São Paulo, domingo, 09 de janeiro de 2005

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"Raízes do Brasil"

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entre as obras que mais me marcaram está "Raízes do Brasil". Ali, Sérgio Buarque de Holanda foi mais do que um intérprete da formação nacional. Denunciou as marcas da herança colonial nas estruturas sociais e na psicologia coletiva do Brasil. O "homem cordial", personificação de uma aversão generalizada a regras impessoais, constituía um obstáculo à afirmação das práticas e dos valores da democracia entre nós. Mas Sérgio Buarque também antecipou novos rumos. "Raízes do Brasil" fala da transição não-linear que estaria em curso desde a abolição da escravatura.
Trincadas as estruturas de poder do Império, a República oscilava ainda entre o beletrismo liberal e um "mussolinismo indígena". Sérgio Buarque percebia o peso da ameaça autoritária e o insuficiente contrapeso oferecido por um liberalismo elitista e conservador. Via o Brasil deslizar na direção do autoritarismo. Mas apostava que a democracia haveria de prevalecer. Ressaltou, nesse passo, atributos positivos da nossa cultura, como o cosmopolitismo e o apreço pela autonomia do indivíduo. Enxergava, no entanto, o ingresso das massas no processo político como a garantia maior da democracia.
O Brasil é hoje um país urbano, no usufruto do Estado de Direito, com ampla participação popular na vida política. Nem por isso o clássico de Sérgio Buarque perdeu sua atualidade. Ele é o nosso Tocqueville. Apresenta a democracia como um processo aberto, indeterminado. Coloca em pauta a necessidade de atualizar valores como a impessoalidade da lei, a primazia das instituições, a soberania popular. Por isso a leitura de "Raízes do Brasil" traz sempre algo de novo.


Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, autor de "A Democracia Necessária" (Papirus) e "As Idéias e Seu Lugar" (Vozes), entre outros. Foi presidente da República entre 1995 e 2002.

A obra
"Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Holanda, 224 págs., R$ 34,50. Cia. das Letras (tel. 0/xx/11/ 3707-3500).


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