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PONTO DE FUGA
O médico e as tintas
JORGE COLI
em Nova York
Um homeopata, que morava
em Auvers-sur-Oise, aldeia ao
norte de Paris, entrou para a
história graças à sua prodigiosa
intuição artística. Seu sentido
das descobertas foi tão precoce
que já em 1874 podia emprestar
dois quadros de sua coleção
para a primeira mostra dos impressionistas: um estupendo
Guillaumin e o essencial
"Uma Moderna Olímpia", de
Cézanne. É preciso bem perceber as datas. Quando o dr. Gachet recebe Cézanne em sua casa, em 1873, o pintor ainda era
incipiente e certamente o menos considerado de toda a vanguarda. Quando Van Gogh, no
final de sua vida, busca refúgio
em Auvers, é ignorado. Mas o
médico torna-se seu amigo e o
assistirá no seu leito de morte.
O dr. Gachet reúne uma fabulosa coleção, guardada mais
tarde a sete chaves por seu filho, homem recluso e rabugento, que viria provocar a ira dos
marchands e da comunidade
acadêmica. Boatos acabaram
sendo inventados, atingindo a
própria imagem do dr. Gachet.
Foi acusado de falsificações, de
roubo, e Artaud, com seu ódio
pela medicina, culpou-o pelo
suicídio de Van Gogh. Gachet
filho terminou doando, por
volta de 1950, os quadros mais
importantes para os museus
franceses. Outros ele vendera.
Uma exposição, apresentada
em Paris, Amsterdã e agora em
Nova York, reúne o que foi
possível desse conjunto. Ela
põe o ponto nos is. O resultado
é inteligente, estimulante e revelador.
OLHO - O dr. Gachet não tinha fortuna. Podia comprar
apenas obras baratas. Em 1904,
uma das versões de seu retrato
pintado por Van Gogh chegou
a US$ 400. Em 1990, o mesmo
quadro foi vendido por US$
82,5 milhões. Soma inacreditável, atestando os acertos desse
médico que colecionava por
amor, que nunca especulou
nem enriqueceu. Ele, seu filho
e uma amiga, Blanche Derousse, possuíam um certo talento
e copiavam afetuosamente os
quadros. Na atual mostra, a
parede com "Uma Nova
Olímpia", rodeada por suas
cópias, excita sem cessar a
comparação, indicando aquilo
que cada um deles percebia na
obra. O próprio Cézanne fez
uma gravura, em Auvers, a
partir de uma paisagem de
Guillaumin, buscando estruturas ali onde a atmosfera dissolve os volumes. A série dos
Guillaumin, por sinal, é deslumbrante, assinalando-o como imenso artista. O hipnótico
auto-retrato com fundo azul, a
igreja de Auvers, por Van
Gogh, estão entre as melhores
pinturas de todos os tempos.
Muito mais do que os dólares
do mercado das artes, a beleza
das obras demonstra o olhar
certeiro do dr. Gachet, numa
exposição que lhe faz, enfim,
justiça.
BOCEJO - Os "cultured americans" pouco mudaram desde que
Henry James os retratou em seus
romances. Entre o tédio e a ingenuidade, eles vagueiam num
mundo nebuloso, em que não
conseguem distinguir bem as coisas. "Cruel Intentions", de Roger
Kumble, situa "As Ligações Perigosas", de Laclos, num meio nova-iorquino de milionários e de
implausível libertinagem que se
quer requintada. Um "cultured
american movie" sem o kitsch
enérgico que salva.
EPÍGONO - Com uma certa
vivacidade e um diálogo muito
engraçado, "Go", de Dough
Liman, é um filme articulando
histórias de alguns adolescentes que trabalham num supermercado. Eles se metem em
enrascadas, vendendo falso
ecstasy, envolvendo-se com
gângsteres em Las Vegas. Algumas situações escabrosas são
irresistíveis. A narração cruza
várias vezes consigo mesma,
nos mesmos pontos, reapresentando as mesmas cenas a
partir de perspectivas diferentes, às quais novos significados
vão se acrescentando. Lembra
um pouco "Mistery Train",
menos a poesia. Lembra bastante Tarantino, menos a invenção e a crueldade.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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