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+sociedade
A inocência perdida
Especialista em cultura popular diz que entretenimentos violentos não explicam atentados em escolas
ERNANE GUIMARÃES NETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Educadores e políticos
dos EUA reagiram a
incidentes envolvendo assassinato e escola -três em seis dias-
retomando a discussão sobre
condições de segurança nas
instituições de ensino.
No último dia 27, um homem
de 53 anos molestou sexualmente alunas do ensino médio
de uma escola do Colorado,
matou uma delas e se matou
durante tiroteio com a polícia.
Na última segunda, um homem
de 32 anos atirou em dez meninas de uma escola da Pensilvânia, também cometendo suicídio. Entre os dois incidentes,
no dia 29, um estudante de 15
anos matou a tiros o diretor de
sua escola no Wisconsin.
Segundo o especialista em
crimes Harold Schechter, o debate nos EUA pode estar indo
na direção errada. Professor de
cultura popular na Universidade da Cidade de Nova York, ele
defende em "Savage Pastimes"
(Passatempos Selvagens, St.
Martin's Press) que o entretenimento popular sempre foi
violento e sempre houve pessoas perturbadas. Disse que o
problema hoje é simplesmente
a facilidade, sem precedentes,
de acesso a armas de fogo.
FOLHA - Por que essa alta incidência de massacres em escolas?
HAROLD SCHECHTER - Não acho
que seja uma preferência por
escolas. São tipos diferentes de
problemas: o garoto que atira
no diretor tem um tipo de problema mental, provavelmente
mais próximo a casos como o
de Columbine -o padrão usual
são jovens que se sentem humilhados e querem vingança.
Nos dois outros casos, estamos de fato lidando com assassinos em massa suicidas. São,
basicamente, doentes.
FOLHA - Que característica faz das
escolas alvo preferencial?
SCHECHTER - Elas são o que se
chama "alvo de oportunidade".
Se você procura abusar de meninas, um lugar para encontrá-las desprotegidas é a escola.
No caso do menino, assim como em Columbine, a escola seria o foco da infelicidade. Os
adultos apenas escolheram por
causa da oportunidade. Acho
que o caso mais recente parece
um "crime com imitação"
-quando há um crime sensacional e alguém logo em seguida faz algo semelhante.
FOLHA - E mais gente exigirá detectores de metais nas escolas.
SCHECHTER - Certamente. Terá
implicações ainda maiores.
FOLHA - Isso muda o significado
cultural da escola. Em "Passatempos Selvagens", o sr. fala sobre como crescemos cercados por imagens
de violência e como isso nos afeta.
Qual será o impacto desses eventos?
SCHECHTER - É difícil dizer se esses incidentes não são apenas
uma aberração ou representam
uma "tendência cultural". Muita gente começa automaticamente a culpar a mídia -videogames violentos, heavy metal.
Isso é ridículo. O entretenimento popular sempre foi bastante violento. O de hoje não é
mais ou menos violento.
A outra parte é que o entretenimento popular não pode ser
culpado por crimes horrendos,
e de certa forma essa tese é horrivelmente confirmada por esses dois últimos crimes, pois
obviamente não há ligação entre filmes -ou o que quer seja-
e as pessoas que cometeram esses crimes [um caminhoneiro e
um desempregado].
FOLHA - O problema seria resolvido pela proibição das armas?
SCHECHTER - Não acho que isso
faça desaparecer a violência,
mas é óbvio que um jovem perturbado irado com seus professores é diferente portando uma
arma automática, em vez de um
canivete. São as armas de fogo
que tornam esses incidentes
tão "fatais".
Nos anos 50, grande parte da
programação do horário nobre
era de violentos "westerns". O
que se fazia era brincar com armas de brinquedo. Há uma histeria sobre a violência no entretenimento popular, que sempre existiu -nos anos 1950, havia aqueles convictos de que
histórias em quadrinhos ou o
rock and roll eram a causa da
delinqüência juvenil.
FOLHA - Mas o herói não era em
geral claramente identificável, enquanto hoje há os vilões-heróis?
SCHECHTER - Vivemos em uma
época diferente, menos inocente. É mais difícil aceitar heróis
como aceitávamos. É uma época mais "cínica". Só que a cultura popular do passado sempre
nos parece mais inocente que a
do presente. A questão é o efeito sobre o espectador. Digo que
o filme de caubói tem o mesmo
efeito em mim que o videogame tem nas crianças de hoje:
um jogo ou fantasia excitante
que permite fingir que se é violento. Entretenimento popular
existe para isso.
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