São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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"Voltei à superfície e agarrei-me a uma caixa que boiava"

Leia trechos do texto inédito do primeiro piloto do Araraquara, narrando o naufrágio do barco

MILTON FERNANDES DA SILVA

Fui despertado por um estampido seco, seguido de estremecimento do navio. Levantei-me incontinenti, ainda com o barulho da explosão, e tentei acender a luz, mas já não havia energia elétrica.
Compreendi, então, que o navio havia sido torpedeado. [...] Após ter passado aproximadamente um minuto da primeira explosão, estando o navio já bastante adernado para boreste [...], onde bateu o torpedo, novo estampido foi ouvido, seguido logo por outra explosão [...].
Ordenei então aos passageiros que estavam desorientados que fossem para o outro bordo e procurassem salvar-se da melhor maneira possível [...].
Corri até a quilha, fazendo-me ao mar, certo de que seria impossível salvar-me.
Nadei um pouco, auxiliado pelos vagalhões que me afastavam rapidamente do navio. Parei e pude presenciar o mesmo enterrar, ou, melhor, mergulhar a popa, ficando completamente em pé e desaparecendo.

Perturbação mental
Com o vácuo produzido pelo afundamento do navio, fui um pouco no fundo, tendo bebido bastante água com óleo e levado diversas pancadas com os destroços. Quando voltei à superfície e consegui respirar, agarrei-me a uma caixa que boiava [...]. Avistei um pedaço da tolda do botequim e nadei para ele, onde subi e pude recolher mais três pessoas [...].
Continuamos sobre as tábuas, notando que o mar nos aproximava cada vez mais para a terra, sempre em frente à barra de Aracaju. Assim passamos o resto da noite de 15, todo o dia 16 [...].
Às 2h do dia 17, o marinheiro [Esmerino Siqueira] começou a dar sinais de perturbação mental, pedindo alimento, dizendo ter ouvido bater a campainha para o café, depois tentou agredir o tenente [Oswaldo Costa] [...]; em seguida, desesperado de fome e sede, atirou-se ao mar, sendo impossível qualquer salvação.
Logo após, o [...] tenente começou a demonstrar o mesmo sintoma. [...] Tentei acalmá-lo, foi impossível, atirou-se n"água. [...] Agarrei-o pelas botas, conseguindo colocá-lo novamente sobre as mesmas [as tábuas].
No entanto, poucos minutos depois, colocando-se numa atitude agressiva, dizendo que eu e meu companheiro estávamos embriagados, que ia para casa, fez-se novamente ao mar, sendo desta vez impossível salvá-lo.
Ao clarear do dia, quando já avistávamos as casas da referida cidade [Aracaju][...], o vento terral nos arrastou para fora, fazendo-nos cair na arrebentação dos bancos. Esta acabou de destruir as tábuas e nos atirou n'água.
Lutamos com a dita arrebentação, nadando [...] em direção à praia de Estância, onde chegamos às 15h. Exausto, deitei-me na areia para dormir [...]."

NA INTERNET - Leia a íntegra do relato de Milton Fernandes da Silva em


www.folha.com.br/071851


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