São Paulo, domingo, 08 de fevereiro de 2009

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Brechas no capitalismo

Desafios do novo governo norte-americano remetem à era progressista de Woodrow Wilson e Theodore Roosevelt

BORIS FAUSTO
COLUNISTA DA FOLHA

Na história dos EUA, são recorrentes as conjunturas em que, sob circunstâncias muito diversas, trata-se de limitar os efeitos destrutivos de um sistema capitalista sabidamente dinâmico.
Quando fazemos essa afirmação, logo nos vem à mente a conjuntura atual e sua inevitável comparação com a época do New Deal (1933-1939), liderada pelo presidente Franklin D. Roosevelt.
Mas há outras conjunturas a considerar, ao menos tão sugestivas como a dos anos 1930. É o caso da chamada "era progressista", situada pelos historiadores entre os primeiros anos do século 20 e a Primeira Guerra Mundial (1914-18).
O movimento progressista surgiu em meio a uma atmosfera de insatisfação social das classes médias urbana e rural e da crescente mobilização dos trabalhadores, sendo encampado por setores ponderáveis da elite política.
Ele abarcou propósitos muito amplos, como a limitação do poder de cartéis e monopólios; a regulamentação do mercado financeiro; a fiscalização da qualidade dos alimentos e dos produtos farmacêuticos; a aprovação de leis trabalhistas, com o objetivo de instituir um salário mínimo, regulamentar a jornada diária de trabalho, o emprego de mulheres e menores, as condições de segurança e de higiene nas fábricas. Defendeu ainda, no campo político, a extensão do direito ao voto às mulheres e o voto direto nas eleições para o Senado.

Regulação de monopólios
Duas figuras bastante diferentes, do ângulo pessoal e político, destacaram-se no curso da era progressista: Theodore (Teddy) Roosevelt e Woodrow Wilson.
O primeiro, membro do Partido Republicano, chegou ao poder em setembro de 1901, por ser vice-presidente da República quando o presidente McKinley foi assassinado por um anarquista, na Exposição Pan-Americana, em Buffalo (Nova York).
Eleito, a seguir, em 1904, cumpriu o mandato de quatro anos e deixou de disputar uma reeleição consecutiva. Em outro contexto, apresentou-se pelo Partido Progressista em 1912, quando foi derrotado pelo democrata Woodrow Wilson.
Curiosamente, a história de Teddy Roosevelt liga-se brevemente ao Brasil, pois em 1914, junto com o então coronel Cândido Rondon, realizou uma expedição tormentosa na floresta amazônica, da qual voltou com a saúde deteriorada.
Woodrow Wilson -conhecido intelectual, ex-reitor da Universidade de Princeton-, mais do que qualquer outro personagem, marcou o progressismo.
Durante seus dois mandatos presidenciais, o Congresso aprovou uma legislação significativa, em campos muito variados, embora ficasse distante do reformismo de alguns países da Europa ocidental.
Exemplos dessa legislação foram a Lei Clayton (1914), que regulou os monopólios e declarou, ao mesmo tempo, serem os sindicatos legítimos e não representarem uma restrição à liberdade de comércio; a instituição do Federal Reserve -o Banco Central americano- e do Imposto de Renda, em 1913; a lei que limitou o trabalho de menores (1916); as medidas de amparo aos médios e pequenos fazendeiros.
No plano externo, o segundo mandato de Wilson vinculou-se à Primeira Guerra Mundial e a seus esforços por instituir uma paz duradoura após a derrota da Alemanha e da Áustria-Hungria, por meio dos "14 pontos" -um plano prevendo o desarmamento geral e a formação da Liga das Nações.

Frenesi
Seus esforços fracassaram e o país se entregou ao frenesi da década de 1920 -os "roaring twenties" (trepidantes anos 20), que iriam desembocar num desastre.
Teddy Roosevelt, cujo papel fora central na invasão de Cuba pelos marines, durante a guerra hispano-americana (1898), assumiu a via da coerção para assegurar a hegemonia mundial dos EUA.
Resumiu sua estratégia política num provérbio que se tornou muito conhecido, supostamente recolhido na África: "Speak softly and carry a big stick, and you will go far". Traduzindo, "fale macio e carregue um grande porrete; assim você irá longe".
De outro lado, nos anos do "progressismo", o movimento operário intensificou suas reivindicações, por meio de negociações e de greves, mesmo dividido entre a AFL (1886) -iniciais, em inglês, da Federação Americana do Trabalho, que adotava a linha do "sindicalismo de resultados"- e a IWW (1905), Operários Industriais do Mundo, defensora da ação direta.
Um dos fundadores da IWW foi Eugene Debs (1855-1926), figura emblemática, que esteve à frente de muitas greves, sofreu seguidas prisões, candidatando-se à Presidência de seu país pelo Partido Socialista, em várias ocasiões, embora considerasse as eleições um simples instrumento de luta.
Por último, não na ordem de importância, em alusão aos dias que correm, no curso da era progressista, ressurgiu a luta dos negros pela igualdade de direitos civis e políticos.
Um marco fundamental foi a constituição da NAACP, sigla em inglês da Associação Nacional para o Progresso da População de Cor.
Formada em 1909, a NAACP, por muitos anos sob a direção do notável escritor e ativista W.E.B. Du Bois, foi responsável pela organização de uma série de lutas, ao longo de quase um século. A ela se filiou, entre tantos outros nomes, Martin Luther King, o pastor que tinha um sonho difícil -o da América fraterna.


BORIS FAUSTO é historiador e preside o Conselho Acadêmico do Gacint (Grupo de Análise da Conjuntura Internacional), da USP. É autor de "A Revolução de 30" (Companhia das Letras).



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