São Paulo, domingo, 08 de outubro de 2006

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+sociedade

A inocência perdida

Especialista em cultura popular diz que entretenimentos violentos não explicam atentados em escolas

ERNANE GUIMARÃES NETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Educadores e políticos dos EUA reagiram a incidentes envolvendo assassinato e escola -três em seis dias- retomando a discussão sobre condições de segurança nas instituições de ensino.
No último dia 27, um homem de 53 anos molestou sexualmente alunas do ensino médio de uma escola do Colorado, matou uma delas e se matou durante tiroteio com a polícia.
Na última segunda, um homem de 32 anos atirou em dez meninas de uma escola da Pensilvânia, também cometendo suicídio. Entre os dois incidentes, no dia 29, um estudante de 15 anos matou a tiros o diretor de sua escola no Wisconsin.
Segundo o especialista em crimes Harold Schechter, o debate nos EUA pode estar indo na direção errada. Professor de cultura popular na Universidade da Cidade de Nova York, ele defende em "Savage Pastimes" (Passatempos Selvagens, St.
Martin's Press) que o entretenimento popular sempre foi violento e sempre houve pessoas perturbadas. Disse que o problema hoje é simplesmente a facilidade, sem precedentes, de acesso a armas de fogo.

 

FOLHA - Por que essa alta incidência de massacres em escolas?
HAROLD SCHECHTER
- Não acho que seja uma preferência por escolas. São tipos diferentes de problemas: o garoto que atira no diretor tem um tipo de problema mental, provavelmente mais próximo a casos como o de Columbine -o padrão usual são jovens que se sentem humilhados e querem vingança. Nos dois outros casos, estamos de fato lidando com assassinos em massa suicidas. São, basicamente, doentes.

FOLHA - Que característica faz das escolas alvo preferencial?
SCHECHTER
- Elas são o que se chama "alvo de oportunidade". Se você procura abusar de meninas, um lugar para encontrá-las desprotegidas é a escola. No caso do menino, assim como em Columbine, a escola seria o foco da infelicidade. Os adultos apenas escolheram por causa da oportunidade. Acho que o caso mais recente parece um "crime com imitação" -quando há um crime sensacional e alguém logo em seguida faz algo semelhante.

FOLHA - E mais gente exigirá detectores de metais nas escolas.
SCHECHTER
- Certamente. Terá implicações ainda maiores.

FOLHA - Isso muda o significado cultural da escola. Em "Passatempos Selvagens", o sr. fala sobre como crescemos cercados por imagens de violência e como isso nos afeta. Qual será o impacto desses eventos?
SCHECHTER
- É difícil dizer se esses incidentes não são apenas uma aberração ou representam uma "tendência cultural". Muita gente começa automaticamente a culpar a mídia -videogames violentos, heavy metal. Isso é ridículo. O entretenimento popular sempre foi bastante violento. O de hoje não é mais ou menos violento.
A outra parte é que o entretenimento popular não pode ser culpado por crimes horrendos, e de certa forma essa tese é horrivelmente confirmada por esses dois últimos crimes, pois obviamente não há ligação entre filmes -ou o que quer seja- e as pessoas que cometeram esses crimes [um caminhoneiro e um desempregado].

FOLHA - O problema seria resolvido pela proibição das armas?
SCHECHTER
- Não acho que isso faça desaparecer a violência, mas é óbvio que um jovem perturbado irado com seus professores é diferente portando uma arma automática, em vez de um canivete. São as armas de fogo que tornam esses incidentes tão "fatais".
Nos anos 50, grande parte da programação do horário nobre era de violentos "westerns". O que se fazia era brincar com armas de brinquedo. Há uma histeria sobre a violência no entretenimento popular, que sempre existiu -nos anos 1950, havia aqueles convictos de que histórias em quadrinhos ou o rock and roll eram a causa da delinqüência juvenil.

FOLHA - Mas o herói não era em geral claramente identificável, enquanto hoje há os vilões-heróis?
SCHECHTER
- Vivemos em uma época diferente, menos inocente. É mais difícil aceitar heróis como aceitávamos. É uma época mais "cínica". Só que a cultura popular do passado sempre nos parece mais inocente que a do presente. A questão é o efeito sobre o espectador. Digo que o filme de caubói tem o mesmo efeito em mim que o videogame tem nas crianças de hoje: um jogo ou fantasia excitante que permite fingir que se é violento. Entretenimento popular existe para isso.


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