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Bastarda gloriosa
PRODUTORA DE "METROPOLIS", "NOSFERATU", "O ANJO AZUL",
DE FILMES NAZISTAS
E DO NOVO TARANTINO,
UFA SINTETIZA O APOGEU
E O DECLÍNIO DO CINEMA ALEMÃO
LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A POTSDAM (ALEMANHA)
Catorze metros separam o teto do chão do
Marlene Dietrich
Halle, um galpão de
paredes brancas e
chão de madeira e cimento cinza em Potsdam.
Entre eles, habitam quase todos os fantasmas do cinema
alemão -de Murnau a Riefenstahl, passando por Fritz Lang e
Dietrich. E, agora, o do americano Quentin Tarantino.
O vazio atual não denuncia,
mas os fantasmas da lendária
UFA (Universum Film AG) estão além dos mais de 900 filmes produzidos nestes estúdios nas cercanias de Berlim.
Eles ecoam com precisão a história alemã do último século e
suas próprias assombrações.
Foi sob a mesma estrutura
de metal que Fritz Lang filmou
em 1927 "Metropolis", híbrido
de ficção científica e análise sociológica que o consagrou.
Embaixo, entre tanto cinza,
está o rastro do mais recente
ocupante. "Vê as manchas vermelhas?", aponta num canto
Eike Wolf, do departamento de
divulgação. "Tarantino. Lavamos, mas volta", diz. "O pessoal
já diz que é o fantasma dele."
Entre Lang e Tarantino, os
estúdios da UFA fizeram nascer a maior diva do cinema alemão, filmaram e distribuíram
peças de propaganda nazista e
entretiveram duas gerações de
crianças na Alemanha Oriental
com filmes de fantasia.
Hoje, quer abrir o mercado
local e produzir filmes tipo exportação.
Quando Josef von Sternberg
revelou para o mundo a então
quase desconhecida cantora de
cabaré Marlene Dietrich em "O
Anjo Azul", o estúdio ainda
pertencia à UFA original, uma
usina cinematográfica que só
nos três anos entre os dois clássicos lançou 150 produções.
Vampiro lendário
Hoje a companhia, 939 filmes no currículo, virou duas
empresas distintas que pouca
semelhança guardam com a antecessora histórica, embora
mantenham a proeminência
no cenário cultural alemão.
A poucos quilômetros dali, a
empresa que reteve a marca
produz essencialmente novelas
diurnas e séries em sets pequenos e estúdios alugados.
O glamour dos anos 1920 é
apenas uma menção passageira
em explanações sobre o mais
lucrativo negócio da TV.
O Marlene Dietrich Halle, assim como todo o parque de filmagens em volta, são agora o
Studio Babelsberg.
Apesar do nome, é ele -e
concordam ambas as partes-
que guarda o parentesco direto
com a UFA do imaginário alemão e que continua sua perpétua reinvenção.
A história do estúdio começa
em 1912, com a criação do
Messter a partir da fusão de
uma série de pequenas companhias. Em 1917, após uma injeção de capital de grandes bancos e empresas, surge a UFA.
Cinco anos depois, a nova
companhia produziria seu primeiro clássico: "Nosferatu", de
F.W. Murnau, que imprimiu a
imagem de Max Schreck como
o vampiro de incisivos (e não
caninos!) pontiagudos na memória de gerações.
A fase áurea duraria até a crise de 1929 e do início dos anos
30 -então, tanto Lang quanto
Dietrich já viviam nos EUA.
Em 1937, com a ascensão do
nazismo, a produtora foi nacionalizada e virou um dos pontos
de apoio do ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, que tinha especial afeição pelo cinema. Tarantino se lembrou e estampou o logo da companhia
na fictícia produção que ilustra
seu filme.
Tamanha carga levaria os
aliados a cogitarem acabar com
a UFA. A solução foi incorporar
a produtora sob a Defa, o veículo de comunicação do regime
socialista na recém-criada Alemanha Oriental. Sete anos depois a marca abraçaria o Babelsberg, cuja administração
passara ao Exército soviético.
"Não podíamos falar sobre
qualquer coisa. Tínhamos de
tratar de assuntos que se ajustassem ao que queria o governo", lembra Angelika Müller,
54, ainda hoje no Babelsberg.
"Era problemático especialmente para os roteiristas. Por
outro lado, tínhamos muito
mais tempo para trabalhar em
cada filme", conclui.
A serviço de Hollywood
Naquela época, reflexo da estrutura política, o estúdio tinha
2.500 funcionários para produzir cerca de 15 filmes por ano.
Hoje são menos de 90 empregados trabalhando ali
-quando há um filme em curso, o número de pessoas direta
e indiretamente envolvidas pode voltar aos 2.500. Nenhum
roteirista tem contrato fixo.
O Babelsberg, com os estúdios da UFA, foi privatizado em
1992. Desde 2004 está sob a
atual administração, cujo foco é
o mercado internacional.
"Não há sensibilidade na Alemanha para tentar manter o estúdio vivo", reclama Carl
Woebcken, o presidente do Babelsberg. "Queríamos fabricar
sets, fazer grandes filmes, e é
por isso que acabamos virando
um fornecedor de Hollywood."
O estúdio voltou à rota das
grandes produções em 2002,
com "O Pianista", de Roman
Polanski. O diretor, preso em
Zurique, também lançará com
eles "The Ghost" [O Fantasma].
O Babelsberg coassinou
"Trama Internacional", "O Leitor" e o filme de Tarantino.
"Não foi fácil recuperar o terreno perdido", diz Woebcken.
Ultimamente, o Babelsberg
tem obtido boa parte de seu lucro -°3 milhões no ano passado, com a crise, e °6 milhões
no anterior- fabricando sets,
locando estúdios e fornecendo
as milhares de peças de figurino que abarrotam um galpão.
Beneficiado por um esquema
de subsídio oferecido pelo governo alemão desde 2007, para
tornar o país atraente às produções, o herdeiro da UFA em
tempos de crise se coloca também como um polo de empregos quando a indústria criativa
se consolida como a principal
(e talvez única) força da esvaziada economia de Berlim.
"É importante para quem sai
das escolas de cinema daqui
trabalhar nesses filmes, até para depois fazer melhores filmes
alemães. Aqui há pequenos filmes demais e pouca chance de
explorá-los no cinema", diz o
executivo. "Temos de fazer menos filmes, e maiores."
A UFA, sob o nome que for,
continua ecoando seu tempo.
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