São Paulo, domingo, 09 de janeiro de 2005

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arte

A próxiam Bienal de São Paulo

TEIXEIRA COELHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Que significam hoje as bienais? Antes, na cabeça da lista sempre vinham Veneza e São Paulo. Hoje, a relação das bienais ou equivalentes contém quase umas 30 outras: Havana, Mercosul, Kassel, Dacar, Cairo, Liverpool, Berlim, Istambul, Sharjah (Emirados Árabes Unidos), Seul, Busan (Coréia do Sul), Gwangju (Coréia do Sul), Xangai, Yokohama, Johannesburgo, Santa Fé, Porto Rico, Moscou, Buenos Aires, Praga, Gotemburgo, Luanda, Lyon, Sidney, Taipei, Tirana, Valencia, Vilnius...
Para ter uma idéia do que realmente significam, hoje, todas e cada uma, é preciso considerar o novo competidor que todas enfrentam: a Feira de Arte. Basel promete, para junho próximo, 5.000 obras de 1.500 artistas (a 26ª de São Paulo trouxe 135). A Fiac de Paris reuniu, em outubro passado, 215 galerias de 21 países; a de Colônia, a mais antiga de arte moderna e contemporânea, também em outubro mostrou 220 galerias; a Frieze, de Londres, no mesmo outubro, teve 150 stands com 2.000 artistas (ingressos aos mesmos US$ 20 pedidos pelo novo MoMa, em Nova York).
Antes de dizer que quantidade não importa é bom ver quem se mostra nessas feiras e quem vai ver e comprar: os artistas mais destacados do presente e do passado (muita porcaria também, claro, como nas bienais), de um lado, e, de outro, diretores e curadores dos museus centrais e grandes colecionadores. Público de cada uma? De 50 mil a 80 mil nos três ou quatro dias que cada uma dura. Quem paga a conta? O "mercado".
Diante disso, que fazem as bienais? A de Sidney, hoje a terceira do mundo, atrás de Veneza e Kassel, começou como internacional, embora voltada para sua região do Pacífico; mas nesta de 2004, a divisão entre "norte" e "sul" foi quase igual, e os europeus predominaram. A de Paris não é mais em Paris, foi para Lyon (a de Paris agora é propriedade privada). Na apresentação da 1ª Bienal de SP, em 1951, Lourival Gomes Machado dizia, cheio de razão, que a meta era conquistar posição central no cenário internacional ou, se não isso, nada.
A Bienal de SP ainda quer isso? Se sim, algo tem de mudar (e será preciso aceitar que um público interno de quase 1 milhão não quer, em si, dizer muito). Feira é feira e bienal, bienal. Mas tudo está conectado e o bater de asas de uma mariposa na China provoca um tornado nos EUA, como se sabe...

Quem deve ser o curador? - A nova diretoria da bienal joga com a idéia de um curador coletivo. Interessante. A de Sidney teve, uma só curadora, e alguns disseram que isso garante clareza e uniformidade (as feiras de arte não têm clareza nem uniformidade tudo, menos isso -e seu sucesso apenas cresce...). Outros afirmam que um curador só não dá conta do cenário mundial: não dá mesmo, e por isso surgem os temas, os recortes, que complicam mais que resolvem.
Há alguns anos se pensou, aqui, que um curador "de fora" garantiria repercussão internacional ao evento. Ingenuidade. A questão não é um curador ou vários, daqui ou de fora. A questão é: qual o projeto? E como é assim e só pode ser assim, por que não lançar uma concorrência internacional, aberta ou por convite (nesse caso, pago: há que gastar) e avaliar o projeto?

Que periodicidade? - Ciccillo foi enormemente ousado, propondo o biênio como norma. Mas ele sabia o que fazia e tinha como pagar (de seu bolso ou de sua empresa), assim como o faz a família que controla e mantém a Bienal de Sidney. Hoje, a burguesia de São Paulo, no jargão antigo, ou os executivos, não acreditam mais nisso. E o Estado aparece no último instante (e é melhor que sua ação seja mesmo apenas complementar). Ciccillo não formou uma escola (o último mecenas, por ora fora de ação, foi por outro caminho), e o Estado, em que Ciccillo confiava para continuar sua obra, nunca se mostrou à altura.
De seu lado, a Documenta de Kassel, com todos ou muito mais meios à disposição, escolheu, por concorrência, em dezembro de 2003 o curador da edição de junho de 2007. A cada dois anos São Paulo parece poder fazer apenas uma restrita exposição mediana, de repercussão cada vez mais doméstica. "Remember" Lourival. A globalização ajuda, mas também mata. Pode ser que nem todo mundo precise de um "lifting", mas uma instituição de arte precisa. Ter a coragem de mudar para continuar a mesma, sendo outra. Daria para continuar. Exemplo: onde mesmo fazer a bienal? Nesse Ibirapuera de 50 anos atrás? O país se considera muito avançadinho, quando é de um imobilismo... Mas é janeiro de verão e essas questões, claro, não passam de fantasias pessoais...


Teixeira Coelho é ensaísta e professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP.


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