São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

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+educação

O mito do atraso

Produção científica brasileira não perde para China e Índia se for levado em conta o tamanho das economias

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
DO CONSELHO EDITORIAL

Com o recente crescimento econômico exuberante da China e da Índia, tem se tornado freqüente a comparação de alguns aspectos socioeconômicos desses países com os do Brasil, o que é natural, pois esses são os três países emergentes de maiores dimensões físicas e econômicas. Mais recentemente essas comparações têm convergido para o setor de ciência e tecnologia, o que é sensato se o interesse é o futuro dessas nações.
Tem-se, todavia, concluído apressadamente que o Brasil está atrasado em relação a esses seus dois concorrentes e que essa distância deverá aumentar inexoravelmente com o tempo. Essa conclusão decorre com freqüência de uma leitura desavisada de dados sobre publicações científicas.
Pois bem, usaremos esses mesmos dados para mostrar que o Brasil não está tão mal assim em relação ao resto do mundo e, mais ainda, está em excelente posição quando comparado à China e à Índia.
A tabela ao lado encerra em sua primeira coluna as 21 disciplinas em que o Brasil contribuiu com pelo menos cem publicações em revistas indexadas nos últimos cinco anos. Essas disciplinas estão ordenadas em ordem decrescente de seus impactos relativos globais, isto é, percentuais de citações em relação ao total na mesma disciplina, entre 2001 e 2005. O número de artigos publicados por um autor, instituição ou nação exprime mal a produção científica, enquanto a quantidade de citações de um trabalho revela o grau de incorporação ao corpo de conhecimento científico dessa contribuição específica.

Mal em ciências humanas
Algumas conclusões interessantes (e outras trágicas) já podem ser extraídas imediatamente da primeira coluna. O Brasil está relativamente bem em ciências exatas e muito mal em ciências humanas, especialmente em economia e negócios e em ciências sociais.
Outros setores, tais como educação, filosofia etc., não são mencionados porque não alcançaram em cinco anos o mínimo de cem publicações indexadas. Com 1,4% do PIB mundial e 1,9% das citações em física, o Brasil parece estar nessa disciplina bem posicionado.
Todavia, se usarmos o PIB expresso pela paridade do poder de compra, o que seria mais adequado, veremos que o Brasil não está tão bem assim nem sequer em física.
Nada, entretanto, justifica o atraso acadêmico em que se encontram certas áreas de importância para a civilização, como economia e ciências sociais (agora dá para entender: em terra de cego, quem tem um olho é "príncipe"). É pior ainda o que acontece com ciências da computação, essenciais para o desenvolvimento tecnológico do país.
Utilizando agora a terceira coluna, veremos que a agricultura brasileira tem uma contribuição apreciável de artigos, embora com uma incidência de citações relativamente reduzida, o que revela uma qualidade média menor do que nos casos da física e da matemática.
Caso interessante é o de psicologia e psiquiatria, que, a despeito do diminuto número de artigos, apresentam um índice de qualidade comparável àqueles da física e da matemática, o que não acontece nem com o de economia e negócios nem com o de ciências sociais, cujos artigos, além de escassos, são de qualidade medíocre.
Passemos agora às colunas referentes à China e à Índia. Como nações de dimensões econômicas maiores, têm obviamente maiores contribuições à ciência e à tecnologia e devem, portanto, suas participações, em princípio, ser proporcionais aos índices respectivos de atividade econômica (PIB). Para uma comparação significativa, devemos portanto normalizar nossos dados em relação aos produtos domésticos brutos.
E o índice mais apropriado é aquele corrigido pela paridade do poder de compra (PIB PPC). Esses valores corrigidos estão incluídos na 5ª coluna para a China e na 7ª para a Índia. A 4ª e a 6ª se referem a percentuais sem correção, ou seja, participações absolutas.
Da 7ª coluna vemos que o Brasil tem um melhor desempenho que a Índia em todos os campos do conhecimento, exceto em uma única disciplina, a ciência de materiais. Com relação à China, também nessa matéria o Brasil está extremamente atrasado. Aliás, essa é a disciplina de maior importância tecnológica, pois serve de base a quase todas as atividades produtivas.

Melhor em biomédicas
É, portanto, deplorável que o Brasil esteja tão atrasado nesse setor, apesar dos esforços pioneiros visionários do professor Sérgio Mascarenhas de Oliveira, que em 1970 criou o primeiro curso de engenharia de materiais, na Universidade Federal de São Carlos (SP).
Enquanto a China está melhor que o Brasil no que diz respeito a ciências da computação, a Índia está ainda abaixo do Brasil em termos relativos. Esse é um outro campo de fundamental importância que o Brasil tem negligenciado e sem o qual não poderá assegurar um desenvolvimento econômico satisfatório.
A comparação em geral com a China também é claramente favorável ao Brasil. Enquanto em ciências exatas há praticamente um empate, em biomédicas o Brasil está visivelmente melhor. É preciso também notar que, de uma maneira geral, China e Índia, também como o Brasil, mostram um desenvolvimento pífio em ciências humanas em geral quando comparado àquele de ciências exatas. Parece ser, surpreendentemente, uma característica do subdesenvolvimento.


Agradecemos ao professor Jacob Pallis, diretor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, pelos dados extraídos da base de dados "Thomson Scientific", que permitiram elaborar a tabela aqui utilizada.



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