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Um lirismo requintado
VIVIANA BOSI CONCAGH
especial para a Folha
Apresentar uma antologia de 13
poetas brasileiros recentes é aventura temerária. Cada um deles
vem forjando a própria linguagem
e percorre um caminho particular,
com cruzamentos variados. Se alguns estão começando a desengavetar, outros já publicaram um ou
mais livros. Uns compõem letras
de música, outros ainda fazem traduções, editam revistas, colaboram em jornais: enfim, não é possível classificar completamente
sob o termo "emergente" o grau
heterogêneo de produção e de maturidade de cada um.
Organizada pelo estreante Ricardo Corona e em parte editada em
Curitiba, reúne-se à volta de um
núcleo de poetas do Paraná, pelo
qual comparecem Maurício Arruda Mendonça, Rodrigo Garcia Lopes, Marcos Prado (que morreu
jovem, em 1996), Neuza Pinheiro,
o próprio Ricardo Corona, Jacques Mario Brand e Alexandre
Horner. De São Paulo, associa-se
Ademir Assunção, que mantém
vínculos de afinidade com o grupo. Radicados no Rio, participam
alguns poetas bastante ativos em
sua contribuição para a poesia hoje: Antônio Cícero, Carlito Azevedo, Cláudia Roquette-Pinto, Júlio
Castañon Guimarães, Adriano Espínola.
O volume é bilíngue (português-inglês) e conta com introdução de Antonio Risério e posfácio
de Charles A. Perrone (professor
norte-americano de literatura luso-brasileira e de MPB, além de
tradutor de poesia). Considerando-se a raridade das publicações
que cobrem a poesia brasileira
atual, é bem vinda a oportunidade
de começar a conhecer o trabalho
de diversos poetas, ainda que haja
irregularidade na seleção.
A tradução para o inglês, feita
pelos próprios autores e por estudiosos de literatura americanos e
brasileiros, justifica-se, na origem, por um convite de Lawrence
Ferlinghetti, que desejava divulgar
a nova poesia brasileira em sua revista "City Lights Review" (explica-nos o organizador em nota introdutória). Entretanto, como nenhum objeto da cultura pode ser
lido isoladamente, não podemos
deixar de lembrar a semelhança
aparente com a antologia "Nothing the Sun Could Not Explain -
20 Contemporary Brazilian
Poets" (editada por Michael Palmer, Régis Bonvicino e Nelson Ascher), que saiu há menos de um
ano.
A proposta daquele livro diferia
desta, pois intentava contemplar
tendências diversas da produção
poética a partir de meados dos
anos 60 e buscava explicitar os critérios de seleção ancorando-se em
uma reflexão sobre nossa tradição
literária desde o modernismo. Podemos (e devemos) discutir o recorte feito por aquela antologia,
mas reconhecemos que houve
uma preocupação em abranger diferentes vertentes poéticas e uma
demanda de qualidade. Aqui, o
nome "Outras Praias/Other Shores" sugere um certo eco e nos faz
indagar se haveria um intuito de
complementação, a partir de outra geografia poética, com três autores comuns como pontos de intersecção (Carlito Azevedo, Júlio
Castañon Guimarães e Cláudia
Roquette-Pinto).
Se tentássemos encontrar uma
linha de penetração entre as possíveis leituras, poderíamos notar a
discussão sobre o contato entre o
"real" e a "escritura", ou entre
o eu lírico e a (im)possível representação. Cláudia Roquette-Pinto
aborda o tema em "Space-Writing", ao referir-se às "circunvoluções do/improviso na moldura/findo o lapso resta/em claro
(itinerário de medusas)". Os poemas caminham do apelo visual
imediato para a dúvida abstrata,
num jogo entre imaginismo e simbolização. "Ignorant Sky" ("Um
Céu Que Nada Sabe"), de Antônio Cícero, poderia servir de emblema para essa atitude de questionamento da existência contemporânea, que pesquisa no mundo
à volta novas referências de êxtase,
entre o eterno e o efêmero, e é um
dos motivos centrais dessa poesia,
que se resguarda e se entrega enviesada.
Outro território compartilhado
é a relação da maioria dos poetas
com as literaturas norte-americana e francesa, em especial: um refinamento cosmopolita -marca
evidente dos anos 80 e 90- que
por vezes lhes confere um ar requintado de exilados na província.
Ao mesmo tempo, revelam de novo o íntimo, o existencial, as visões e alumbramentos momentâneos.
Quanto aos procedimentos de
construção, a ressonância da dicção estrita de João Cabral assoma
em muitos momentos, como no
belo "A uma Passante Pós-Baudelairiana", de Carlito Azevedo,
que termina em flamenco staccato: "Este tiroteio de silêncios/ esta
salva de arrepios". Ou em muitos
dos versos precisos de Julio Castañon Guimarães, como em "Exercício de Desenho", quando se refere ao percurso laminado da luz
no grafite, que "escava às avessas/
negro sobre negro". Adriano Espínola privilegia a luminosidade
do instante contra o fundo espesso
da memória: "As dunas espreitam a cidade/ -o bote de areia armado-/ à espera do tempo"; ou:
"Com os punhos cerrados de sol/
a luz golpeia/ a praia/ Arde o instante na areia".
A indeterminação das coisas,
aliada ao estranhamento do lugar
do eu, reponta em Rodrigo Garcia
Lopes: "A espuma do sentido se
desdobra, onda", ou no poema
"Fugaz". A elipse e o corte presidem uma perspectiva mais retraída, própria destes tempos de poucas assertivas. Os versos de Maurício Arruda Mendonça representam bem uma poética e um sentimento de mundo característicos:
"A melhor vista/ é da janela/ onde
você pode/ ter a possibilidade/
mas não a totalidade".
Uma resenha pode ser um começo de conversa, e passamos a
palavra aos leitores, para continuarmos a teia das considerações.
Viviana Bosi Concagh é professora de teoria
literária na Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara.
A OBRA
Outras Praias/Other Shores - Organização de Ricardo
Corona. Ed. Iluminuras (r. Oscar
Freire, 1.233, CEP 01426-001,
SP, tel. 011/3068-9433). 300
págs. R$ 24,00.
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