|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cortina rasgada
PARA O SOCIÓLOGO
RICHARD SENNETT, COMUNISMO APODRECERIA MESMO
SEM PRESSÃO DOS EUA
MATILDE SÁNCHEZ
Nos últimos dez
anos, o sociólogo
Richard Sennett
(EUA) estudou o
giro copernicano
que o neoliberalismo impôs ao
mundo do trabalho.
Seus estudos "A Corrosão do
Caráter" e "O Artífice" (ambos
pela Record) analisam tanto as
grandes mudanças na gestão
do mundo fabril como a subjetividade do operário ao ser
substituído por máquinas ou
jovens empregados por um
quarto de seu salário -e sem
memória sindical.
Sennett, que é professor
emérito da London School of
Economics, defende na entrevista abaixo a tese de que a
queda do Muro de Berlim não
foi determinante para a globalização.
Para ele, esse processo já vinha ocorrendo fazia tempo.
PERGUNTA - Existe uma crença generalizada de que o colapso do bloco
socialista desencadeou a globalização. Mas o sr. e outros estudiosos separam os dois processos.
RICHARD SENNETT - É tentador tomar a queda do muro como metáfora perfeita para a globalização, mas ela não procede.
São dois desdobramentos
distintos. Não se deve enfocar a
queda e a dissolução do império comunista como consequências do ímpeto capitalista;
a rigor, isso está mais ligado a
um processo europeu, e não ao
capital financeiro ou à irrupção
da China na economia.
Uma das surpresas é que o
debate nacional alemão não
versou sobre a globalização,
mas sobre a inclusão de forças
do território oriental.
Quando a União Soviética foi
dissolvida, muitas dessas economias soberanas imaginavam
que poderiam se beneficiar do
sistema mundial. Mas não demoraram a compreender que
por muito tempo seriam apenas os parceiros pobres.
PERGUNTA - De que data o sr. identifica o atual ciclo de globalização?
SENNETT - De muito antes, de
1971, com a ruptura do acordo
de Bretton Woods, negociado
em 1944, que regulava o fluxo
comercial e financeiro no mundo ocidental. Aconteceu quando os EUA abandonaram unilateralmente a conversibilidade
de sua moeda e o padrão-ouro.
Ao contrário do que se acredita, os EUA hesitaram bastante. Investiram pouco no Leste
Europeu, o equivalente a 10%
dos investimentos na China
nos últimos 20 anos. Buscavam
uma escala bem maior de investimento. Desde 1995, já tinham a China como foco.
PERGUNTA - O que isso significou
para as massas de trabalhadores comunistas desempregados?
SENNETT - As liberdades políticas trouxeram instabilidade, e
foi então que eles começaram a
computar suas perdas e ganhos. Essa foi uma das ironias
do processo: eles haviam passado a ter liberdades, mas alguns
se enriqueceram demais e outros empobreceram muito.
Aconteceu o oposto do que o
proletariado esperava; tanto
nas pequenas empresas como
nas universidades, empregos
foram perdidos.
Na verdade, aconteceu uma
tragédia para toda uma geração. Minha impressão pessoal é
que, nos anos 1990, a geração
de transição sofreu uma grande
decepção retrospectiva no Leste Europeu.
Esse trauma será superado
pelas gerações seguintes.
PERGUNTA - O sr. acredita que a reforma deveria ser "nacional" e mais
gradual?
SENNETT - Os processos estavam sujeitos à situação das empresas estatais. Muitas delas
eram obsoletas, com parques
de maquinaria antiquados e
graves deficiências nos quadros
de gestão.
Um dos problemas comuns
no campo socialista era uma
ética de trabalho pobre, com
grande alienação dos trabalhadores quanto ao próprio ofício.
Quando visitei Weimar, na
Alemanha Oriental, tudo exalava uma sensação de abandono;
quando foi que os comunistas
alemães se entregaram à indolência? Nem mesmo colocavam vasos de plantas em suas
varandas...
Os novos governos não foram capazes de resolver problemas estruturais tão graves.
A queda da União Soviética foi
uma implosão, uma decadência
interna; não houve uma derrota, o que causa espanto. O império soviético não foi conquistado pelo capitalismo mundial.
PERGUNTA - O sr. não crê, portanto,
que os EUA tenham vencido a Guerra Fria?
SENNETT - Isso é uma estupidez.
Nos anos 80, o presidente [dos
EUA] Ronald Reagan havia aumentado imensamente os gastos com armamentos, e costumava-se dizer que esses gastos
militares induziram a bancarrota soviética: bobagem.
Muitos dos países do Leste
Europeu eram incapazes de gerenciar a própria transformação. O interessante é determinar por que os chineses, que
também tinham um comunismo estatal muito rígido, não
desabaram.
E isso dependia de qualidades que a China possuía antes
da era comunista.
A China sempre teve uma estrutura estatal disciplinada e
um sistema educativo magistral, bem como uma base popular muito entusiástica. E também o que chamei de "as tartarugas chinesas", uma imensa
massa de trabalhadores emigrados para o mundo inteiro
que reinvestiram dinheiro em
seu país de origem.
Culturalmente, tinham todo
o necessário para decolar.
A íntegra desta entrevista saiu no "Clarín".
Tradução de Paulo Migliacci.
Texto Anterior: 1989! Próximo Texto: Nas asas do tédio Índice
|