São Paulo, domingo, 7 de junho de 1998

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A visão dos militares


Para o general Oswaldo Pereira Gomes, membro do Exército na Comissão dos Desaparecidos Políticos, a igreja "exagerou"


da Redação

O general da reserva Oswaldo Pereira Gomes, membro do Exército na Comissão dos Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça, afirmou à Folha que a igreja "exagerou" durante o regime militar (1964-85).
Segundo ele, muitos casos de pedido de indenização examinados na comissão têm apenas "um lado da história", o dos membros da luta armada no período. A comissão foi criada para discutir possíveis abusos de direitos humanos no Brasil. Ela estuda casos de pessoas mortas durante tortura.
Por telefone, Gomes falou à Folha de seu escritório, em Juiz de Fora (MG).

Folha - Como era o relacionamento entre a igreja e o Estado na época do regime militar?
Oswaldo Pereira Gomes -
As Forças Armadas, particularmente o Exército, sempre tiveram muito respeito em relação à igreja, embora ela tenha tomado uma posição contrária aos governos militares. Claro que isso não ocorreu com a igreja como um todo. Com raras exceções, nós tivemos boas relações com o clero durante todo o período militar. Mas houve casos isolados de oposição, como o de São Paulo, com d. Paulo Evaristo Arns. E mesmo nesse aspecto as Forças Armadas não tomaram uma posição agressiva em relação à igreja. Os membros do clero foram sempre bem tratados, foram tratados até com muita tolerância.
Em outros lugares, como em Minas Gerais, onde servi mais tempo nessa época, as relações sempre foram muito boas. Não foram como as que havia com d. Paulo. Mas acho que esse foi um fator isolado.
Agora, de maneira geral, no Brasil a coisa foi moderada. Os padres não tiveram atuações radicais como as que ocorreram em outros países latino-americanos. O d. Paulo exagerou um pouco. Ele tirava as cópias dos processos, mas só mostrava um lado, não mostrava os dois lados. Isso eu enfrentei na Comissão dos Desaparecidos Políticos. Eu sou advogado e sei que cada um tem a sua versão.
Folha - O sr. poderia citar um exemplo concreto?
Gomes -
Por exemplo, houve um caso de um militar janguista que se rebelou num quartel do Rio Grande do Sul. Ele foi morto, e a comissão votou o processo em que ele teria levado 16 tiros pelas costas. Era o coronel Alfeu de Alcântara Monteiro. O pedido de indenização foi aceito. Eu mesmo aprovei o caso. Na verdade, depois de o caso ser apurado, fui descobrir que o tal coronel não tinha levado 16 tiros pelas costas, mas sim um tiro, após um tiroteio.
Folha - Quando foi o crime?
Gomes -
Foi em abril de 64, logo depois de os militares assumirem o poder. E o que foi para o relatório "Brasil Nunca Mais" foi essa versão de 16 tiros pelas costas, o que é uma inverdade.
Houve muitos casos como esses. Havia inclusive uma combinação entre os presos para eles orquestrarem determinados depoimentos. Como exemplo, há o caso do general Fayad. Vários presos políticos combinaram em falar que todos foram torturados por ele. Na verdade, essa prova testemunhal pode ser muito perigosa.
Folha - Trata-se do general médico Ricardo Fayad, que recebeu um cargo do presidente Fernando Henrique Cardoso, originando uma grande polêmica?
Gomes -
Sim.
Folha - Se o relatório "Brasil Nunca Mais" só contou um lado da história, como o sr. está falando, por que o Exército não escreveu também a sua versão dos fatos?
Gomes -
Pois é, eu tenho escrito, tenho dito as minhas versões, mas o Exército não pode. A legislação em vigor não permite. Nós não podemos abrir nada. Muitas vezes nos pedem para abrir os arquivos, e eu digo que não posso, porque a lei não autoriza. Muitas coisas não publicamos porque não podemos publicar.
Folha - Qual a sua posição sobre a tortura no período militar?
Gomes -
Eu sou contra, eu fui contra. Isso é uma chaga, é uma mancha na história do Exército. Houve muitas revoluções aqui no Brasil, e o Exército sempre manteve a linha. Mas a posição das Forças Armadas sempre foi contra isso. Foi sempre uma posição de respeito à lei. E eu, particularmente, sempre fui contra. E digo que as torturas foram muito limitadas, pois aconteceram nos porões. Digo mais: aqui, em Minas Gerais, não houve tortura. Se houve, foi mínima, nos porões. Falo isso porque fui assessor dos comandantes da região.
Folha - Segundo o historiador brasilianista Kenneth Serbin, bispos e generais mantinham encontros secretos, chamados de Comissão Bipartite Igreja-Militares. O sr. sabia desses encontros?
Gomes -
Não, não sabia.
Folha - Há uma nova versão do livro "Combate nas Trevas", de Jacob Gorender. Nela, é relatado que o general Albuquerque Lima manteve encontro secreto com o guerrilheiro Carlos Marighella. O que o sr. tem a dizer sobre isso?
Gomes -
Isso é uma inverdade. Eu fui favorável ao general Albuquerque Lima na Presidência da República, em 69. Fui representante dele no Nordeste. Jamais o general poderia ter se encontrado com Marighella. É mentira.



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