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Lado B
Exposição em Madri reúne fotos de nádegas feitas por clássicos como Robert Doisneau, Mapplethorpe, Cartier-Bresson e Man Ray
PILAR PARCERISAS
São retratos, mas ocultam os rostos. São vistas, mas não tocadas.
Pela primeira vez
uma exposição reúne
as fantasias de alguns dos melhores fotógrafos do mundo seduzidos por essa parte da anatomia onde, dizem, as costas
perdem seu casto nome. São
bundas de artistas.
Corpos sem rosto, dorsos e
torsos erguem-se como contracampo do retrato, origem da
arte fotográfica. E, apesar da
aparente indiferença sexual,
nesta época de estresse e superexcitação à base de estranhos
estimulantes alheios ao sexo, a
exposição "Ocultos" [até 6 de
janeiro na Fundação Canal, em
Madri], que selecionou 67 fotógrafos, nos devolve o apetite do
olhar, o desejo de lançar um
gracejo, um assobio ou simplesmente um suspiro, à passagem de um movimento provocante de quadris.
Desde o "Torso do Belvedere" de Michelangelo [1475-1564] até a "Vênus do Espelho"
de Velázquez [1599-1660], os
traseiros desnudos continuaram sendo uma exceção no
mundo da arte até o século 19,
quando as vênus se tornam de
carne e osso e os modelos recusam justificativas simbólicas.
Na "Grande Odalisca" de
1814 ou em suas banhistas de
costas, Ingres consegue fundir
o nu corporal (o pelado) com o
nu artístico (o despido), provocando uma espécie de voyeurismo intelectual.
O sublime
Se o nu como forma de arte
continua sendo a principal ligação com as disciplinas clássicas,
a fotografia não é exceção. Em
seus primórdios e ainda hoje, a
fotografia de nus não se propõe
a reproduzir o corpo humano
nu, mas sim a imitar a concepção sublime do corpo nu desenvolvida por alguns artistas.
O inglês Oscar Gustav Rejlander foi o pioneiro das pin-ups na era vitoriana, traseiros
nus que imitavam as pinturas
de seu contemporâneo Gustave
Courbet e que foram reproduzidos à saciedade nas revistas.
Quando a arte quis se mostrar irreverente, mostrou "a
bunda da arte". Em 1919 Marcel
Duchamp, em um ato de dadaísmo iconoclasta, pintou barba e bigode em uma reprodução da "Gioconda", acrescentando embaixo desse "ready-made" ratificado as letras
LHOOQ, cuja pronúncia em
francês, "Elle a chaud au cul",
quer dizer: "Ela está com a bunda quente".
O nu como forma de arte no
mais puro sentido defendido
pelo historiador da arte Kenneth Clark [1903-83] é o que
encontramos em versão sublime em muitas das fotografias
selecionadas por José María
Díaz Maroto para a exposição
"Ocultos".
Lá estão mestres do nu como
Man Ray, com o sensual torso
de Nusch Éluard, Bill Brandt e
André Kertész com seus nus
disformes, Robert Mapplethorpe e seus eróticos modelos
masculinos, Lucien Clergue
transformando com luzes e
sombras uma bunda em autêntica jóia, Edouard Boubat com
seu misterioso nu em um bosque, Willy Ronis com seus asseios femininos ou Ralph Gibson com seu erotismo provocante na passagem de uma pluma por um traseiro empinado
de mulher.
Nessa categoria de nus artísticos em que se regozijam as
formas corporais de Antoine
d'Agata ou Claude Fauville e
Jeanloup Sieff nos concede o
prazer de observar um traseiro
feminino na janela do vizinho,
não podemos deixar de citar os
dois traseiros masculinos como
ondas de Herb Ritts, a carne
compacta do modelo feminino
carnudo de Díaz Burgos ou as
costas mais carnais e eróticas
imortalizadas pela câmera de
Carlos Pérez Siquier.
O prato forte da foto humanista é constituído pelas prostitutas fotografadas por Henri
Cartier-Bresson ou as outras
prostitutas de Joan Colom, fotografadas nas ruas do bairro
chinês em Barcelona no final
dos anos 50, as "partes pudendas" da cidade, como disse o escritor francês André Pieyre de
Mandiargues.
"Ocultos" nos oferece tantos
traseiros quantos olhares foram lançados através do visor,
mas é indubitável que, como
disse Duchamp, é o espectador
quem contempla o ato criativo.
E aí estão para a ocasião Marilyn Monroe sentada de costas
diante da câmera de Eve Arnold ou o ostensivo traseiro de
um lutador de sumô retratado
por William Klein.
A ironia aparece no pequeno
e compacto traseiro masculino,
em um maiô listrado bizarro
que traça uma construção geométrica sobre a horizontalidade do mar na foto de Julio Alvarez Yagüe ou no casal nudista visto por trás com véu e chapéu
de aba larga, de Elliott Erwitt.
Outras fotografias se aproximam da pintura, como os corpos tatuados do coreano Kim
Joon ou as marcas de nádegas e
mão na fotografia de Wolfgang
Pietrzok. A fotografia etnográfica de ontem e de hoje também
se encontra em "Ocultos", com
a imagem de uma tribo primitiva de George Rodger ou com o
rito vodu nas reportagens de
Cristina García Rodero.
Espelhos
Novas sensibilidades aparecem sob a pauta do feminismo,
como nas fotografias de grupos
masculinos, soldados ou marinheiros, em Georgia Fiorio, na
sensibilidade lésbica dos nus da
argentina Alicia d'Amico ou nas
fotos de Susan Meiselas e Ellen
von Unwerth.
Um panorama que se completa com a relação entre nu e
espaço em Jo Brunenberg ou
Harry Callahan, com as poéticas nostálgicas e evanescentes
de Vari Caramés, Fernando
Manso e Encarna Marín, com
pintores-fotógrafos como René
Magritte e cenas de cabaré como as oferecidas por Aaron Siskind e Burt Glinn. Brincar com
o traseiro em grupo é o tema de
Wolfgang Tillmans, enquanto
corpo e tragédia se encontram
em Ricky Dávila e Jesús Micó.
A fotografia se constitui aqui
em um espelho capaz de captar
no traseiro a alma secreta que
lhe dá identidade, e, como a fotografia esconde mais do que
mostra, a exposição "Ocultos"
oferece muito jogo ao espectador, o autêntico protagonista.
A íntegra deste texto saiu no "El País".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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