|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A visão dos militares
Para o general Oswaldo Pereira Gomes,
membro do Exército na Comissão dos
Desaparecidos Políticos, a igreja "exagerou"
|
da Redação
O general da reserva Oswaldo
Pereira Gomes, membro do Exército na Comissão dos Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, afirmou à Folha que a igreja
"exagerou" durante o regime militar (1964-85).
Segundo ele, muitos casos de pedido de indenização examinados
na comissão têm apenas "um lado
da história", o dos membros da
luta armada no período. A comissão foi criada para discutir possíveis abusos de direitos humanos
no Brasil. Ela estuda casos de pessoas mortas durante tortura.
Por telefone, Gomes falou à Folha de seu escritório, em Juiz de
Fora (MG).
Folha - Como era o relacionamento entre a igreja e o Estado na
época do regime militar?
Oswaldo Pereira Gomes - As
Forças Armadas, particularmente
o Exército, sempre tiveram muito
respeito em relação à igreja, embora ela tenha tomado uma posição
contrária aos governos militares.
Claro que isso não ocorreu com a
igreja como um todo. Com raras
exceções, nós tivemos boas relações com o clero durante todo o
período militar. Mas houve casos
isolados de oposição, como o de
São Paulo, com d. Paulo Evaristo
Arns. E mesmo nesse aspecto as
Forças Armadas não tomaram
uma posição agressiva em relação
à igreja. Os membros do clero foram sempre bem tratados, foram
tratados até com muita tolerância.
Em outros lugares, como em Minas Gerais, onde servi mais tempo
nessa época, as relações sempre foram muito boas. Não foram como
as que havia com d. Paulo. Mas
acho que esse foi um fator isolado.
Agora, de maneira geral, no Brasil a coisa foi moderada. Os padres
não tiveram atuações radicais como as que ocorreram em outros
países latino-americanos. O d.
Paulo exagerou um pouco. Ele tirava as cópias dos processos, mas
só mostrava um lado, não mostrava os dois lados. Isso eu enfrentei
na Comissão dos Desaparecidos
Políticos. Eu sou advogado e sei
que cada um tem a sua versão.
Folha - O sr. poderia citar um
exemplo concreto?
Gomes - Por exemplo, houve
um caso de um militar janguista
que se rebelou num quartel do Rio
Grande do Sul. Ele foi morto, e a
comissão votou o processo em que
ele teria levado 16 tiros pelas costas. Era o coronel Alfeu de Alcântara Monteiro. O pedido de indenização foi aceito. Eu mesmo
aprovei o caso. Na verdade, depois
de o caso ser apurado, fui descobrir que o tal coronel não tinha levado 16 tiros pelas costas, mas sim
um tiro, após um tiroteio.
Folha - Quando foi o crime?
Gomes - Foi em abril de 64, logo depois de os militares assumirem o poder. E o que foi para o relatório "Brasil Nunca Mais" foi
essa versão de 16 tiros pelas costas,
o que é uma inverdade.
Houve muitos casos como esses.
Havia inclusive uma combinação
entre os presos para eles orquestrarem determinados depoimentos. Como exemplo, há o caso do
general Fayad. Vários presos políticos combinaram em falar que todos foram torturados por ele. Na
verdade, essa prova testemunhal
pode ser muito perigosa.
Folha - Trata-se do general médico Ricardo Fayad, que recebeu um
cargo do presidente Fernando
Henrique Cardoso, originando
uma grande polêmica?
Gomes - Sim.
Folha - Se o relatório "Brasil Nunca Mais" só contou um lado da história, como o sr. está falando, por
que o Exército não escreveu também a sua versão dos fatos?
Gomes - Pois é, eu tenho escrito, tenho dito as minhas versões,
mas o Exército não pode. A legislação em vigor não permite. Nós não
podemos abrir nada. Muitas vezes
nos pedem para abrir os arquivos,
e eu digo que não posso, porque a
lei não autoriza. Muitas coisas não
publicamos porque não podemos
publicar.
Folha - Qual a sua posição sobre
a tortura no período militar?
Gomes - Eu sou contra, eu fui
contra. Isso é uma chaga, é uma
mancha na história do Exército.
Houve muitas revoluções aqui no
Brasil, e o Exército sempre manteve a linha. Mas a posição das Forças Armadas sempre foi contra isso. Foi sempre uma posição de respeito à lei. E eu, particularmente,
sempre fui contra. E digo que as
torturas foram muito limitadas,
pois aconteceram nos porões. Digo mais: aqui, em Minas Gerais,
não houve tortura. Se houve, foi
mínima, nos porões. Falo isso porque fui assessor dos comandantes
da região.
Folha - Segundo o historiador
brasilianista Kenneth Serbin, bispos e generais mantinham encontros secretos, chamados de Comissão Bipartite Igreja-Militares. O sr.
sabia desses encontros?
Gomes - Não, não sabia.
Folha - Há uma nova versão do
livro "Combate nas Trevas", de Jacob Gorender. Nela, é relatado que
o general Albuquerque Lima manteve encontro secreto com o guerrilheiro Carlos Marighella. O que o
sr. tem a dizer sobre isso?
Gomes - Isso é uma inverdade.
Eu fui favorável ao general Albuquerque Lima na Presidência da
República, em 69. Fui representante dele no Nordeste. Jamais o
general poderia ter se encontrado
com Marighella. É mentira.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|