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A rainha vigiada
Divulgação
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Kirsten Dunst no recente "Maria Antonieta", de Sofia Coppola |
Estudo e antologia publicados na França desvendam a correspondência de Maria Antonieta, que seria deposta pela Revolução Francesa, em 1789
VINCENT ROY
Viena, igreja dos
Agostinhos, 19 de
abril de 1770. Uma
jovem arquiduquesa de Habsburgo-Lorena se casa por procuração
com o príncipe herdeiro da
França, o futuro rei Luís 16. A
noiva veste manto de prata. O
papel de seu futuro marido é
representado por seu irmão.
Dois dias depois, Maria Antonia Johanna Josepha, 14
anos, deixa a Áustria para ser
enviada à França, "vendida por
uma dinastia", numa ilhota do
rio Reno considerado uma
fronteira simbólica.
Ela se despede de seu séquito
e de seu cão, traja um vestido
francês e recebe os cumprimentos das autoridades. Aquela que, daquele momento em
diante, passará a ser chamada
de Maria Antonieta se hospeda
no palácio episcopal de Estrasburgo antes de tomar o caminho de Versalhes.
No dia 21 de abril, sua mãe, a
imperatriz Maria Teresa, lhe
entrega instruções, "um regulamento a ser lido todos os meses". Uma das recomendações:
"Nunca leias nenhum livro,
mesmo indiferente, sem ter
previamente pedido a aprovação de seu confessor. Isso se
torna ainda mais necessário na
França, já que ali se publicam
incessantemente livros repletos de erudição e agrado, mas
entre os quais, sob esse manto
respeitável, existem os que são
perniciosos em relação à religião e aos costumes".
"Vida patética"
A França é um reino onde "se
pensa perigosamente". Filósofos abalam os princípios da monarquia absoluta, e libertinos
fazem a apologia da liberdade.
Em suma, a mãe da futura
rainha da França quer proteger, guiar, controlar e manipular sua filha, que é uma peça-chave na política externa dos
habsburgos. Mas como fazê-lo
à distância? Enviando mentores a Versalhes e mantendo
uma correspondência constante e secreta com a rainha.
Segue-se uma troca de correspondências que dura dez
anos, até a morte da imperatriz.
Essa correspondência "traça o
romance verdadeiro da vida patética da rainha", diz a historiadora Evelyne Lever, organizadora de "Marie-Antoinette - La
Naissance d'une Reine" [Maria
Antonieta - O Nascimento de
uma Rainha, Cartas Escolhidas
(1770-1780), ed. Points, 284
págs., 7, R$ 19].
Quanto às eminências pardas que aconselham e espionam "a austríaca", elas continuam a repassar informações a
Maria Teresa, e tão bem que esta, somando suas informações,
toma conhecimento de tudo o
que é tramado em Versalhes.
"Entre as monarcas da época, talvez seja Maria Teresa a
que melhor ilustra essa gestão
dos espaços público e privado
por meio de cartas", destaca
Catriona Seth no prefácio de
sua antologia notável dedicada
a Maria Antonieta ["Marie-Antoinette - Anthologie et Dictionnaire", Antologia e Dicionário, editora Robert Laffont,
960 págs., 29, R$ 80].
As cartas que as duas mulheres escrevem uma à outra revelam a extraordinária submissão -ou, então, o "desejo de
submissão", como explica Lever- da rainha à velha soberana "jupiteriana".
Não tendo encontrado em
Versalhes uma família unida e
afetuosa, semelhante à que deixara, Maria Antonieta teme
ainda mais se ver privada do
amor de Maria Teresa.
Assim, obedece cuidadosamente a todas as recomendações desta: "Afinal, a imperatriz sabe bem que eu farei tudo
o que ela quiser".
Lados opostos
Quando Maria Antonieta decide ignorar Madame du Barry,
a amante oficial de Luís 16 ("a
criatura mais ridícula e impertinente que seria imaginável",
escreve), ela é rapidamente
chamada à ordem. Até a chegada de Luís 16 ao trono, ela teme
a ira de sua mãe com a insegurança de uma menininha atirada no desconhecido. Ela cede às
recomendações de Mercy-Argenteau, que "pensa em bom
francês, como bom alemão", e
paga salários aos informantes.
Maria Antonieta é a perdedora nesses arranjos: desconhece
as manobras de Vermond e
Mercy, seus "anjos tutelares"
que não têm o poder de normalizar sua vida conjugal difícil.
Com a morte de Luís 15, em
1774, Maria Antonieta passa a
viver segundo suas próprias
preferências. Ela se dissipa,
porque está "decepcionada e
desencantada". Ela esconde de
sua mãe "as futilidades que a
ocupam", seus penteados extravagantes, seu guarda-roupa,
suas saídas noturnas, seu pendor pelo jogo, sua paixão pelos
diamantes, sua inclinação pelos
duques de Coigny e de Lauzun.
Duas cartas da rainha endereçadas ao conde de Rosenberg
não poderiam deixar de intrigar. Em uma, Maria Antonieta
fala de Luís 16 com muito pouco-caso, e, na outra, ela deixa
escapar que manipulou seu
"pobre homem" para que este
"lhe arranje o horário mais cômodo" para que ela possa ir ver
o duque de Choiseul. E acrescenta: "Creio que, neste momento, abusei o suficiente do
direito de mulher".
Surpreendente rainha da
França, que demonstra dois lados opostos: o de pequena rainha enternecida e o de mulher
liberta, "no clima do século".
Este texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Clara Allain.
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