São Paulo, domingo, 7 de junho de 1998

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LIVROS
Paisagem vazia


"A Imagem da Cidade" analisa como a arquitetura altera o imaginário coletivo


CARLOS LEITE DE SOUZA
especial para a Folha

As cidades possuem imagens que estão presentes na mente humana de seus habitantes-usuários. Tais imagens ambientais são vitais para uma adequada convivência dos cidadãos em seu meio urbano. Assim sendo, determinadas cidades irão propiciar a formação de imaginários coletivos mais ou menos significativos, dependendo da qualidade de seus atributos urbano-arquitetônicos. Ou seja: existem cidades cuja imagem pública é melhor ou pior na percepção da população.
Tais conceitos foram apresentados pelo urbanista americano Kevin Lynch em 1960 e causaram grande impacto na época, não apenas no meio urbanístico-arquitetônico, mas também no desenvolvimento da psicologia ambiental. Seu livro tornou-se rapidamente um clássico e, com mais de duas décadas de atraso, chega finalmente ao Brasil: "A Imagem da Cidade", obra originariamente publicada pela MIT Press, do Massachusetts Institute of Technology (Boston), universidade onde Lynch foi professor de 1948 até sua morte prematura, em 1984.
A edição nacional da obra (já havia uma edição portuguesa da "Edições 70", distribuída por aqui pela mesma Martins Fontes) apresenta o texto original de Lynch, assim como suas ilustrações, trazendo, porém, alguns problemas na tradução de termos técnicos. Trata-se de referência obrigatória para todos aqueles que desejam compreender, por um lado, o processo do pensamento urbano após o advento do modernismo, já que Lynch, ao lado de Aldo Rossi, Gordon Cullen e Robert Venturi, é um dos críticos da década de 60 aos postulados funcionalistas/racionalistas da "Carta de Atenas", cartilha oficial do planejamento urbano moderno e que se materializaria, por exemplo, na nossa Brasília.
Por outro lado, representa um marco na emergência de novas abordagens disciplinares sobre a relação do homem com o seu meio vivencial (é a obra que deflagrará os estudos em percepção ambiental).
Sua obra é paradigmática ao apresentar considerações sobre a forma de entendimento da paisagem urbana que os habitantes fazem de sua cidades. Após realizar experiências com moradores de três metrópoles americanas (Boston, Nova Jersey e Los Angeles), Lynch teceu uma série de conceitos básicos para o que hoje chamamos de "mapeamento cognitivo" (conhecimento ambiental). Ele fez uma série de experiências com moradores de cada cidade no intuito de avaliar a representação mental que eles tinham de seu ambiente urbano.
O conceito-chave de seu livro é justamente o de que as pessoas formam uma imagem mental do ambiente construído, e que esta é determinante no comportamento dos usuários diante do meio urbano.
Tais imagens mentais formam as "imagens coletivas" ou "imagens públicas", e estas podem ser analisadas por meio de elementos característicos que lhes são comuns, atributos urbanos que levam os usuários a formarem suas representações espaciais cognitivas: percursos, limites, distritos, nós e marcos referenciais.
A bibliografia especializada tem ressaltado como particularmente importantes dois daqueles elementos. Os marcos referenciais, que despontaram como elementos de forte estruturação cognitiva já nos primeiros estudos de Lynch, deixam claro, por exemplo, que em uma cidade pobre em quantidade/qualidade desses elementos, caso de Nova Jersey, os indivíduos têm grande dificuldade de representação mental do ambiente, enquanto em cidades onde os marcos referenciais são elementos significativos, seja por sua característica arquitetônica e histórica -como os edifícios antigos do centro de Boston-, seja por sua característica delimitadora/definidora de espaços urbanos distintos -como em Los Angeles-, os indivíduos conseguem formar representações mentais do ambiente com maior facilidade.
Por outro lado, em diversos estudos os percursos se têm mostrado particularmente fundamentais na formação das imagens mentais, já que é predominantemente por meio do caminhar/circular que o indivíduo faz o reconhecimento de sua cidade e o aprendizado espacial; ou seja, muito do experienciar uma cidade é realizado por meio dos deslocamentos pela mesma. Lembre-se também que Lynch, ao contrário do que muitos pensam, não parou de realizar suas pesquisas nessa área após o estudo clássico de 1960. Ele realizou pesquisas em cidades de países em desenvolvimento (México, Argentina, Polônia) e Austrália, sob encomenda da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), para avaliação da percepção urbana de crianças de diversas culturas e países.
Em cidades novas, construídas na Polônia do pós-guerra, por exemplo, ele demonstrou como as crianças tinham maior dificuldade de identificação (e representação mental) da nova arquitetura comparativamente às crianças de mesma idade em cidades antigas próximas (com espaços urbano-arquitetônicos tradicionais da cultura polonesa). As experiências realizadas em cidades pobres na Argentina e México mostraram como crianças faziam uma representação mental dos ambientes urbanos públicos (como praças) muito mais precisa do que de outros ambientes também familiares, como a escola e a própria casa.
Finalmente, cabe destacar a importância dessa obra inicial de Lynch para o desenvolvimento do desenho urbano, tema emergente naquela época e que ganhou enorme importância desde então (vejam-se exemplos brasileiros de sua aplicação em Curitiba ou no projeto Rio-Cidade). O autor voltaria com maior profundidade a tais assuntos em obras posteriores. Destacam-se "A Theory of Good City Form" (MIT Press, 1980) e o lançamento recente de "City Sense & City Design - Writings & Projects of Kevin Lynch" (MIT Press, 1991), editado por dois ex-alunos seus, Tritib Banerjee e Michael Southworth, reunindo todos os textos e projetos de Lynch em obra extensa e amplamente ilustrada.


Carlos Leite de Souza é professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie e pesquisador convidado no Joint Center for Urban Design (Oxford).

A OBRA
A Imagem da Cidade - Kevin Lynch. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Ed. Martins Fontes (r. Conselheiro Ramalho, 330, CEP 01325-000, SP, tel. 011/239-3677). 227 págs. R$ 22,50.



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