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Ponto de Fuga
Corpos eróticos
Platão escreveu que um exército composto por casais de amantes seria indestrutível -um teria vergonha de mostrar-se covarde diante do outro-;
mas não estamos mais na Antigüidade
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
A mirabolante notícia de
que o Exército cercou
uma emissora de TV para prender um sargento que se
declarou homossexual traz ensinamentos. O Exército é uma
sociedade masculina bastante
fechada que exalta a força física
e os valores viris. Mundo macho de machos, favorece o homoerotismo, senão o homossexualismo.
Platão escreveu que um
exército composto por casais
de amantes seria indestrutível
porque um teria vergonha de
mostrar-se covarde diante do
outro, preceito que Alexandre,
o Grande, ao que parece, estimulou em seus batalhões.
Não estamos mais na Antigüidade, porém, e a sociedade
contemporânea desenvolveu
um gigantesco preconceito
contra o homoerotismo.
Não é difícil perceber o que
se esconde por trás da represália contra o sargento. Quando o
homofóbico se exprime, não fala do outro, fala de si mesmo.
Isso é verdade para qualquer
preconceito. O racista, o anti-semita projetam no ser que
odeiam o fantasma envergonhado de si próprios, das pulsões que têm dentro de si.
Quando as exprimem, é para
melhor escondê-las.
Não é certamente um movimento consciente, mas o esquema é mais ou menos assim:
"Se estou acusando, denegrindo, humilhando alguém que
manifesta características que
eu condeno, é porque, vejam
bem, sou o oposto dele, sou
isento de seus vícios e defeitos". Está claro, essas características, vícios e defeitos existem apenas na cabeça de quem
incrimina.
Só assim pode-se compreender uma ação tão pouco inteligente como aquele cerco da
emissora.
Holofote
É impossível imaginar uma
intervenção mais espalhafatosa: invasão de um programa ao
vivo, quando ia ao ar uma questão efervescente, ótima para
programas sensacionalistas.
A situação criada é muito
mais espetacular do que o problema. Qualquer um de sensato
procuraria uma solução discreta, para evitar o escândalo, para
não transformar aquele sargento em vítima.
É que o bom senso e a razão
fogem quando as pulsões reprimidas falam mais forte. Era
preciso proclamar para a galáxia que os comandantes não
são gays, que os soldados não
são gays, que não há nada de
gay no Exército: "Estão vendo?
Nós não admitimos, nós cercamos, nós prendemos".
Quem quiser intuir o que se
passou, veja "O Pecado de Todos Nós" (1967), filme de John
Huston, que foi um diretor machão entre os machões. Ou medite sobre a tela "Leônidas nas
Termópilas", de David, datada
de 1814, apogeu de delírio erótico-militar.
Pele
O corpo humano despido
constituiu um dos vetores mais
essenciais das artes no Ocidente desde a Antigüidade. Nossos
tempos pudicos, porém, mudaram nossos olhos. Ninguém será tomado por um libidinoso
por amar a Vênus de Urbino.
Mas um interesse acentuado
pelo Davi de Michelangelo não
passaria insuspeito.
Areia
O misto de beleza e de sedução que os nus apresentam nas
artes fazia parte do prazer próprio a todos diante das obras.
Hoje, ao contrário, homens
despidos são classificados dentro de um interesse gay específico.
Há uma exposição, no Gasômetro, em Porto Alegre, de
Alair Gomes. Deve ser muito
bela, porque se trata de um
grande fotógrafo. Tomava imagens de rapazes nas praias do
Rio, nos anos de 1970. Corpos
flexíveis e longilíneos, captados
com elegância. Têm a graça das
estátuas antigas.
É preciso limpar os tristes
óculos que passamos a usar para contemplá-los com o prazer
da ficção artística, sem nos sentirmos ameaçados por medos
secretos.
jorgecoli@uol.com.br
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