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+educação
O mito do atraso
Produção científica brasileira não perde para China e Índia
se for levado em conta o tamanho das economias
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
DO CONSELHO EDITORIAL
Com o recente crescimento econômico
exuberante da China
e da Índia, tem se
tornado freqüente a
comparação de alguns aspectos
socioeconômicos desses países
com os do Brasil, o que é natural, pois esses são os três países
emergentes de maiores dimensões físicas e econômicas. Mais
recentemente essas comparações têm convergido para o setor de ciência e tecnologia, o
que é sensato se o interesse é o
futuro dessas nações.
Tem-se, todavia, concluído
apressadamente que o Brasil
está atrasado em relação a esses seus dois concorrentes e
que essa distância deverá aumentar inexoravelmente com
o tempo. Essa conclusão decorre com freqüência de uma leitura desavisada de dados sobre
publicações científicas.
Pois bem, usaremos esses
mesmos dados para mostrar
que o Brasil não está tão mal
assim em relação ao resto do
mundo e, mais ainda, está em
excelente posição quando
comparado à China e à Índia.
A tabela ao lado encerra em
sua primeira coluna as 21 disciplinas em que o Brasil contribuiu com pelo menos cem publicações em revistas indexadas nos últimos cinco anos.
Essas disciplinas estão ordenadas em ordem decrescente
de seus impactos relativos globais, isto é, percentuais de citações em relação ao total na
mesma disciplina, entre 2001 e
2005. O número de artigos publicados por um autor, instituição ou nação exprime mal a
produção científica, enquanto
a quantidade de citações de um
trabalho revela o grau de incorporação ao corpo de conhecimento científico dessa contribuição específica.
Mal em ciências humanas
Algumas conclusões interessantes (e outras trágicas) já podem ser extraídas imediatamente da primeira coluna. O
Brasil está relativamente bem
em ciências exatas e muito mal
em ciências humanas, especialmente em economia e negócios
e em ciências sociais.
Outros setores, tais como
educação, filosofia etc., não são
mencionados porque não alcançaram em cinco anos o mínimo de cem publicações indexadas. Com 1,4% do PIB mundial e 1,9% das citações em física, o Brasil parece estar nessa
disciplina bem posicionado.
Todavia, se usarmos o PIB expresso pela paridade do poder
de compra, o que seria mais
adequado, veremos que o Brasil
não está tão bem assim nem sequer em física.
Nada, entretanto, justifica o
atraso acadêmico em que se encontram certas áreas de importância para a civilização, como
economia e ciências sociais
(agora dá para entender: em
terra de cego, quem tem um
olho é "príncipe"). É pior ainda
o que acontece com ciências da
computação, essenciais para o
desenvolvimento tecnológico
do país.
Utilizando agora a terceira
coluna, veremos que a agricultura brasileira tem uma contribuição apreciável de artigos,
embora com uma incidência de
citações relativamente reduzida, o que revela uma qualidade
média menor do que nos casos
da física e da matemática.
Caso interessante é o de psicologia e psiquiatria, que, a despeito do diminuto número de
artigos, apresentam um índice
de qualidade comparável àqueles da física e da matemática, o
que não acontece nem com o de
economia e negócios nem com
o de ciências sociais, cujos artigos, além de escassos, são de
qualidade medíocre.
Passemos agora às colunas
referentes à China e à Índia.
Como nações de dimensões
econômicas maiores, têm obviamente maiores contribuições à ciência e à tecnologia e
devem, portanto, suas participações, em princípio, ser proporcionais aos índices respectivos de atividade econômica
(PIB). Para uma comparação
significativa, devemos portanto
normalizar nossos dados em
relação aos produtos domésticos brutos.
E o índice mais apropriado é
aquele corrigido pela paridade
do poder de compra (PIB PPC).
Esses valores corrigidos estão
incluídos na 5ª coluna para a
China e na 7ª para a Índia. A 4ª
e a 6ª se referem a percentuais
sem correção, ou seja, participações absolutas.
Da 7ª coluna vemos que o
Brasil tem um melhor desempenho que a Índia em todos os
campos do conhecimento, exceto em uma única disciplina, a
ciência de materiais.
Com relação à China, também nessa matéria o Brasil está
extremamente atrasado. Aliás,
essa é a disciplina de maior importância tecnológica, pois serve de base a quase todas as atividades produtivas.
Melhor em biomédicas
É, portanto, deplorável que o
Brasil esteja tão atrasado nesse
setor, apesar dos esforços pioneiros visionários do professor
Sérgio Mascarenhas de Oliveira, que em 1970 criou o primeiro curso de engenharia de materiais, na Universidade Federal de São Carlos (SP).
Enquanto a China está melhor que o Brasil no que diz respeito a ciências da computação,
a Índia está ainda abaixo do
Brasil em termos relativos. Esse é um outro campo de fundamental importância que o Brasil tem negligenciado e sem o
qual não poderá assegurar um
desenvolvimento econômico
satisfatório.
A comparação em geral com
a China também é claramente
favorável ao Brasil. Enquanto
em ciências exatas há praticamente um empate, em biomédicas o Brasil está visivelmente
melhor. É preciso também notar que, de uma maneira geral,
China e Índia, também como o
Brasil, mostram um desenvolvimento pífio em ciências humanas em geral quando comparado àquele de ciências exatas. Parece ser, surpreendentemente, uma característica do
subdesenvolvimento.
Agradecemos ao professor Jacob Pallis, diretor
do Instituto Nacional de Matemática Pura e
Aplicada, pelos dados extraídos da base de dados "Thomson Scientific", que permitiram elaborar a tabela aqui utilizada.
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