São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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Maldição do2º mandato?

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não fui reeleito para ouvir a velha e conformista ladainha segundo a qual tudo é muito difícil, quase impossível, e só pode ser conquistado numa lentidão secular. Luiz Inácio Lula da Silva, discurso de posse, 1º de janeiro

O importante é que, na ansiedade de aumentar a produção, o país não cometa erros, como permitir a volta da inflação. Henrique Meirelles, entrevista à Folha, 3 de janeiro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguirá escapar da maldição do segundo mandato? Foram várias as vítimas dessa urucubaca: Fernando Henrique Cardoso, Carlos Menem, Alberto Fujimori, George W. Bush.
Lula tem tido sorte até agora. Não se trata de negar os méritos do seu governo, que lutou com sucesso para restabelecer a estabilidade econômica. Mas também não se pode negar que as condições internacionais, tanto comerciais como financeiras, ajudaram bastante nos últimos quatro anos. Em parte por isso, a herança econômica de Lula 1º para Lula 2º é muito melhor do que foi a de FHC 1º para FHC 2º, por exemplo. Ou do que a de FHC 2º para o próprio Lula.
A inflação, que ameaçava fugir do controle em 2002, não é mais um problema grave. A vulnerabilidade externa do país é muito menor do que há quatro anos. As finanças públicas estão razoavelmente controladas. No campo econômico, a grande frustração é o baixo crescimento do PIB. Se não conseguir colocar a economia em movimento, o governo Lula afundará na mediocridade e sucumbirá à maldição antes referida. O presidente dá todos os sinais de que sabe disso, como ficou claro no seu discurso de posse. Durante o primeiro mandato, Lula comprou o pacote ortodoxo na área macroeconômica. O peixe que lhe venderam foi o seguinte.
Ao governo caberia concentrar esforços no combate à inflação, no ajustamento das contas fiscais, nas reformas "salvadoras" (da previdência social, do sistema tributário, da lei de falências, entre outras). O crescimento da economia viria então naturalmente, como decorrência da confiança despertada nos agentes econômicos pela execução do programa ortodoxo.

Porta-vozes da ortodoxia
Ninguém pode dizer que o governo não tenha se esforçado para seguir o roteiro. Cumpriu à risca metas ambiciosas de inflação, praticando os juros reais básicos mais altos do planeta. Aumentou os superávits fiscais primários, chegando a superar as metas negociadas com o FMI [Fundo Monetário Internacional]. Levou adiante reformas politicamente custosas, como a da previdência do setor público. Mas o crescimento econômico prometido não aconteceu.
Os numerosos porta-vozes da ortodoxia continuam batendo na mesma tecla. Clamam por mais ajustamento das contas públicas, em especial por cortes de gastos correntes não-financeiros. Querem que o governo se engaje em novas rodadas de reformas espinhosas, que pressupõem pesadas negociações no Congresso. Tudo indica, entretanto, que o presidente Lula já não dá mais tanta atenção a essas sugestões. Ele parece ter compreendido que não haverá retomada do desenvolvimento sem uma ação deliberada e sistemática do Estado no sentido de promover a expansão da economia.


Lula tem tido sorte até agora: não se trata de negar seus méritos, mas condições internacionais ajudaram bastante nos últimos quatro anos


O Estado dispõe de duas grandes alavancas: a fiscal (política tributária, investimentos públicos, gastos correntes) e a monetária (juros básicos, câmbio, oferta de crédito). O presidente da República está aparentemente disposto a acionar a primeira, diminuindo a carga tributária e aumentando os investimentos em infra-estrutura de transporte e energia. Hesita, entretanto, em se valer da segunda, que está em grande medida nas mãos do Banco Central -um Banco Central que talvez nunca tenha sido tão independente do governo.
Viabilidade financeira
A alavanca fiscal deve ser usada, mas é mais lenta, depende mais do Congresso e, se for acionada de maneira muito intensa, pode ser contraproducente. Uma diminuição da carga tributária combinada com ampliação dos investimentos públicos, não compensadas por cortes de gastos correntes, resultaria em aumento do déficit e da dívida do setor público.
Dependendo da sua magnitude, esse aumento poderia minar a confiança na viabilidade financeira do governo. A alavanca monetária oferece perspectivas melhores. As taxas de juro, tanto a básica como as que são cobradas pelo sistema financeiro, continuam altíssimas e podem ser substancialmente diminuídas sem grande risco de inflação, uma vez que há muito potencial produtivo não aproveitado na economia. No mercado de trabalho, as taxas de desemprego ainda são elevadas. De uma maneira geral, as empresas apresentam margens expressivas de capacidade ociosa.
Uma redução mais acentuada das taxas de juro e a ampliação da oferta de crédito aumentariam a margem de manobra da própria política fiscal. Diretamente, porque juros menores aliviariam o custo da dívida interna. Indiretamente, porque a aceleração do crescimento econômico induzida pela queda dos juros ampliaria a base de incidência dos tributos e reduziria certos gastos (seguro-desemprego, por exemplo).
A diminuição do diferencial entre os juros brasileiros e os externos desestimularia a entrada e estimularia a saída de capitais voláteis ou de curto prazo. A aceleração do crescimento econômico ampliaria a demanda por importações e, portanto, por moeda estrangeira. Haveria, provavelmente, uma tendência à depreciação cambial.
A combinação de um menor diferencial de juros com depreciação cambial diminuiria o custo de carregamento das reservas internacionais, facilitando as intervenções do Banco Central e do Tesouro com vistas à manutenção de uma taxa de câmbio competitiva ao longo do tempo. Nas circunstâncias atuais, não é difícil acelerar o crescimento. Falta, entretanto, combinar com o Banco Central.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas. É autor do livro "O Brasil e a Economia Internacional" (Campus/Elsevier).


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