São Paulo, Domingo, 06 de Junho de 1999
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O QUE É BRASILIANISMO

Brasilianista é o termo usado para definir os acadêmicos norte-americanos que estudam o Brasil.
Historicamente, a expressão está ligada aos estudos feitos sobre o país relacionados com as necessidades estratégicas dos EUA durante a Guerra Fria. Nos anos 50, milhões de dólares foram destinados para pesquisar países como União Soviética e China -uma tendência que ficou conhecida como ""estudos de área".
Na década de 60, as atenções se voltaram também para a América Latina. O governo norte-americano, preocupado com a expansão da Revolução Cubana (1959) para outros países, inundou os programas de pós-graduação com financiamentos para estudar os vizinhos.
Batizados de ""os filhos de Castro", os brasilianistas dessa geração vieram, na maioria, com a preocupação de entender a política brasileira durante o período republicano, embora muitos tenham estudado também o período colonial, a literatura, a religião e outros temas.
Fazem parte desse grupo nomes como Robert Levine, Ralph Della Cava, Warren Dean, Riordan Roett, Stuart Schwartz, Kenneth Maxwell e Thomas Skidmore.
A repentina invasão causou suspeitas, sobretudo após 64, quando os pesquisadores e acadêmicos brasileiros, perseguidos pelo regime militar e impedidos de trabalhar, assistiam a seus colegas do Norte acessando arquivos do governo e escrevendo sobre política. O historiador Robert Levine, por exemplo, pesquisou nos arquivos do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) do Rio de Janeiro entre maio e agosto de 64, poucos meses após a tomada do poder pelos militares -algo impensável para um acadêmico brasileiro.
O contato entre pesquisadores brasileiros e norte-americanos, obviamente, era restrito e desconfiado. ""Havia uma preocupação ideológica no Brasil, especialmente da esquerda, e uma preocupação nos EUA sobre a necessidade de promover democracia, da Aliança para o Progresso. Mas isso mudou. Agora, há uma comunidade internacional de pesquisadores", diz Skidmore.
A Aliança para o Progresso foi o programa lançado em 61 pelo presidente John Kennedy para a América Latina com o objetivo de melhorar as relações com os governos da região e, dessa forma, afastar o ""perigo" do comunismo.
Segundo Levine, o fato de o brasilianismo ter sido impulsionado pela política anticomunista americana não significa que os pesquisadores tivessem a mesma orientação. ""Vários dos alunos que entraram no doutorado eram produtos da década de 60: antiguerra, antiimperialismo. Havia uma divisão entre os alunos da direita e os outros, não radicais exatamente, mas pessoas conscientes. Nós entramos no campo da América Latina por causa de nossa consciência."
O primeiro livro de Levine, ""O Regime de Vargas: Os Anos Críticos (1934-1938)", feito a partir da pesquisa realizada em 64 e publicado nos EUA em 70, acabou censurado pelo regime militar durante grande parte da década de 70. A versão em português teve de esperar dez anos.
A numerosa invasão dos anos 60 ofuscou em parte a geração anterior, que começou a estudar o Brasil ainda nos anos 30 e 40, como Charles Wagley, Ruth Landes, Richard Morse e o historiador Stanley Stein, cujo livro ""Vassouras", um estudo sobre o ciclo do café no Vale do Paraíba, lançado em 57, é apontado como o maior clássico dos brasilianistas.
""Na década de 30, o governo americano financiou direta e indiretamente a ida de acadêmicos para o Brasil, por causa da Política da Boa Vizinhança. Foi mais ou menos o que aconteceu depois de 59", diz Stein, hoje com 79 anos. Professor aposentado da Universidade de Princeton, Stein orientou uma vasta lista de brasilianistas: Maxwell, Dean, Levine, George Andrews e Joseph Love, entre outros.
A partir de meados dos anos 70, as verbas escassearam, e o brasilianismo começou a sentir o impacto das mudanças na academia norte-americana, principalmente a busca por novos temas e o enfoque comparativo. Para Skidmore, o livro de Carl Degler, ""Nem Preto Nem Branco: Escravidão e Relações Raciais no Brasil e nos Estados Unidos", publicado nos EUA em 71, abriu o caminho no brasilianismo para os estudos comparados.
As novas mudanças foram em parte uma maneira de resolver o dilema desse grupo que o historiador José Carlos Meihy batizou de ""especialistas" e serviu de transição para os brasilianistas dos anos 90. Segundo Meihy, que atualmente prepara seu terceiro livro sobre o brasilianismo, o que se vê agora são ""hiperespecialistas": acadêmicos cada vez mais versados em dois ou mais temas, em que o Brasil acaba servindo de exemplo de racismo, relações de gênero, sistema partidário etc. Sobre o futuro do brasilianismo? ""É sempre como o Brasil: uma montanha russa", diz Levine. (FM)




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