalismo no Brasil", publicado originalmente em francês
em 1990, traduzido para o português em 1995 e com lançamento
de versão atualizada, em inglês,
marcado para junho.
O historiador Andrew Chesnut
(leia entrevista nesta página) afirma que só no Brasil existem 25 milhões de pentecostalistas.
O sociólogo Manuel Vásquez,
37, nascido em El Salvador, professor da Universidade da Flórida,
analisa o fracasso do projeto da
Teologia da Libertação, tal como
realizado pelas Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs). Ele é autor de "The Brazilian Popular
Church and the Crisis of Modernity" (A Igreja Popular Brasileira
e a Crise da Modernidade), publicado em 1998 pela Cambridge
University Press.
Embora desconfie da ênfase na
suposta explosão do pentecostalismo, Vásquez constata que as
igrejas pentecostais são genuinamente populares, enquanto as
CEBs foram fruto de iniciativa institucional e hierárquica.
Associando a Teologia da Libertação ao socialismo, Vásquez insere a crise da Igreja Católica no
contexto de uma crise global de
uma vertente do pensamento modernista. A crise se manifesta na
desconfiança da idéia de progresso, no descrédito de projetos de
longo prazo, na ênfase na preservação do meio ambiente, na preocupação com microproblemáticas
e na atenção aos processos de
constituição do sujeito. Diante de
tais transformações, Vásquez reconhece a pobreza do arsenal conceitual das ciências humanas.
Para Chesnut, a nova geração de
brasilianistas especialistas em religião se definiria por um interesse
pela religiosidade popular em
oposição aos estudos institucionais anteriores. E o foco nas manifestações populares exige uma
metodologia de inspiração etnográfica, outra marca dos estudos
de caso produzidos por esses jovens pesquisadores.
A preocupação em entender o
significado da religião no contexto
da vida cotidiana aproxima o trabalho do sociólogo e do historiador da pesquisa antropológica.
Vásquez conviveu durante meses
com os moradores de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Chesnut pesquisou pentecostais em
Belém do Pará, onde residiu.
Outros estudiosos da religiosidade popular no Brasil, como David Lehmann -autor de "Struggle for the Spirit: Religious Transformation and Popular Culture in
Brazil and Latin America" (Batalha pelo Espírito: Transformação
Religiosa e Cultura Popular no
Brasil e na América Latina)-,
John Burdick (leia texto na pág.
5-7), Lindsay Hale e Eric Kramer
também recorreram à "observação participante" para realizar
seus trabalhos.
Lindsay Hale, formado pela Universidade do Texas em Austin, onde ocupa a posição de assistente
acadêmico do departamento de
antropologia, aponta para a força
da presença da cultura nos estudos contemporâneos sobre o Brasil. "Antes, os estudos sobre o
Brasil procuravam entender a relação entre poder e crise econômica em um país que vivia sob uma
longa ditadura. Eu não diria que
hoje em dia há um abandono da
economia política, mas há sim
uma integração da cultura", diz.
Em seu trabalho, Hale procura
entender como essas diversas dimensões se relacionam. Comparando terreiros de umbanda no
Rio, pesquisou como se dão as relações raciais, de gênero e de classe por meio dos "espíritos", em
uma religião que define como de
"transe-possessão".
Alguns dos novos brasilianistas
fazem enfoques comparativos. Em
seu trabalho atual, Vásquez analisa a religião em países latino-americanos a partir das reconfigurações da idéia de nacional e global,
um pouco como seu orientador, o
sociólogo Howard Winant, estudioso das relações raciais no Brasil, na África do Sul e nos EUA.
Segundo Vásquez, "por causa
de sua complexidade étnica, racial, social e religiosa, o Brasil oferece um excelente posto para a observação dos múltiplos níveis em
que se dá a interação do local, nacional e global". Para o professor,
que acaba de editar um volume especial do "Journal for Interamerican Studies and World Affairs"
sobre o papel da religião nas Américas na consolidação da sociedade civil, "a nova geração de brasilianistas se define por uma consciência da natureza múltipla das
determinações e das ligações".
Eric Kramer, 31, antropólogo
em fase de conclusão de sua tese
de doutoramento na Universidade
de Chicago, procura entender como religião e economia interagem
no plano simbólico nos rituais da
Igreja Universal do Reino de Deus.
Seu trabalho problematiza o significado do dinheiro nessa igreja,
em que "o valor e as qualidades
da fé enquanto uma espécie de poder sobrenatural se realizam de
maneira material e tangível nos
processos rituais". Para ele, "a
Igreja Universal reúne uma configuração interessante de atividades
simbólicas que atravessam domínios religiosos e seculares da sociedade brasileira".
(EH)
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