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Tudo sobre o primeiro retratista da capivara
Catálogo raisonné de Frans Post reproduz os 155 quadros até agora conhecidos
do artista
EVALDO CABRAL DE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
F
rans Post ganhou por
fim o presente que o
Brasil ainda não lhe
dera. Refiro-me ao livro de Pedro e Bia
Corrêa do Lago intitulado
"Frans Post (1612-1680) - Obra
Completa", publicado pela Capivara Editora. Ele foi, aliás, o
primeiro artista a representar
o animal, o que é compreensível em quem se tornou, muito
antes de Telles Júnior, o pintor
da várzea do Capibaribe (que
significa rio das capivaras),
aquela "planície clara, feita de
luz aberta e de amplidão cingida, /onde o grande céu se encurva sobre verdes e verdes, sobre lentos telhados", do verso
de Joaquim Cardozo, que parece tê-lo escrito sob a inspiração
de uma tela de Post. Em mais
de 400 páginas, os autores
apresentam o catálogo raisonné dos 155 quadros (reproduzidos em cor) até agora conhecidos do artista, inclusive os que
foram descobertos nos últimos
30 anos (nada menos de 20),
dos seus desenhos e gravuras.
Completam o volume um estudo da trajetória pictórica de
Post e a identificação das peças
que compuseram a doação feita
pelo conde de Nassau a Luís 14
pouco antes de morrer, em
1679. Há que mencionar também as páginas de Frederick
Duparc sobre o lugar de Post
na pintura holandesa do século
17 e o ensaio de George Gordon
sobre seu estilo e sua técnica.
Por fim, o leitor dispõe dos resultados do trabalho da comissão de peritos que recentemente procurou determinar a autenticidade de quadros falsamente atribuídos a Post.
O estudo dos Corrêa do Lago,
a que não falta o faro detetivesco indispensável aos historiadores da arte, permite descartar de uma vez por todas as
querelas de especialista relativas ao que é documental e ao
que é decorativo na fase brasileira de Post. Como indicam os
autores, suas telas visavam então juntar "o útil ao agradável":
de um lado, o registro visual, ou
seja, a representação das províncias que compunham o Brasil holandês; de outro, a função
decorativa a que Nassau as destinou no paço do Friburgo, que
construiu no Recife. (Como se
sabe, o conde dividiu entre
Post e Eckhout a tarefa de exibir, a olhos europeus do Seiscentos, o inusitado das conquistas sul-americanas da
Companhia das Índias Ocidentais: a Post, as paisagens; a Eckhout, a flora, a fauna e os tipos
humanos.)
Destes anos de Nordeste, sobrevivem 11 telas e 57 desenhos, além das 27 gravuras feitas para a história do governo
nassoviano escrita por Gaspar
Barlaeus e publicada em 1647.
Os autores definem a relação
entre elas de maneira a afastar
os mal-entendidos predominantes: enquanto o desenho,
servindo de base, caracteriza-se pela precisão, as gravuras
mas sobretudo as telas, guardando seu valor documental,
são criações mais livres.
Quatro fases
Particularmente valioso é o
capítulo consagrado às quatro
fases da pintura de Post entre
sua chegada ao Brasil em 1637
(não se conhece obra sua anterior a ela) e sua morte em 1680,
fases que os autores procuram
compreender a partir inclusive
das sucessivas demandas do
mercado neerlandês de arte: a
primeira fase (1637-1644), que
corresponde à sua presença no
Brasil como pintor estipendiado por Nassau; a segunda
(1645-1660), em que, a partir
dos seus cadernos de esboços
trazidos do Recife, ele atende a
uma modesta demanda de
compatriotas que haviam vivido no Nordeste; a terceira
(1661-1669), na qual sua especialização em paisagens brasileiras lhe assegura a preferência de um círculo de clientes interessados em temas exóticos;
e por fim, a quarta fase (1670-80), que, devido à enfermidade
e ao alcoolismo, está marcada
pelo declínio das suas faculdades artísticas. Após seu regresso à Holanda, Post já não se
acha preso às exigências do antigo patrão, adquirindo assim
grande liberdade de composição, como se pode constatar
nos quadros dedicados às ruínas da Sé de Olinda ou da Igreja
dos Jesuítas, os quais dificilmente se compaginam com a
topografia do alto da Sé, devido
inclusive à ausência do mar,
que, como sabe qualquer turista, oferece a visão incontornável que se descortina dali.
O estudo dos Corrêa do Lago
culmina, aliás, em uma tradição
nacional. Não foram holandeses, mas brasileiros cultos os
que, como Oliveira Lima,
Eduardo Prado, Pedro Souto
Maior e mais recentemente
Joaquim de Sousa Leão Filho,
redescobriram Post, embora
aos estudiosos estrangeiros
que seguiram seus passos tenha cabido a tarefa de reintegrar sua pintura ao lugar que
lhe pertencia na grande arte da
Idade de Ouro neerlandesa. De
Sousa Leão, reconhece Frederick Duparc, diretor da Mauritshuis, em Haia, que "devemos muito mais a esse antigo
embaixador brasileiro do que a
qualquer outra pessoa, pela
reavaliação do pintor nos Países Baixos".
Por outro lado e como assinalam os Corrêa do Lago, sem
Post "a paisagem das Américas
estaria reduzida até o século 19
a um punhado de gravuras". E
aduzem: "não há registro de um
grupo de artistas que tenha deixado a Europa para pintar um
país distante, até quase 200
anos mais tarde, no século 19,
como, por exemplo, a missão
francesa novamente no Brasil".
EVALDO CABRAL DE MELLO é historiador, autor de, entre outros, "Nassau - Governador do
Brasil Holandês" (Companhia das Letras) e "O
Negócio do Brasil" (ed. Topbooks).
FRANS POST (1612-1680) - OBRA COMPLETA
Autores: Pedro e Bia Corrêa do Lago
Editora: Capivara (tel. 0/xx/21/ 2512-2612)
Quanto: R$ 190 (444 págs.)
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