|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+Autores
Brechas no capitalismo
Desafios do novo governo norte-americano remetem à era
progressista de Woodrow Wilson e Theodore Roosevelt
BORIS FAUSTO
COLUNISTA DA FOLHA
Na história dos
EUA, são recorrentes as conjunturas em que, sob
circunstâncias
muito diversas, trata-se de limitar os efeitos destrutivos de
um sistema capitalista sabidamente dinâmico.
Quando fazemos essa afirmação, logo nos vem à mente a
conjuntura atual e sua inevitável comparação com a época do
New Deal (1933-1939), liderada
pelo presidente Franklin D.
Roosevelt.
Mas há outras conjunturas a
considerar, ao menos tão sugestivas como a dos anos 1930.
É o caso da chamada "era progressista", situada pelos historiadores entre os primeiros
anos do século 20 e a Primeira
Guerra Mundial (1914-18).
O movimento progressista
surgiu em meio a uma atmosfera de insatisfação social das
classes médias urbana e rural e
da crescente mobilização dos
trabalhadores, sendo encampado por setores ponderáveis
da elite política.
Ele abarcou propósitos muito amplos, como a limitação do
poder de cartéis e monopólios;
a regulamentação do mercado
financeiro; a fiscalização da
qualidade dos alimentos e dos
produtos farmacêuticos; a
aprovação de leis trabalhistas,
com o objetivo de instituir um
salário mínimo, regulamentar
a jornada diária de trabalho, o
emprego de mulheres e menores, as condições de segurança
e de higiene nas fábricas. Defendeu ainda, no campo político, a extensão do direito ao voto às mulheres e o voto direto
nas eleições para o Senado.
Regulação de monopólios
Duas figuras bastante diferentes, do ângulo pessoal e político, destacaram-se no curso
da era progressista: Theodore
(Teddy) Roosevelt e Woodrow
Wilson.
O primeiro, membro do Partido Republicano, chegou ao
poder em setembro de 1901,
por ser vice-presidente da República quando o presidente
McKinley foi assassinado por
um anarquista, na Exposição
Pan-Americana, em Buffalo
(Nova York).
Eleito, a seguir, em 1904,
cumpriu o mandato de quatro
anos e deixou de disputar uma
reeleição consecutiva. Em outro contexto, apresentou-se pelo Partido Progressista em
1912, quando foi derrotado pelo
democrata Woodrow Wilson.
Curiosamente, a história de
Teddy Roosevelt liga-se brevemente ao Brasil, pois em 1914,
junto com o então coronel Cândido Rondon, realizou uma expedição tormentosa na floresta
amazônica, da qual voltou com
a saúde deteriorada.
Woodrow Wilson -conhecido intelectual, ex-reitor da
Universidade de Princeton-,
mais do que qualquer outro
personagem, marcou o progressismo.
Durante seus dois mandatos
presidenciais, o Congresso
aprovou uma legislação significativa, em campos muito variados, embora ficasse distante do
reformismo de alguns países da
Europa ocidental.
Exemplos dessa legislação
foram a Lei Clayton (1914), que
regulou os monopólios e declarou, ao mesmo tempo, serem
os sindicatos legítimos e não
representarem uma restrição à
liberdade de comércio; a instituição do Federal Reserve -o
Banco Central americano- e
do Imposto de Renda, em 1913;
a lei que limitou o trabalho de
menores (1916); as medidas de
amparo aos médios e pequenos
fazendeiros.
No plano externo, o segundo
mandato de Wilson vinculou-se à Primeira Guerra Mundial e
a seus esforços por instituir
uma paz duradoura após a derrota da Alemanha e da Áustria-Hungria, por meio dos "14 pontos" -um plano prevendo o desarmamento geral e a formação
da Liga das Nações.
Frenesi
Seus esforços fracassaram e o
país se entregou ao frenesi da
década de 1920 -os "roaring
twenties" (trepidantes anos
20), que iriam desembocar
num desastre.
Teddy Roosevelt, cujo papel
fora central na invasão de Cuba
pelos marines, durante a guerra hispano-americana (1898),
assumiu a via da coerção para
assegurar a hegemonia mundial dos EUA.
Resumiu sua estratégia política num provérbio que se tornou muito conhecido, supostamente recolhido na África:
"Speak softly and carry a big
stick, and you will go far". Traduzindo, "fale macio e carregue
um grande porrete; assim você
irá longe".
De outro lado, nos anos do
"progressismo", o movimento
operário intensificou suas reivindicações, por meio de negociações e de greves, mesmo dividido entre a AFL (1886) -iniciais, em inglês, da Federação
Americana do Trabalho, que
adotava a linha do "sindicalismo de resultados"- e a IWW
(1905), Operários Industriais
do Mundo, defensora da ação
direta.
Um dos fundadores da IWW
foi Eugene Debs (1855-1926),
figura emblemática, que esteve
à frente de muitas greves, sofreu seguidas prisões, candidatando-se à Presidência de seu
país pelo Partido Socialista, em
várias ocasiões, embora considerasse as eleições um simples
instrumento de luta.
Por último, não na ordem
de importância, em alusão
aos dias que correm, no curso da era progressista, ressurgiu a luta dos negros pela
igualdade de direitos civis e
políticos.
Um marco fundamental
foi a constituição da
NAACP, sigla em inglês da
Associação Nacional para o
Progresso da População de
Cor.
Formada em 1909, a
NAACP, por muitos anos
sob a direção do notável escritor e ativista W.E.B. Du
Bois, foi responsável pela
organização de uma série de
lutas, ao longo de quase um
século. A ela se filiou, entre
tantos outros nomes, Martin Luther King, o pastor
que tinha um sonho difícil
-o da América fraterna.
BORIS FAUSTO é historiador e preside o
Conselho Acadêmico do Gacint (Grupo de
Análise da Conjuntura Internacional), da
USP. É autor de "A Revolução de 30" (Companhia das Letras).
Texto Anterior: Vício de origem Próximo Texto: +Livros: A libido lúdica Índice
|