São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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A fundamento gerou fugas e protestos

Com medo de invasão de tropas alemãs após naufrágio, parte da população se refugiou no interior do Estado

DO ENVIADO A ARACAJU (SE)

Em Aracaju, com as primeiras notícias sobre os afundamentos do Baependy, do Araraquara e do Aníbal Benévolo entre a noite de 15 e a madrugada de 16 de agosto de 1942, houve revolta popular e depois pânico. As pessoas foram às ruas em protesto, a fim de exigir do presidente Getulio Vargas a declaração de guerra contra os nazistas. Depois, com medo de uma invasão por tropas alemãs, conforme boatos que se espalharam com rapidez, se recolheram, luzes apagadas à noite, ou fugiram para o interior.
Autor da monografia "Aracaju - Memórias de uma Cidade Sitiada", apresentada em 1999 na Faculdade de História da Universidade Federal de Sergipe, o historiador Luiz Antônio Pinto Cruz, 31, argumenta que, de maneira absolutamente inesperada, "a capital sergipana se envolveu no clima de guerra, deixando a condição de mera espectadora de um conflito europeu" para se transformar em "vítima da guerra submarina".
"As recordações mais marcantes dos sergipanos dizem respeito à vida cotidiana: a inesperada notícia dos torpedeamentos, os náufragos atordoados, centenas de mortos pelas praias, os destroços dos navios, o quebra-quebra na cidade, as perseguições aos estrangeiros e aos sergipanos suspeitos de quinta-coluna", disse ele, que deve lançar ainda neste ano o livro "A Guerra Submarina em Sergipe" (ed. Instituto Dom Fernando Gomes], resultado de pesquisas sobre o tema iniciadas há quase dez anos.
O principal alvo dos revoltosos -a maioria deles estudantes- foi o empresário italiano Nicola Mandarino, que teve sua casa no centro invadida e saqueada. Mandarino foi preso, julgado e absolvido da acusação de colaborar com os nazistas. De sua casa, com um radiotransmissor, ele estaria se comunicando com o comandante do submarino alemão responsável pelos afundamentos. Nada ficou provado contra ele, mas na memória do povo de Aracaju o empresário tem o nome associado ao naufrágio das embarcações.
O Araraquara foi um dos sete barcos brasileiros afundados pelo submarino alemão U-507 na costa de Sergipe e da Bahia, entre 15 e 19 de agosto. Além do Baependy e do Aníbal Benévolo, foram a pique o Itagiba, o Arará, o Jacira e um veleiro não-identificado. Houve, oficialmente, 468 mortos. O número pode se aproximar dos mil no caso de o governo Getulio ter falseado a dimensão real da tragédia, como suspeitam historiadores.
Durante anos, discutiu-se no Brasil a hipótese de que os navios tivessem sido torpedeados por submarinos americanos, já que os EUA teriam interesse em ter o Brasil na Segunda Guerra. Documentos do próprio governo alemão vieram a desmentir a versão anos após o conflito.
Ex-diretor do Serviço de Documentação Geral da Marinha e do Departamento do Patrimônio Histórico e Cultural dessa Força, o almirante Max Justo Guedes trouxe ao Brasil, para conferências, o chefe do Departamento Histórico da Marinha da Alemanha, Kurt Jurgers, que assumiu a responsabilidade de seu país.
"Ele nos mostrou todos os relatórios, falou sobre os torpedeamentos, apresentou detalhes. Os alemães vieram para o Atlântico Sul porque no Atlântico Norte estavam em dificuldades, já que os americanos desenvolveram com rapidez equipamentos anti-submarinos. Decidiram então atacar os cargueiros na costa brasileira, que abasteciam os aliados com matérias-primas importantes", afirmou Justo Guedes.
Especialista em Marinha Mercante, o historiador Nelson Carrara fala sobre uma fase anterior aos torpedeamentos, quando o Brasil mantinha "uma delicada posição estratégica, pelo variado intercâmbio (...) com as potências do Eixo de cargas essenciais (...), fato que deixou temerosos a Casa Branca e os Aliados". Essa fase terminou com o ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, e com os torpedeamentos a embarcações nacionais. Durante toda a guerra, pelo menos 40 barcos brasileiros foram afundados pelo Eixo.
(ST)


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