São Paulo, Domingo, 06 de Junho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Estudos enfocam igrejas populares

especial para a Folha, em Austin

A crise da Igreja Católica e o crescimento de igrejas pentecostais no maior país católico do planeta inspiram a investigação de uma geração de brasilianistas dedicados ao estudo da religião.
São historiadores, sociólogos e antropólogos que falam português, moraram algum tempo no Brasil, conhecem profundamente ao menos uma comunidade de fiéis e dominam a literatura produzida no Brasil sobre o assunto.
O estudioso canadense André Corten estima que 100 milhões de pessoas no Terceiro Mundo se converteram recentemente ao pentecostalismo. Ele é autor de "Os Pobres e o Espírito Santo: O Pentecostalismo no Brasil", publicado originalmente em francês em 1990, traduzido para o português em 1995 e com lançamento de versão atualizada, em inglês, marcado para junho.
O historiador Andrew Chesnut (leia entrevista nesta página) afirma que só no Brasil existem 25 milhões de pentecostalistas.
O sociólogo Manuel Vásquez, 37, nascido em El Salvador, professor da Universidade da Flórida, analisa o fracasso do projeto da Teologia da Libertação, tal como realizado pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Ele é autor de "The Brazilian Popular Church and the Crisis of Modernity" (A Igreja Popular Brasileira e a Crise da Modernidade), publicado em 1998 pela Cambridge University Press.
Embora desconfie da ênfase na suposta explosão do pentecostalismo, Vásquez constata que as igrejas pentecostais são genuinamente populares, enquanto as CEBs foram fruto de iniciativa institucional e hierárquica.
Associando a Teologia da Libertação ao socialismo, Vásquez insere a crise da Igreja Católica no contexto de uma crise global de uma vertente do pensamento modernista. A crise se manifesta na desconfiança da idéia de progresso, no descrédito de projetos de longo prazo, na ênfase na preservação do meio ambiente, na preocupação com microproblemáticas e na atenção aos processos de constituição do sujeito. Diante de tais transformações, Vásquez reconhece a pobreza do arsenal conceitual das ciências humanas.
Para Chesnut, a nova geração de brasilianistas especialistas em religião se definiria por um interesse pela religiosidade popular em oposição aos estudos institucionais anteriores. E o foco nas manifestações populares exige uma metodologia de inspiração etnográfica, outra marca dos estudos de caso produzidos por esses jovens pesquisadores.
A preocupação em entender o significado da religião no contexto da vida cotidiana aproxima o trabalho do sociólogo e do historiador da pesquisa antropológica. Vásquez conviveu durante meses com os moradores de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Chesnut pesquisou pentecostais em Belém do Pará, onde residiu.
Outros estudiosos da religiosidade popular no Brasil, como David Lehmann -autor de "Struggle for the Spirit: Religious Transformation and Popular Culture in Brazil and Latin America" (Batalha pelo Espírito: Transformação Religiosa e Cultura Popular no Brasil e na América Latina)-, John Burdick (leia texto na pág. 5-7), Lindsay Hale e Eric Kramer também recorreram à "observação participante" para realizar seus trabalhos.
Lindsay Hale, formado pela Universidade do Texas em Austin, onde ocupa a posição de assistente acadêmico do departamento de antropologia, aponta para a força da presença da cultura nos estudos contemporâneos sobre o Brasil. "Antes, os estudos sobre o Brasil procuravam entender a relação entre poder e crise econômica em um país que vivia sob uma longa ditadura. Eu não diria que hoje em dia há um abandono da economia política, mas há sim uma integração da cultura", diz.
Em seu trabalho, Hale procura entender como essas diversas dimensões se relacionam. Comparando terreiros de umbanda no Rio, pesquisou como se dão as relações raciais, de gênero e de classe por meio dos "espíritos", em uma religião que define como de "transe-possessão".
Alguns dos novos brasilianistas fazem enfoques comparativos. Em seu trabalho atual, Vásquez analisa a religião em países latino-americanos a partir das reconfigurações da idéia de nacional e global, um pouco como seu orientador, o sociólogo Howard Winant, estudioso das relações raciais no Brasil, na África do Sul e nos EUA.
Segundo Vásquez, "por causa de sua complexidade étnica, racial, social e religiosa, o Brasil oferece um excelente posto para a observação dos múltiplos níveis em que se dá a interação do local, nacional e global". Para o professor, que acaba de editar um volume especial do "Journal for Interamerican Studies and World Affairs" sobre o papel da religião nas Américas na consolidação da sociedade civil, "a nova geração de brasilianistas se define por uma consciência da natureza múltipla das determinações e das ligações".
Eric Kramer, 31, antropólogo em fase de conclusão de sua tese de doutoramento na Universidade de Chicago, procura entender como religião e economia interagem no plano simbólico nos rituais da Igreja Universal do Reino de Deus.
Seu trabalho problematiza o significado do dinheiro nessa igreja, em que "o valor e as qualidades da fé enquanto uma espécie de poder sobrenatural se realizam de maneira material e tangível nos processos rituais". Para ele, "a Igreja Universal reúne uma configuração interessante de atividades simbólicas que atravessam domínios religiosos e seculares da sociedade brasileira". (EH)




Texto Anterior: Esther Hamburger: Competição espiritual no mercado livre da fé
Próximo Texto: Negócios com a "raça brasileira"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.