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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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O historiador inglês analisa as consequências sociais da ascensão da economia açucareira no Brasil colonial

A CIVILIZAÇÃO DOS PÃES DE AÇÚCAR

Divulgação
"Carro de Boi" (1638), óleo sobre tela do pintor Frans Post


por Kenneth Maxwell

Diferentemente das civilizações adiantadas conquistadas pelos espanhóis no Peru e México durante o século 16, a população indígena que os portugueses encontraram ao longo da costa atlântica sul-americana na região que, mais tarde, iria se tornar o Brasil, era formada ou por caçadores e coletores nômades ou por agricultores primitivos. Suas aldeias não eram assentamentos permanentes, mas itinerantes, localizadas em clareiras temporárias no meio da floresta. A agricultura era feita em terras limpas por queimadas, e os índios cultivavam mandioca, milho, cuias, abóboras, vagens, amendoim e algodão. Os colonizadores portugueses não demoraram a adotar a mandioca como alimento, e os escravos africanos que eles importaram fizeram o mesmo. Um processo elaborado é necessário para que as raízes da mandioca se tornem comestíveis, já que um tipo de mandioca contém ácido prússico, que precisa ser extraído do tubérculo, que, para isso, é moído, deixado de molho e espremido. A polpa resultante é assada sobre travessas de cerâmica para produzir ou um pão chato, semelhante a uma panqueca, ou uma farinha, que ainda hoje constitui um componente fundamental da culinária brasileira. Os portugueses não demoraram a constatar que o sistema de escambo que haviam utilizado nos primeiros anos de contato para obter pau-brasil era insuficiente para responder às necessidades de mão-de-obra dos novos assentamentos europeus. Do mesmo modo que os espanhóis tinham feito nas ilhas do Caribe, eles passaram a recorrer cada vez mais à coerção e escravidão. Os jesuítas tentaram criar um campesinato rural, reassentando os indígenas em aldeias permanentes onde os jesuítas pudessem, nas palavras de Nóbrega, "corrigir os erros e pecados" dos índios e também inculcar neles a ética de trabalho européia. Mas a política jesuíta modificou profundamente o modo de vida indígena, convertendo caçadores e pescadores nômades em agricultores e criadores de gado assentados. Em 1600, os jesuítas já afirmavam ter 50 mil índios assentados em aldeias em todo o Brasil. Contudo os indígenas mostraram constituir uma fonte pouco confiável de mão-de-obra. E eles opunham resistência. Em 1567, uma grande insurreição de escravos indígenas se alastrou pela Bahia, e no sul da capitania surgiu entre escravos foragidos e antigos moradores de aldeias um movimento de resistência milenarista que reunia crenças católicas e dos índios. Os costumes culturais dos índios os tornavam indispostos ou incapazes de adaptar-se facilmente ao trabalho seguindo uma rotina. E as doenças européias e africanas provocavam estragos entre eles. Como acontecera nas planícies costeiras do Caribe e outras partes do Novo Mundo, a população indígena sucumbiu rapidamente a agentes patogênicos contra os quais ela não possuía imunidade, e os remanescentes dos grupos tribais costeiros antes numerosos se espalharam pelo interior, buscando escapar dos portugueses. Em 1560-63, as epidemias já tinham enfraquecido o papel dos indígenas na economia colonial.

Mar fechado
Em termos de produção de açúcar, entretanto, os portugueses em pouco tempo descobriram que o Brasil possuía grandes vantagens. O percurso entre o Brasil e a Europa, por via marítima, era relativamente rápido -comparado com o Caribe, por exemplo, os portos de Recife, no Pernambuco, e Salvador, na Bahia, não apresentavam nenhuma desvantagem séria em termos de tempo levado para fazer a travessia. Além disso, os portos brasileiros eram bem situados em enseadas protegidas que rapidamente se transformaram em centros das maiores regiões produtoras de açúcar.
A baía de Todos os Santos formava um verdadeiro mar fechado, o que facilitava a comunicação rápida e barata, por via marítima, entre as engenhos de açúcar situadas em torno da baía e a capital colonial de Salvador. Tanto Pernambuco quanto o Rio de Janeiro possuíam bons portos, férteis planícies aluviais e boas comunicações por via aquática entre as engenhos de açúcar e a cidade portuária.
A irrigação e o aterraçamento custosos exigidos nas ilhas portuguesas do Atlântico não eram necessários no Brasil, de modo que os plantadores de cana evitavam os custos principais incorridos pelos produtores de açúcar nas ilhas montanhosas dos Açores e da Madeira. Os solos de massapé das várzeas do Recife e do Recôncavo Baiano eram excepcionalmente férteis, capazes de suportar o cultivo contínuo por até 30 anos sem sofrer deterioração séria. Entre 40 e 50 safras de cana eram esperadas de cada plantio. Em consequência desses fatores, o açúcar brasileiro era vendido por até 50% abaixo do custo do similar da Madeira ou do Caribe nos mercados da Europa.
Os maiores engenhos de açúcar brasileiros eram, na realidade, pequenas aldeias, com oficinas, capela, a casa de processamento, a casa-grande e a senzala. O complexo todo podia empregar entre 15 e 20 portugueses e mais de cem escravos africanos e índios. Os engenhos brasileiros eram movidos por água ou bois. O mecanismo siciliano vertical de três cilindros passou a ser usado a partir de 1608. A moenda siciliana foi uma inovação importante que permitiu o esmagamento duplo contínuo da cana de açúcar, aumentando a produção do caldo (a força motriz era aplicada ao cilindro central, que, depois de virado, engatava dentes de roda nos outros dois cilindros, de modo que eles giravam em direções opostas. Os escravos podiam inserir a cana entre um par de cilindros e, em seguida, passá-la entre o outro par para ser esmagada pela segunda vez). Em seguida, o caldo era transferido para a casa de purificação e fervura, onde era colocada numa série de grandes tachos de cobre, onde agentes (geralmente cal) eram acrescentados para trazer as impurezas para a superfície, para que pudessem ser removidas com a escumadeira. A seguir, o caldo era vertido numa série de tachos menores para esfriar. O jesuíta Antônio Vieira não foi o único a descrever o engenho de açúcar, com suas fogueiras e seus caldeirões ferventes, como um "espelho do inferno". Os produtores brasileiros também refinavam o açúcar, separando o melaço para processar o caldo semicristalizado, transformando-o em açúcar branco. Para isso, o caldo era vertido em formas de barro no formato de cones, cada uma contendo cerca de uma arroba, com um pequeno furo no fundo. Várias centenas desses cones eram dispostas simetricamente, sendo mantidas em pé dentro de tábuas com buracos. Cada cone era coberto por uma camada fina de barro molhado. A água se infiltrava no açúcar lentamente, lavando-o e removendo a maior parte do melaço, num processo que podia ser repetido duas ou três vezes. Uma vez removido do cone, o açúcar branco era colocado ao sol para secar, antes de ser embalado e transportado. Eram esses os "pães de açúcar" que deram nome ao famoso morro que se ergue ao lado da baía de Botafogo, no Rio de Janeiro. O melaço aderia à parte inferior do cone, sendo raspado para fora e empilhado separadamente. Esse açúcar de coloração marrom era chamado de mascavo. Os resíduos drenados eram aferventados e resultavam num açúcar de baixa qualidade conhecido como panela. Em 1618, os grandes engenhos já produziam entre 6.000 e 10 mil arrobas de açúcar por ano, cada um, e a América portuguesa, como um todo, exportava para a Europa cerca de 1,2 milhão de arrobas de açúcar. O engenho de açúcar exigia uma força de trabalho permanente e disciplinada, especialmente na época da colheita. As moendas funcionavam sem parar durante oito ou nove meses por ano. Os trabalhadores do açúcar tinham que fazer turnos diurnos e noturnos diários, das 6h às 12h e das 12h às 18h. Num primeiro momento, os senhores de engenhos utilizavam a mão-de-obra indígena; 233 dos 253 escravos que constavam do inventário do grande engenho de Sergipe do Conde, na Bahia, pertencente aos jesuítas, em 1572, eram índios, e apenas 20 eram africanos. Mas, como já tinha acontecido antes no Caribe, a crescente dificuldade em obter escravos indígenas e a facilidade com que estes adoeciam (30 mil deles morreram durante a epidemia baiana de 1562) se somaram para estimular o comércio transatlântico de escravos africanos.

Conexão atlântica
Os portugueses já tinham feito uso da mão-de-obra escrava africana na Madeira e nas ilhas de São Tomé e Príncipe, no golfo da Guiné, e, apesar do custo de compra mais alto, os fazendeiros e senhores de engenho brasileiros preferiam os trabalhadores africanos aos indígenas. Começando em 1570, Paulo Dias de Novais abriu Angola ao comércio escravista amplo, e a relativa facilidade da conexão transatlântica (a travessia de Angola a Pernambuco nos navios negreiros levava meros 35 dias, e, de Luanda à Bahia, 40) acelerou o processo gradual de substituição dos ameríndios pelos africanos por toda a região produtora de açúcar. Adotando a dieta padrão dos indígenas (especialmente a raiz da mandioca transformada na farinha branca grossa), os escravos negros acabaram por formar a espinha dorsal da economia açucareira brasileira em rápida expansão. Philip Curtain estima que 10 mil africanos foram importados entre 1551 e 1575 e cerca de 40 mil entre 1576 e 1600, sendo que este último número fez do Brasil o maior receptor de escravos no Novo Mundo durante esse período. "As mãos e os pés" dos senhores de engenho -foi assim que o jesuíta italiano Andreoni os descreveu, com muita precisão, em seu célebre tratado sobre os recursos naturais do Brasil escrito em 1703 ("Cultura e Opulência"). Além da aquisição de escravos, os senhores de engenho também precisavam de capital de grande monta para adquirir equipamentos hidráulicos, maquinário das moendas, utensílios de cobre, ferro, barcaças e bois. Os custos operacionais dos salários dos intendentes, contadores, feitores, da alimentação da força de trabalho e o custo de substituição de escravos também podiam ser consideráveis (no engenho de Sergipe, para conservar uma força de 172 escravos, foi preciso manter um índice de substituição de entre cinco e oito escravos novos por ano). Cada vez mais, com a entrada no século 17, o custo da lenha passou a constituir uma parte importante dos gastos do engenho, à medida que a expansão dos canaviais e dos assentamentos ia dizimando a mata costeira original. Os fundos iniciais de investimento vieram de diversas fontes. Os donatários das capitanias, associados a capitalistas estrangeiros, foram investidores ativos nos primeiros anos do ciclo do açúcar. O italiano Lucas Giraldi, por exemplo, adquiriu terras na capitania de Ilhéus em 1547 e, em 1561, comprou a capitania inteira do donatário português, tendo se naturalizado súdito português ao tomar como mulher uma mulher da família de Vasco da Gama. Com o estabelecimento da administração real, os governadores-gerais fizeram grandes investimentos, sendo que o mais notável foi o do general Mem de Sá, que ergueu o grande engenho Sergipe na década de 1560. A isenção de impostos também ajudava os novos proprietários de engenhos, sendo a mais comum das isenções aquela aplicada aos dízimos (cuja cobrança no Brasil era administrada pelo rei, em seu papel de grão-mestre da Ordem de Cristo). No caso do açúcar, os dízimos representavam um décimo da safra. O senhor do engenho também obtinha empréstimos de comerciantes locais ou das instituições incorporadas que haviam adquirido funções de banco, na prática, como era o caso das congregações caridosas da misericórdia e das irmandades e confrarias religiosas leigas que proliferavam nas cidades coloniais. No caso da misericórdia, uma organização dominada pelos plantadores de cana e senhores de engenho, os empréstimos eram concedidos à taxa de juros relativamente baixa de 6,25%. Adiantamentos em dinheiro vivo eram obtidos sobre a safra de cana. Em tempos de expansão e preços em alta, isso não trazia desvantagem para o produtor agrícola. A própria terra custava barato e frequentemente era dada por meio de doações diretas (as sesmarias) feitas pelo donatário ou capitão-geral. A sesmaria era o presente do título de propriedade plena da terra, sendo a única condição imposta que a terra fosse cultivada dentro de um período especificado e que os dízimos fossem pagos. Em vendas subsequentes, o valor da terra era determinado pela riqueza do solo, o acesso a fontes de água e a facilidade de comunicação com o porto de exportação mais próximo.

Grupo diversificado
O senhor de engenho foi descrito pelo jesuíta italiano Andreoni como "título ao qual muitos aspiram porque implica em ser servido, obedecido e respeitado". Ele comparou o status do senhor de engenho ao de fidalgo em Portugal. A estrutura social, a posse de terras e os padrões de produção nos primórdios do Brasil colonial eram surpreendentemente complexos. O título de senhor de engenho não é exatamente análogo ao de fazendeiro, com suas premissas concomitantes sobre uma sociedade composta de senhores e escravos presos dentro de grandes latifúndios verticalmente integrados. Alguns dos grandes engenhos nem sequer produziam sua própria cana, preferindo arrendar suas terras a lavradores em troca de uma parcela previamente acordada da safra.
Os lavradores formavam um grupo extremamente diversificado; alguns deles, aparentemente, podiam ser homens de meios substanciais, comandantes de ordens militares, detentores de cargos municipais e membros do clero. Outros podiam ser pouco mais do que meeiros pobres que subsistiam de maneira precária.
Os termos da posse da terra pelos lavradores também variavam muito. Os senhores de engenho podiam conservar os direitos banais sobre a terra trabalhada pelos lavradores, o que obrigaria os arrendatários a levar sua cana para ser moída no engenho do senhor de engenho (era a chamada "cana cativa") ou, então, podiam arrendar as terras sob os termos de enfiteuse (venda em perpetuidade, mas com restrições). Mais frequentemente, a terra pertencia ao senhor de engenho e era arrendada por prazos variados (qualquer coisa entre um e 19 anos, sob um acordo conhecido como partido). Em troca da terra, os lavradores donos de escravos entregavam ao senhor de engenho metade da safra, mais uma parcela acordada da outra metade, numa proporção que variava entre um terço e um 15 avos ou até mesmo um vigésimo, dependendo da rentabilidade do açúcar e da força relativa de negociação do senhor de engenho e do lavrador. Os cálculos desses arrendamentos eram baseados na quantidade de cana que podia ser moída dentro de 24 horas, conhecida como tarefa. Assim, a tarefa era mais uma medida da produtividade do solo do que de dimensões territoriais. O lavrador próspero, por exemplo, podia produzir cerca de 40 tarefas por ano, necessitando do trabalho de 20 escravos e entre quatro e oito carros de boi. Os agricultores de subsistência também ocupavam, como posseiros, as áreas periféricas que só eram rentáveis para ser cultivadas com cana quando o preço do açúcar estava alto.

Insatisfação
Sob circunstâncias normais, o morador convivia bem com o senhor de engenho e o lavrador. Mas a ausência de dispositivos regulares regendo a posse da terra acrescentava um fator a mais de insegurança à existência já precária com a qual tinham que conviver tanto o morador quanto o minifundista. A harmonia social era capaz de se deteriorar rapidamente quando as condições do mercado mudavam. Por exemplo, em quase todos os casos em que o preço do açúcar subia, a cidade portuária se tornava palco de insatisfação. "Prosperidade" e "recessão" no contexto colonial eram facas de dois gumes, pois raramente aqueles que prosperavam o faziam sem ser às custas dos outros. Os altos preços dos gêneros alimentícios exerciam impacto sério sobre os pobres urbanos e os artesãos, porque a alta constante do preço do açúcar muitas vezes ameaçava o posseiro de expulsão de sua roça, à medida que os plantadores procuravam plantar mais cana para responder à demanda do mercado. Quando era expulso da terra, o posseiro ou se unia aos bandos de "vadios", cuja presença na zona rural tanto preocupava os representantes reais no período colonial, ou então migrava para as cidades pobres, com sua família. Mas a economia assim organizada se via presa num ciclo vicioso, pois gerava mais bocas para ser alimentadas, ao mesmo tempo em que eliminava os meios de alimentá-las. As autoridades reais no Brasil podiam exigir que fossem cultivados gêneros de subsistência de maneira proporcional à cana de açúcar, mas os fazendeiros ignoravam a exigência, pelo menos enquanto fosse de seu interesse cultivar na mesma terra produtos que pudessem ser comercializados. À medida que o preço do açúcar subia, também subiam os preços da mandioca e da carne, e, com eles, aumentavam as tensões. No Brasil colonial, cada alta no preço do açúcar, cada deslocamento de agricultores de subsistência geravam problemas sociais que, de vez em quando, resultavam em conspirações, escaramuças e hostilidades sociais abertamente manifestadas. Os grandes senhores de engenho e lavradores dominavam os municípios tanto quanto dominavam a zona rural. O conselho municipal determinava os preços dos produtos de exportação e dos produtos de necessidade básica; a prestigiosa irmandade beneficente leiga da misericórdia era a maior fonte de empréstimos, as confrarias brancas fechadas eram fonte de prestígio e os plantadores de cana e senhores de engenho dominavam todos.

Negócio precário
Entretanto a produção de açúcar era um negócio precário, mesmo para os grandes senhores de engenho e muito mais ainda para os lavradores e meeiros. As margens de lucro eram provavelmente menores para o produtor. O pagamento de juros consumia uma grande parcela dos lucros potenciais. As incertezas geradas pelo tempo, as doenças na safra e os erros de cálculo quanto ao tempo de corte e processamento, tudo isso podia afetar seriamente a qualidade do açúcar. Durante a colheita de 1651-52, a usina de Sergipe perdeu 13 dias de trabalho por falta de lenha, dez por problemas mecânicos e quatro devido à falta de cana, além de 28 domingos e 21 dias santos. A ostentação dos senhores de engenhos provavelmente foi exagerada, com certeza quando comparada aos padrões de consumo das pessoas que ocupavam posições sociais semelhantes na Europa na mesma época. Holandeses que visitaram o Brasil no século 17 se surpreenderam com a falta de quadros e a pouca mobília nas casas da elite colonial e com a frugalidade de sua alimentação. As execuções de hipotecas, as trocas aceleradas de proprietários e o endividamento crônico eram comuns e corriqueiros. A incerteza do empreendimento conferia grandes vantagens àqueles que tinham sorte suficiente para possuir propriedades vinculadas, conhecidas como morgados, que impediam sua venda e divisão. Isso também exercia um impacto forte sobre as perspectivas de casamento das filhas da elite colonial, frequentemente condenadas a uma vida de celibato forçado para proteger os interesses de propriedade de seus pais e irmãos mais velhos. Na Bahia, entre 1680 e 1797, de 160 filhas nascidas em 53 famílias de destaque, mais de 77% foram enviadas a conventos, 5% permaneceram solteiras e apenas 14% se casaram. Os senhores de engenho brasileiros achavam preferível suas filhas vestirem o véu de freiras do que fazerem um casamento que lhes fosse socialmente prejudicial. Os grandes latifundiários institucionais tinham a vantagem do poder de permanência que fazia falta a muitos proprietários particulares.

Empresa multinacional
A Sociedade de Jesus, por exemplo, rapidamente adquiriu terras, propriedades e escravos no Brasil, num acúmulo de bens mundanos que ela justificava como sendo um meio de garantir a subsistência de seus estabelecimentos de ensino.
Na verdade, os jesuítas possuíam todas as vantagens de uma empresa multinacional -crédito, liquidez, administração especializada e confiável e o poderio financeiro global necessário para suportar perdas em empreendimentos isolados. Além disso, os jesuítas se negavam de maneira constante a pagar o dízimo e as taxas alfandegárias, situação que provocou muito ressentimento entre os colonizadores.
"Quem diz Brasil diz açúcar e mais açúcar", uma frase cunhada originalmente pelos plantadores de cana e senhores de engenho da Bahia em 1661, é há muito tempo um aforismo representativo do Brasil colonial em seus primórdios, se bem que, como todos os aforismos, durante a grande época em que o açúcar brasileiro dominou o mercado mundial, no século 17, era apenas parcialmente verdadeiro. O Brasil do açúcar era, na verdade, altamente concentrado -dependia dos solos férteis e úmidos do Recife, da Bahia e do Rio de Janeiro.
Essas regiões formavam uma série de arquipélagos costeiros, no sentido de que as zonas produtoras de açúcar se situavam em torno dos portos principais e formavam encraves ao longo da costa brasileira da América do Sul, separados uns dos outros por florestas densas e, do interior do continente, pelas altas serras que beiravam o litoral. Nesse sentido, as zonas açucareiras litorâneas, como as ilhas produtoras de açúcar no Caribe ou as ilhas atlânticas da Madeira e Canárias, faziam parte integral do sistema comercial afro-atlântico, limitado em espaço territorial, dependente da mão-de-obra africana trazida pelo mar e fustigado pela ascensão e queda da demanda e dos preços no mercado europeu.

Kenneth Maxwell é historiador inglês e um dos principais brasilianistas da atualidade. É autor de "Mais Malandros" e "A Devassa da Devassa" (ed. Paz e Terra). Escreve regularmente no Mais!.
Tradução de Clara Allain.


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