São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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Melancolia marcou oficial até morrer, em 1994

DO ENVIADO A ARACAJU (SE)

O primeiro piloto do navio Araraquara, Milton Fernandes da Silva, trabalhou ainda na Marinha Mercante por 38 anos após o afundamento.
Passado um período de convalescença, voltou para o serviço em alto-mar. Aposentou-se em 1980 como comandante de navios cargueiros.
Embora no trabalho muitos conhecessem sua história, o alagoano Silva se manteve reservado sobre o assunto durante toda a vida. Abria-se com poucos, apenas os mais antigos.
Com os novatos, jamais comentava o que acontecera no litoral sergipano.
Nem com os familiares o comandante costumava falar sobre o tema. À época do naufrágio, aos 27 anos, já era casado com Altair, com quem viveu até morrer, em 94, em Niterói (cidade na região metropolitana do Rio). O casal tinha duas filhas, Vera, 1, e Lúcia, recém-nascida. Depois nasceram João Luiz, o único filho homem, e a caçula Altair Maria.
Ouvida pela Folha, Lúcia conta que o pai não gostava muito de relembrar a tragédia. "De vez em quando ele dizia alguma coisa. Lembrava de um amigo, de um objeto, e comentava, sempre em tom sério. Mas não era comum isso, era bem raro", disse ela.
Nas décadas de 60 e 70, com o nascimento dos primeiros netos, ele mudou um pouco o comportamento em relação ao ocorrido.
A eles, quando perguntado, costumava falar sobre o naufrágio e a luta pela sobrevivência, para chegar à terra. Adicionava então, para deleite da criançada, pitadas aventurescas, como baleias passando perto, tubarões e corpos semidevorados.
Falava também da fome e da sede, da satisfação sentida quando bebeu a água do primeiro coco recolhido assim que pisou as areias da praia de Estância.
Amigos mortos
Segundo Lúcia, o pai jamais fez tratamento psiquiátrico, mas demonstrava muita tristeza quando lembrava dos amigos mortos ou era procurado por parentes dos desaparecidos.
"Mamãe [morta em 2002] contava que, quando papai voltou para casa, vinham muitos parentes de pessoas que desapareceram no mar querendo saber o que acontecera. Ainda tinham esperanças. Isso o deixava muito triste, porque sabia que não havia mais chance de sobrevivência", afirmou.
Salvo eventualidades, Silva também não reencontrou os demais sobreviventes.
Lúcia lembra que ele falava de um certo cabo Chico, possível referência ao tripulante Francisco José dos Santos, mas não se lembra de os dois terem mantido algum contato.
(ST)


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